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Plea Bargain: medo da mudança ou da eficiência?

Texto publicado originalmente pelo jornal Correio Braziliense no dia 6 de maio de 2019 apenas em versão impressa (caderno especial Direito & Justiça, página 4)

“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela dialética, a tensão e o revezamento dos opostos. Portanto, o real é sempre fruto da mudança, ou seja, do combate entre os contrários”.

Nas palavras de Heráclito de Éfeso, pensador pré-socrático, nascido em 540 a.c., já se verificava a assertiva da certeza, de que a mudança é um movimento natural inevitável. Segundo ele, tudo flui e algo apenas nos parece estático porque, na verdade, está em equilíbrio entre forças opostas, mas que sempre fluirão para a mudança. Eis a certeza da vida natural e em sociedade.

Heráclito, com suas afirmações milenares, nunca esteve tão contemporâneo, quer nas pequenas manifestações da vida social, quer na evolução da ciência jurídica. O atual cenário jurídico brasileiro enfrenta o capítulo da discussão do Projeto de Lei Anticrime, entregue ao Congresso Nacional. Unido ao anterior estudo de reforma coordenado pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, os textos apresentam à realidade penal brasileira o novo instituto do acordo penal.

Em um movimento tímido, a figura do consenso na área penal já vinha sendo introduzida no sistema jurídico brasileiro em roupagem distinta e conforme o momento histórico vivido, sobretudo por meio de acordos responsáveis por evitar ações penais do Ministério Público. Temos como exemplo a transação penal, da composição de danos civis – ambas nas infrações penais de menor potencial ofensivo –, da delação ou colaboração premiada, do acordo de leniência e do parcelamento de débito tributário. Mais recentemente, tivemos o acordo de não persecução penal, apresentado à vida jurídica brasileira pelo Conselho Nacional do Ministério Público e, atualmente, com força e vibração. Daí a maior oportunidade de aceitação do acordo penal.

De início, devemos observar que o acordo penal está longe de ser uma repetição do plea bargain, do direito norte-americano, e sim, uma face nova, autêntica e equilibrada sob o aspecto de garantias individuais. Hoje, mais do que uma mudança, é uma necessidade ao momento brasileiro, pois se apresenta como a única forma de modernizar, agilizar e, principalmente, tornar mais seguro o resgate do crédito da Justiça penal. E, nesse diapasão, nada mais natural do que a formulação de críticas: ácidas, ponderáveis ou não contra o instituto, a favor de seu melhoramento ou até aquelas que busquem o seu banimento.

No entanto, o que é central nesse embate de ideias é que o acordo penal está acima de qualquer discussão de interesses corporativos, seja da magistratura, seja do Ministério Público, advocacia e defensoria pública. Sua utilização entre outros países afasta os fantasmas que surgem com a proposta de mudança.

Nos bastidores do debate legislativo, depara-se com a afirmação de que os juízes abrirão mão de parcela do seu poder – o que não é verdadeiro, pois, em momento algum, a figura do magistrado é afastada ou diminuída no processo. Ao invés, ela é contínua, sendo o juiz o destinatário do trabalho das partes e a última palavra sobre a validade das avenças formalizadas entre acusação e defesa. Inclusive, um dos efeitos positivos da sistemática dos acordos penais será a diminuição da pauta de audiências das diversas varas criminais deste país – em recente consulta, as classes dos magistrados se posicionaram a favor do acordo criminal.

Na outra estrada, os advogados e defensores públicos poderão conquistar, de forma segura, condições mais vantajosas ao cidadão que cometeu um crime – valendo frisar que não estão obrigados a transigir – isto é, sua importância e destaque no papel defensivo serão fortalecidos e fundamentais na rotina do acordo penal. Afirmo, sem medo de excesso, que haverá um incremento nas causas das bancas criminais.

É fato público que o acordo penal consta no estudo de especialistas coordenados pelo Ministro Alexandre de Moraes (contribuição da CONAMP) e também na proposta de Projeto de Lei Anticrime do Ministro Moro. Ou seja, é muito claro que o desejo comum é a agilização das lides criminais, menor esforço financeiro e de tempo para buscar trazer um componente a mais como resposta aos índices criminais que assustam a todos. Vale lembrar que, ao menos na Justiça Estadual, o tempo médio de tramitação dos processos criminais baixados na fase de conhecimento do 1º grau é de três anos e nove meses, segundo o relatório Justiça em Números 2018, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Nadar contra o acordo penal – digamos, apenas por retórica, uma versão brasileira do plea bargain norte-americano – é nadar contra a mudança necessária e impostergável e se posicionar contra o fluxo de busca de maior eficiência na distribuição de justiça aos cidadãos. Não contribuir com o processo significa confessar o medo de mudar, ou então, admitir que tem medo da eficiência, do desiderato de diminuir a impunidade. Tudo flui... o mergulho no rio nunca será nas mesmas águas... Heráclito!

MANOEL VICTOR SERENI MURRIETA - 1º vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público



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