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Neoliberalismo e Previdência

Por: Cassiano Luiz Iurk

Cassiano Luiz Iurk, Advogado e Coordenador do Contencioso da ParanaPrevidência

Vivemos um tempo que se notabiliza pelas incertezas. 

A sociedade contemporânea tornou-se compulsiva pelo “novo”, e o que era perene ou tido como natural acaba desfazendo-se ante a voracidade das transformações culturais. Como já dissera Karl Marx numa frase que se tornou célebre, a modernidade faz com que “tudo o que seja sólido desmanche no ar”.

Se é certo que vivemos sob a “modernidade líquida”, que a todo momento e em todos os campos sociais insiste em criar novas verdades com igual pretensão à perenidade, como diz Bauman, um dos mais instigantes sociólogos contemporâneos, este cenário torna-se especialmente dramático quando se está a falar de previdência social.

O viva concedido aos avanços da medicina, que a cada dia prolonga a expectativa de vida dos homens, sob os desígnios neoliberais logo precisou ser contido, trazendo aos idosos de todo o mundo, e especialmente dos países em desenvolvimento, o medo inexorável de envelhecer sem amparo.

Neste quadro cultural não se deve surpreender com o fato das emendas à Constituição do Brasil, ocorridas em 1998, 2003 e 2005, e conhecidas como “Reformas da Previdência,” terem contribuído significativamente para alastrar a sensação de insegurança quanto às regras para a concessão de aposentadorias e pensões.

Sob o influxo neoliberal, ambos os regimes de previdência do Brasil (Geral e Próprio dos servidores públicos), sofreram inovações que relativizaram dogmas previdenciários.

No regime geral, o conhecido “fator previdenciário”, fórmula criada pela Lei nº 9.876/99 para cálculo dos benefícios, foi cunhada com a intenção de reduzir o questionável déficit da previdência, diminuindo o valor daqueles e aumentando as exigências para a aposentadoria, principalmente em relação à idade e tempo de contribuição. Tal inovaçãohistoricamente “achatou” os valores a serem recebidos¹.

Já no regime próprio dos servidores públicos, a quebra da paridade entre ativos e inativos, e o abalo da segurança jurídica quanto às exigências para a aposentadoria, frustraram de forma abrupta as legítimas expectativas dos trabalhadores que almejavam se manter na velhice com o mínimo de dignidade, ao menos com o mesmo padrão remuneratório que auferiam em atividade.

Tais alterações demonstram que o intuito reformador visou tão-somente o equilíbrio das contas governamentais, e o que é pior, com o sacrifício de apenas um dos atores sociais que devem, segundo a Constituição Brasileira, financiar a seguridade social: a massa de trabalhadores.

Ainda é tempo de evitar as experiências negativas da Argentina, Chile e México, que ao afeiçoarem seus sistemas previdenciários às diretrizes neoliberais, entregando-os aos grandes grupos econômicos, empobreceram um grande número de aposentados e pensionistas.

Se reformas são necessárias, que não se façam apenas sob a rispidez dos números, estatísticas e interesses privados inconfessáveis, mas também imbuídas do propósito de incorporar ao prefixo “neo”, expressões como dignidade, respeito e amparo.

Proporcionemos aos nossos trabalhadores a possibilidade de envelhecer segundo as palavras do poeta brasileiro Olavo Bilac, que propunha que “envelheçamos rindo, envelheçamos como as árvores fortes envelhecem, na glória de alegria e da bondade, agasalhando os pássaros nos ramos, e dando sombra e consolo aos que padecem!”

¹. Segundo análise empírica realizada pela Fundação IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que vincula-se ao Governo Federal por intermédio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no perído posterior à adoção da fórmula do fator previdenciário (1999 a 2004), a alteração dos resultados foi significativa, a saber:(i) forte reversão no fluxo anual de concessão de aposentadorias por tempo de contribuição – cai a média anual de 339,8 mil para 136,2 (ii) elevação significativa da média de idade dos aposentados entre períodos –aumento de 49,7 para 52,2 entre mulheres,e de 54,3 para 56,9 para homens (iii) eleva-se o tempo médio de contribuição, antes e depois, de 27,5 para 28,7 entre as mulheres, e de 32, 7 anos para 33,8 para os homens e (iv) forte desaceleração no estoque de benefícios de tempo de contribuição em manutenção, que tivera taxa média de incremento de 11,2% ao ano entre 1991 e 1998, e passou a ter incremento médio de 2,2% ao ano entre 1999 e 2004- com conseqüente diminuição na taxa de incremento da despesa previdenciária total- da ordem de 1,0 ponto percentual ao ano. Disponível emhttp://www.ipea.gov.br/pub/td/2006/td_1161.pdf. Acesso realizado em 04/03/2007.


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