Por: André Luis Alves de Melo
Existem no Brasil quase seis mil municípios e apenas dois mil são sede de Comarca. Muitos destes Municípios sempre prestaram um serviço de assistência jurídica. Porém, recentemente iniciou-se um movimento que deseja ter monopólio de pobre capitaneado por dois setores jurídicos, os quais alegam que os Municípios estão VEDADOS de prestar assistência jurídica e até processam os que entendem ser possível este serviço. Publicamente alegam que são contra o monopólio de pobre, mas nos bastidores estes dois setores pressionam para que o cidadão tenha menos opções de escolha e fique refém de monopólios para se evitar a concorrência.
Em razão deste lobby que tenta dificultar o acesso aos serviços jurídicos, alguns Tribunais de Contas estão considerando irregular despesa com assistência jurídica. Ou seja, os Municípios podem gastar com festas, mas não com assistência jurídica.
A rigor, o serviço de assistência jurídica, embora importante, não é atividade privativa do Estado, pois se inserem neste rol apenas medidas que visem fiscalizar, prender e multar. Portanto, a advocacia e a assistência jurídica são serviços privados de interesse social. Logo, cabe ao Estado apenas complementar a prestação do serviço quando a iniciativa privada por motivos diversos não estiver atendendo a contento. Em nenhum país do mundo o Estado tem monopólio de defesa ou dificulta que se possa escolher.
O fato de ser serviço essencial à Justiça, não significa ser atividade privativa ou exclusiva. São questões bem diferentes.
Diante deste impasse e considerando o grande prejuízo atual à sociedade, passamos a uma análise jurídica do tema.
De início, destacamos que o art. 5º, LXXIV, da CF, estipula que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (grifo nosso).
A rigor, este artigo constitucional citado acima comporta um Mandado de Injunção no STF, pois até a presente data não se definiu como se comprova a carência econômica e isto tem permitido grandes abusos e deficiências.
Mas, retornando ao artigo constitucional, observamos que a redação é no sentido de "Estado". Logo, engloba os municípios. O conceito de Estado engloba Municípios, Estados e União. Portanto, os Municípios não estão dispensados da obrigação de assistência jurídica como serviço essencial.
A rigor, o serviço de assistência jurídica municipal funciona muito bem em muitas localidades. Apenas não tem a mesma capacidade de lobby e marketing que outros setores, e nem conta com o apoio do Ministério da Justiça, que nunca se interessou em estudar o serviço de assistência jurídica, pois preferiu atender a reservas de mercado.
A Constituição Federal também estabelece no art. 23, II, que é competência comum da União, Estados e Municípios cuidar da assistência pública, e neste conceito mais geral, engloba a assistência jurídica, bem como a assistência social e médica.
Também estabelece a Constituição Federal, no art. 24, XIII, da CF, que compete à União e Estados legislarem concorrentemente sobre assistência jurídica e defensoria pública.
Complementando, o art. 30, I, da CF, autoriza os Municípios a legislarem sobre questões locais. E a assistência jurídica aos seus munícipes é uma atividade de interesse local. Portanto, os Municípios podem legislar sobre o tema.
Porém, a própria legislação federal, através do art. 1º, da Lei 1060-50, estabelece a possibilidade de os Municípios prestarem assistência jurídica: "Os poderes públicos federal e estadual, independente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil, - OAB, concederão assistência judiciária aos necessitados nos termos da presente Lei (redação dada pela Lei nº 7.510, de 1986)".
Ou seja, até 1986 os Municípios podiam apenas colaborar, mas com a Constituição Federal de 1988, os Municípios passaram a ter o dever de prestar assistência jurídica.
Lado outro, se os Municípios podem propor ação civil pública, criarem guardas municipais, participarem da segurança pública, da saúde, educação, assistência social, não é crível sustentar que não podem atuar na área de assistência jurídica.
Muitos atos jurídicos são realizados nos Municípios como os Conselhos Tutelares, habilitações para casamento, impostos municipais, trânsito, saúde, e hoje até mesmo divórcios consensuais podem ser feitos nos cartórios extrajudiciais, os quais estão em TODOS os Municípios. Logo, a descentralização dos serviços de assistência jurídica com a necessária ampliação de legitimados é o caminho do verdadeiro acesso à Justiça. Para ajuizarmos ação civil publica temos mais de dez legitimados, e não faz sentido que para prestação de assistência jurídica exista apenas um órgão público.
Porém, o PL 7079/06 que tramita na Câmara dos Deputados e estabelecia expressamente a possibilidade de o Município prestar assistência jurídica na área da Infância e Adolescência, o qual foi aprovado na Comissão de Legislação Participativa está com parecer pela rejeição na Comissão de Constituição e Justiça em razão de fortes lobbies corporativos que pressionam para que o cidadão não tenha direito de escolha.
Todo Conselho Tutelar deveria contar com assistência jurídica prestada com o apoio dos Municípios. Ademais, nos termos do art. 86 da Lei 8069-90, cabe também aos Municípios a política de atendimento à criança e adolescente, logo inclui a assistência jurídico-social.
E ainda o art. 4º, V, r, da Lei 10257/01 também prevê a assistência jurídica para aplicação do Estatuto da Cidade, logo uma obrigação municipal.
Diante disso, podemos concluir que os Municípios também são obrigados a disponibilizar aos seus munícipes o serviço de assistência jurídica consultiva e também a judicial, pois é serviço essencial a ser prestado pelo Estado, e o Município integra este conceito, sendo que quanto mais opções de escolha tiver, melhor será a ampla defesa do usuário do serviço jurídico.
*André Luis Alves de Melo é promotor de Justiça em Minas Gerais.