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Congresso Nacional Online de Vitimologia e Direitos das Vítimas Criminais é concluído

Do dia 15 ao dia 19 de junho a CONAMP e a Associação Mineira do Ministério Público (AMMP) realizaram a 1ª edição do Congresso Nacional Online de Vitimologia e Direitos das Vítimas Criminais.

Todas as palestras e debates foram gravados e estão disponíveis no Youtube da CONAMP e da AMMP. Os membros do Ministério Público que realizaram a inscrição no evento têm direito ao certificado de participação se assistirem a, no mínimo, 80% do tempo total do congresso.

Abertura

Os discursos de abertura foram feitos pelos presidentes da AMMP, Enéias Xavier Gomes, da CONAMP, Manoel Sereni Murrieta, pelo Procurador-Geral de Justiça, Antônio Sérgio Tonet, e também pelo Promotor de Justiça do MPMG e coordenador acadêmico do Congresso Online, Lélio Braga Calhau.

Em seu discurso, Manoel Sereni Murrieta apontou que a iniciativa “é mais um dos produtos e resultados de mudança de atuação exigidos pelo momento triste de dificuldade sanitária, econômica e democrática que vivemos. É com muita alegria que recebemos todos vocês. O evento representa um momento muito claro de união. Momento de lembrar que precisamos nos alinhar e nos unir para defender o sistema acusatório também e, acima de tudo, a democracia.”

Por sua vez, Enéias Xavier Gomes descreveu o congresso como uma realização histórica por abordar a vítima, que na sua visão, tem sido deixada de lado na Dogmática Penal. “Portanto, um evento desta magnitude, um evento nacional com nomes de referência, que certamente trarão uma verticalização neste assunto tão árido, é motivo de imensa satisfação para todos os membros do Ministério Público brasileiro e, sobretudo, para nós que temos a oportunidade de organizá-lo."

Já o Diretor acadêmico do congresso, Lélio Braga Calhau, em uníssono ao presidente da AMMP, também ressaltou que o Brasil está em atraso em relação à Vitimologia. “Esse é evento sobre as vítimas mais importante do direito brasileiro nos últimos 30 anos. Embora nós tenhamos lido nos livros que vivemos uma terceira fase no estudo das vítimas, onde a vítima foi neutralizada na era do estado moderno, e que ela vive agora no estudo do crime, a sua idade de ouro, no Brasil infelizmente nós não vemos isso. Pelo contrário, nas últimas décadas temos visto o estudo das vítimas perder importância. A vítima perdeu lugar, muitas vezes, por conta de interpretações não equilibradas e quiçá, talvez, despojadas de sentido material e justiça. Esse seminário foi montado no sentido de uma forma fácil, clara e objetiva em trazer os senhores o estado da arte do estudo da vítima na atualidade.”

Em sua fala o PGJ, além enaltecer a realização do congresso, apontou duas modalidades de vítimas na atual conjuntura nacional: os mortos pelo covid-19 e as instituições públicas que sofrem ataques de grupos antidemocráticos. “Eu queria ressaltar e trazer uma consideração especial a duas espécies de vítimas nesse trágico momento que estamos vivendo. O primeiro, as mais de 40 mil vítimas do Covid-19 e seus familiares. O MP do Brasil tem trabalhado para reduzir os efeitos trágicos. E também registrar uma vítima, agora de caráter público corporificado nas instituições públicas brasileiras, que têm sido vítimas de assaques nesse momento político tão difícil que estamos vivendo.”

Resoluções da ONU

O Procurador Regional da República Vladimir Aras iniciou o ciclo de palestras com o tema: “Direitos das vítimas e resoluções da ONU: uma visão do Direito Internacional”. Aras explicou que as convenções internacionais buscam garantir que os estados nacionais garantam às vítimas o exercício de seus direitos. “Quem são as nossas vítimas? São os 40 mil brasileiros que morrem todos os anos por crime violentos, as vítimas de violência doméstica, de violência policial. Temos que pensar também em policiais vítimas de crime, temos de pensar em vítimas de crimes terríveis como o pequeno Miguel em Pernambuco, temos que pensar nas vítimas de crimes virtuais, nos funcionários públicos. Também estou na condição de vítima. Meu pai, como funcionário público, foi vítima de crime de mando em 1996. São todas essas vítimas com as quais nos ocupamos e elas fazem parte de uma preocupação, não só do direito interno, mas também do direito internacional. O Direito internacional tem buscado resolver a questão das vítimas de forma a tentar enfrentar o problema, tanto do ponto de vista do Direito Internacional, quanto, perante aos órgãos internacionais.”

União Européia

A palestra “O Direitos das vítimas e União Europeia: a proteção das vítimas criminais e seus aspectos práticos” foi ministrada pela advogada e Pós-Doutora em Direito pela UFSC Alline Pedra. Em sua fala, Pedra destacou que o Brasil precisa construir um marco legal que regule o Direito das Vítimas. “O que é interessante a gente resgatar em termos de história, em relação à evolução dos direitos das vítimas nos países europeus é que o movimento todo começou na década de 70, quando alguns países começaram a incluir em seus marcos legais legislações de apoio e proteção às vítimas. Definitivamente, existe um gap enorme na legislação de apoio às vítimas no Brasil. Aqui estamos muito aquém do que deveria estar em termos de legislação e em termos de implementação prática também. No Brasil, o primeiro projeto de lei que tentou criar um fundo de indenização às vítimas é de 2003 e não vingou. Depois tiveram projetos em 2006 e 2016, esse chamado Ato das Vítimas. Em 2019 surgiu um projeto que cria o fundo de indenização. A gente precisa definitivamente de um marco legal no Brasil."

O papel do MP

O Promotor de Justiça do Distrito Federal e mestre em Direito Penal pelo UNICEUB Dermeval Farias Gomes Filho abordou “O Ministério Público frente aos desafios das vítimas criminais”.
Dermeval Faria Gomes defendeu a unidade institucional dos órgãos que compõem o sistema de Justiça Criminal. “Não tem como falar sobre política criminal do MP com relação às vítimas do nosso país sem fazer um breve relato sobre o estado atual da política criminal. Vivemos em um momento em que temos que compreender nossa posição como um ator de política criminal, o qual apresenta atuações isoladas e busca de protagonismo individual em diversas instituições do sistema de Justiça criminal sem o devido diálogo e construção conjunta de uma política criminal para os problemas penais. Isso resulta no aumento da violência e na disfuncionalidade total do sistema de Justiça Criminal. É necessário que entendamos neste momento que o Ministério Público, como uma das instituições do sistema de Justiça Criminal, tem o dever de andar melhor no que diz respeito à unidade institucional, sabendo que a independência funcional é essencial.”

Obrigações processuais

O Procurador Regional da República Douglas Fischer apresentou o tema: “Obrigações processuais penais positivas e direitos das vítimas”. Em sua fala, Douglas Fischer abordou a necessidade de um garantismo positivo e um negativo. “O Direito não existe para a proteção apenas de um, aquele débil do processo penal. Nós sabemos hoje que o Ministério Público, que pode cometer os seus equívocos, é muito mais do que um mero perseguidor dentro daquela visão, quase preconceituosa, dos tradicionais garantistas brasileiros. O Ministério Público tem uma atuação proativa também nos interesses do processado. Mas obviamente não é só isso que está em jogo. Então nós temos que superar essa visão unilateral para partimos para esta visão de um garantismo positivo e um garantismo negativo. O garantismo negativo não é pejorativo, é negativo porque o estado não pode agir em detrimento de direitos fundamentais, sobretudo de uma forma sem justificativa e desproporcional, mas por outro lado ele uma obrigação de agir positivamente."

Vitimodogmática

A Promotora de Justiça do MPSP Annunziata Iulianello, que abordou a “Vitimodogmática: O Papel da Vítima na Teoria do Crime”.

A Promotora de Justiça explicou que a vitimologia praticada no Brasil precisa reconhecer a vítima como sujeito de direitos. “A partir do momento em que o estado passou a ter o direito de punir, a figura da vítima foi diminuída. No Processo Penal foi tida apenas como informante. No Direito Penal a vítima foi tida como objeto neutro, em relação ao qual recaia a conduta dos criminosos. Quando a vítima é tratada assim, ela não é reconhecida como sujeito de direitos. Comecei a me preocupar com a Vitimologia, justamente porque comecei a observar no meu trabalho diário que a vítima ficava isolada nos corredores do fórum, sem saber o que iria acontecer, sem ser reconhecido para ela qualquer tipo de direito, eventuais encaminhamentos para um tratamento, ou as vezes uma condição financeira no contexto de violência doméstica. Nada disso é levando em consideração.”

Perspectiva institucional

Também participou o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto e do Programa de Integração da América Latina (PROLAM) Eduardo Saad-Diniz.
Em sua palestra sobre a “Criminologia e Vitimologia Corporativa”, Saad Diniz ressaltou que é preciso que as corporações tenham compromisso com a democracia. “Existe uma grande continuidade da mesma rede empresarial que financiou a ditadura militar e que permanece até os dias atuais fomentando dinâmicas autoritárias. Como você vai sustentar um discurso de ética empresarial sem haver um compromisso democrático básico? Toda essa dinâmica brasileira calcada na nossa história econômica e empresarial me levou a estudar a Criminologia Corporativa. Sobretudo porque não basta eu chegar aqui e dizer: vamos expandir o alcance da responsabilidade penal jurídica. Assim todos nos convencemos que essa é uma solução mágica para todos os nossos problemas sociais da nação.”

Vitimização secundária

O coordenador acadêmico do evento e Promotor de Justiça do MPMG Lélio Braga Calhau, palestrou sobre o tema “A Vitimologia e Criminologia: passado, presente e futuro das vítimas nas ciências criminais ao redor do mundo”.

Calhau, que utilizou trecho de um filme para exemplificar seu argumento, ressaltou que a vítima sofre vitimização secundária ao não ser acolhida pelo estado. “O que vimos na cena que exibi exemplifica um dos maiores sofrimentos da vítima criminal em todo mundo: a vitimização secundária. Ao contrário da vitimização primária, que é o sofrimento direto que acontece quando ela é atacada pelo agressor, a secundária é o sofrimento adicional desnecessário, que acontece quando a vítima procura o estado pedindo ajuda. Mas cabe a nós, como Promotores de Justiça, trabalharmos para reduzir ou evitar a ocorrência da vitimização secundária que martiriza a vítima.”
Posteriormente, o advogado e presidente da Sociedade Brasileira de Vitimologia, Wanderley Rebello Filho, reafirmou as constatações feitas por Lélio Braga Calhau, ao apontar que a vítima é sistematicamente desassistida. “A vítima quando comparece, vai como testemunha. Em 90% das vezes, ela não tem ninguém para apoiá-la. Não tem defensor público. Ela narra o que sofreu e vai embora. O Ministério Público faz o trabalho dele de acusar o réu, e enquanto isso a vítima fica sozinha na maioria das vezes. Quem pode, leva advogado. A vítima ainda é muito esquecida em todo o território nacional.”

Justiça restaurativa

A palestra “A vítima na Justiça Restaurativa” foi ministrada pela Promotora de Justiça do MPMG Danielle de Guimarães Germano Arlé.

A Promotora de Justiça explicou que a Justiça Restaurativa é por definição holística. Neste contexto, a vítima passa a receber mais amparo, assim como a comunidade. “A Justiça restaurativa é uma visão sistêmica, de Justiça como valor que parte do pressuposto de que estamos todos interligados. No foco da Justiça como valor, não na Justiça como sinônimo de poder judiciário ou processo judicial. A visão sistêmica de Justiça tem uma tríplice finalidade. Quando ocorreu um dano, ela tem a necessidade de satisfazer as necessidades da vítima. Posteriormente ela busca a responsabilização ativa do causador do dano. Por último, ela quer atender as necessidades da comunidade. Tudo isso através de processos dialógicos, voluntários e consensuais onde são buscadas soluções que melhor atendam essas necessidades da vítima, agressor e comunidade."

Onu e justiça restaurativa

“A participação da vítima em processos de justiça restaurativa segundo o novo manual da ONU” foi tema de palestra da Doutora em Criminologia pela University of Oxford Fernanda Rosenblatt. A estudiosa afirmou que a vítima tem necessidades que vão além da punição do causador do dano. “Diferentemente do que o senso comum prega, de que a mídia parece acreditar, as pesquisas apontam que grande parte das vítimas quer outra coisa que não é a punição do infrator. As pesquisas também apontam, desde o início do movimento da vitimologia crítica, que as vítimas não são mais punitivas do que as não vítimas. As pesquisas de vitimização ainda revelam um grande apoio às medidas alternativas ao encarceramento. Também não há evidências de que penas maiores tenham efeito positivo na saúde mental das vítimas. A sugestão empírica é de que por oportunizarem um espaço dialogal entre a vítima, o infrator e a comunidade afetada, os programas de Justiça Restaurativa criam mais oportunidade para que as vítimas fiquem sabendo do andamento do seu caso, o que aumenta o sentido de justiça informacional, e devolvem a palavra à vítima permitindo que ela participe ativamente, tanto na definição dos danos provocados, quanto da decisão a cerca do que fazer para reparar esses danos."

Indenização

Já a palestra “A indenização preliminar das vítimas no processo penal brasileiro: desafios concretos para a viabilização desse importante direito no Brasil” foi apresentada pelo mestre em Direitos e Garantias Fundamentais e especialista em Ciências Criminais, Direito Constitucional e Direito Tributário Anderson Burke.

O professor relatou a importância de o Brasil criar um fundo de apoio às vítimas, já que muitas vezes o causador do dano é incapaz de indenizar. “Eu confeccionei o capítulo de um livro sobre Vitimologia na USP de Ribeirão Preto e nessa obra eu fiz uma pesquisa que constatou que a grande massa carcerária brasileira é pobre. Estou chamando a atenção para a insolvência. Nós evoluímos nossa cultura. Entendemos que a vítima hoje é um objeto das ciências criminais. Ela é o foco que nos temos que pensar em resguardar o bem jurídico dela que foi violado. Enfrentamos a instrução processual, foi feita a condenação corretamente, transitou em julgado e chegamos no ponto da execução, só que é insolvente. E aí? Nada, nada nada e morre na praia. Qual a solução para isso? Não estou falando de uma utopia, porque já existe na Europa, é a criação de um fundo nacional de proteção às vítimas de crimes que está positivado no Artigo 245 da Constituição."

Júri

O Promotor de Justiça do MPMT César Danilo Novais apresentou o tema “A vítima no Tribunal do Júri”.

Em suas colocações, o membro do MP exaltou o Tribunal do Júri como um lugar de defesa da vítima, mas sobretudo da vida. “O Promotor de Justiça no Tribunal do Júri fala em nome do sangue derramado da vítima, em nome da família enlutada, em nome da sociedade desfalcada e da comunidade indignada. Ele tem a grande chance de transforma o luto em luta por justiça. Alguns colegas podem ter pensado, ao observar o título do nosso colóquio, que eu fosse tratar da Ação Penal Pública subsidiária, do assistente de acusação, mas não. Eu trato nesta nossa temática a vítima como sendo o valor filosófico da vida. Naquela famosa carta de Rui Barbosa, que discutia se existia defesas criminais indignas ou não, se estabeleceu que todos têm direito à defesa. O pior dos seres humanos merece a defesa porque ele carrega a dignidade humana.”

Encerramento

O debate “Perspectivas Normativas para a Efetiva Tutela dos Direitos das Vítimas” sintetizou as discussões de todo evento e apontou caminhos para a atuação do Ministério Público brasileiro. Participaram da última transmissão o Presidente da CONAMP Manoel Murrieta, o coordenador acadêmico e Promotor de Justiça do MPMG Lélio Braga Calhau, e o Promotor de Justiça do MPES e Presidente da AESMP, Pedro Ivo.

Manoel Murrieta exaltou a realização do evento, que alcançou mais de 2.000 acessos ao link da AMMP. Para o presidente da CONAMP, o congresso mostrou novas formas atuação. “Eu gostaria de registrar a alegria de o evento já ser um sucesso, pois a participação de todos os membros foi impressionante, o que nos traz a certeza de que estamos no caminho certo e de que esse momento de pandemia, com tantas vítimas, apresenta uma nova forma de atuar."

Por sua vez, o coordenador acadêmico do evento e Promotor de Justiça do MPMG, Lélio Braga Calhau, ressaltou que as exposições do congresso escancararam a necessidade de respeitar os direitos das vítimas em equilíbrio aos direitos dos acusados. “Ficou bem claro em todas as palestras que há um desnível e proteção jurídica, constitucional e social no tocante aos acusados e as vítimas. Mais uma vez frisar, ninguém neste congresso defendeu um Direito Penal só da vítima, mas todos foram uníssonos no sentido de que o mesmo respeito que os acusados recebem do ordenamento jurídico, também deve ser destinado às vítimas criminais. Isso não é feito. Há uma necessidade garantir ações positivas de proteção às vítimas.”

Em posse da fala, Pedro Ivo apontou um dos caminhos futuros para atender as necessidades das vítimas. “O que nós temos para o futuro, em que nós temos que centralizar nossas forças? Na ONU por exemplo, uma grande ação está sendo desenvolvida. Os documentos internacionais como a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder estão ganhando status de convenção. Por que isso é importante? Para que nós devemos nos movimentar quanto isso, não só como membros do MP, mas como cidadãos brasileiros? Para que os direitos e as garantias das vítimas sejam levados a sério.”

Com informações da AMMP

Clique aqui e confira a gravação das palestras do congresso

 



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