Por: César Dario Mariano da Silva
8º PJ do II Tribunal do Júri
A Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2.006, mais conhecida como Lei Antitóxicos, trouxe significativas modificações no que é pertinente a crimes relacionados a drogas. A nova lei entrará em vigor quarenta e cinco dias após sua publicação, ou seja, em 08 de outubro de 2.006.
Uma das principais mudanças é que ao usuário de drogas será dado tratamento especial. Inovando nosso ordenamento jurídico, a essa pessoa poderão ser impostas penas restritivas de direitos cominadas abstratamente no tipo penal (art. 28). Não mais será possível a aplicação de pena privativa de liberdade para o usuário de drogas, mas a conduta de possuir ou portar droga para seu próprio uso continua sendo tipificada como crime.
As penas restritivas de direitos elencadas no Código Penal são aplicadas autonomamente, não possuindo qualquer relação com as penas privativas de liberdade. Elas não são cominadas abstratamente no tipo penal. Há a substituição das penas privativas de liberdade pelas restritivas de direitos, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 44 do Código Penal. Essa substituição dar-se-á quando da imposição da pena pelo Juiz na sentença, que fará uma análise da viabilidade da substituição.
Todavia, nada obstante o caráter substitutivo das penas restritivas de direitos descritas no Código Penal, já podemos encontrar no Código de Trânsito Brasileiro algumas restrições de direitos que serão aplicadas cumulativamente com a pena privativa de liberdade. Exemplos: arts. 302 e 303 do CTB.
O artigo 28, “caput”, e § 1º da nova Lei Antitóxicos diz que:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas
II - prestação de serviços à comunidade
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Não nos convence o argumento defendido por alguns doutrinadores de que a posse ou porte de drogas para uso próprio, bem como a semeadura, cultivo ou colheita de plantas destinadas à preparação de drogas para uso do agente (art. 28, “caput”, e § 1º), não mais são consideradas crimes, mas infrações “sui generis”, haja vista que a Lei de Introdução ao Código Penal – Decreto-lei nº 3.914/1941 - considera como crime a infração penal a que a lei comine pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa (art. 1º).
A Lei de Introdução ao Código Penal, como o próprio nome já diz, traz considerações acerca do Código Penal de 1.940. Sabemos que a parte geral do Código Penal foi totalmente modificada pela reforma de 1.984. A antiga parte geral do Código Penal sequer previa penas restritivas de direitos. Eram consideradas penas principais apenas a reclusão, a detenção e a multa (art. 28). Havia penas acessórias elencadas no artigo 67, mas não existia previsão de penas restritivas de direitos como conhecemos hoje.
Por esse motivo, a Lei de Introdução ao Código Penal não fez menção às penas restritivas de direitos, que são consideradas espécies de penas pelo artigo 32 do atual Código Penal.
O artigo 28 está inserido no capítulo III, do Título III da lei. E esse capítulo trata dos crimes e das penas. Ou seja, a própria lei diz que essas condutas são crimes. Aliás, o artigo 12 do Código Penal reza expressamente que as suas regras gerais serão aplicadas à legislação penal especial quando esta não dispuser de modo diverso. E isso não ocorre com a nova Lei Antitóxicos, que traz tipos penais específicos e inova ao definir crimes em que há cominação isolada de penas restritivas de direitos. Dessa forma, como as condutas são tipificadas como crime e a lei é especial, não há como aceitar que houve descriminalização.
E saber se essas condutas são, ou não, crime é extremamente importante, pois traz conseqüências penais quanto à reincidência. O artigo 63 do Código Penal diz que será considerado reincidente aquele que cometer novo crime, depois do trânsito em julgado da sentença que o houver condenado, no Brasil ou no exterior, pela prática de crime anterior. Assim, como essas condutas são consideradas como crimes, poderão gerar a reincidência.
Também é importante ressaltar que o cultivo, semeadura ou colheita de plantas destinadas à preparação de droga, em pequena quantidade e para uso próprio do agente, é crime específico previsto no artigo 28, § 1º. A pena é a mesma do delito de posse ou porte de droga para uso próprio. Acabou-se, portanto, a discussão até então existente sobre a natureza do crime praticado, ou seja, se o agente seria traficante ou mero usuário, ou, como defendiam alguns, de ser o fato atípico. A nova lei, por outro lado, traz dispositivo específico que pune a aludida conduta quando o objeto material for destinado ao tráfico (art. 33, § 1º, II).
Caso o condenado por um desses delitos (art. 28, “caput” e § 1º) se negue a cumprir a pena restritiva de direitos, o Juiz poderá adverti-lo ou aplicar-lhe multa, cuja quantidade e valor são fixados pelo artigo 29. Não existe possibilidade da conversão das penas restritivas de direitos em privativa de liberdade por falta de previsão legal.
As penas previstas para os delitos do artigo 28, “caput” e § 1º (imposição e execução) prescrevem em dois anos, observando-se os prazos interruptivos do lapso prescricional previstos no art. 107 e seguintes do Código Penal (art. 30). O julgamento desses delitos é de competência do Juizado Especial Criminal, salvo se houver concurso com qualquer dos crimes previstos nos artigos 33 a 37, quando seguirá o procedimento previsto nos artigos 54 e seguintes (art. 48, § 1º).
Com efeito, a nova lei traz salutares modificações, mas também preocupações. Uma delas é que o usuário de drogas não poderá ser obrigado a cumprir as penas restritivas de direitos. O máximo que o Juiz poderá fazer é aplicar-lhe uma multa, que acreditamos não ser suficiente para obrigar alguém a cumprir as restrições de direitos. Aliás, quem não puder pagar a multa e quem quiser quitá-la não cumprirá a restrição de direitos.