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Despejo de provas excessivas e inúteis no processo penal

I. Da denúncia apta e da justa causa

  1. No sistema processual acusatório (art. 129, inciso I[1], da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/1988), incumbe à parte legítima para a deflagração da ação penal – instrumento de rompimento da necessária inércia jurisdicional (art. 2°[2] do Código de Processo Civil – CPC) – deduzir, afora outras obrigações, a correta imputação, vale dizer, a especificação do fato criminoso e de todas as suas circunstâncias (art. 41, 1ª parte[3], do CPP), devendo ser “bem condensadas no conhecido roteiro latino: ´Quis? Quid? Ubi? Quibus auxiliis? Cur? Quomodo? ´, cuja ausência conduz ao não recebimento da denúncia por inépcia (art. 395, inciso I[4] do CPP)”[5] (grifado).
  2. O Ministério Público, além de atender a essa reclamação legal por uma acusação apta, precisa ancorá-la à justa causa do art. 395, inciso III[6], do CPP, que nas palavras do professor Afrânio Silva Jardim se traduz no “suporte probatório mínimo de indícios de autoria e a prova da sua materialidade[7] do crime.
  3. Cronologicamente, até por força de um processo de lógica e de uma relação de causa e efeito, esse encargo de pré-constituição da justa causa precede o ônus da prova (no sentido estrito do novo art. 155[8] do CPP) em Juízo (art. 156[9] do CPP).
  4. Portanto, o encargo da acusação abrange não só o de especificar os fatos detalhadamente circunstanciados, que delimitarão a imputação (inclusive para efeitos de exame de litispendência e de coisa julgada do art. 95, incisos III e V[10], do CPP), mas também o de evidenciar o vínculo entre os fatos atribuídos ao denunciado e os elementos indiciários que dão substância à peça acusatória, iniciadora do processo sob a égide dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa do art. 5°, inciso LV[11].
  5. Essa tarefa, em verdade, corporifica o princípio da dignidade humana (art. 1º, inciso III[12], da CRFB/1988), na medida em que se “busca excluir acusações infundadas e denúncias precipitadas”[13], pois o denunciado detém a legítima pretensão de somente ser acionado em Juízo após um fundamentado exercício do poder acusatório lastreado em fatos certos e definidos e com base em provas exatas e escandidas de uma apuração antecedente técnica e racional.

II. Das considerações sobre os requisitos de admissibilidade das provas

  1. Sabe-se que a reforma do CPP em 2008 elevou acertadamente o nível de exigência para a admissibilidade (pelo Juiz) das provas no decorrer da instrução criminal, dotando-o do poder de indeferi-las, caso sejam “consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias” (art. 400, § 1º[14], do CPP), considerando que a “correta verificação dos fatos em que assentam as pretensões das partes é pressuposto fundamental para a prolação da decisão justa [...] pois só a prova cabal do fato criminoso é capaz de superar a presunção de inocência do acusado”[15] (grifado).
  2. Reputa-se irrelevante “aquela que, apesar de tratar do objeto da causa, não possui aptidão de influir no julgamento da causa” e impertinente a “que não diz respeito à questão objeto de discussão no processo”[16] (grifado).
  3. De fato, se o exercício regular do direito de ação se subordina à condição do interesse de agir (art. 395, inciso II, 2ª parte[17], do CPP), a produção probatória observará também se ela é útil, necessária e adequada, como “imposição do princípio da economia processual, significando, na prática, que o Estado se nega a desempenhar a atividade jurisdicional quando o processo, no caso concreto, não é necessário”[18].
  4. O interesse de agir se liga ainda à ideia de o provimento judicial “ser eficaz[19] (grifado), como ensinou a professora Ada Pellegrini Grinover.
  5. Foi nessa direção, portanto, que o legislador caminhou, ao determinar que a prova fosse relevante e pertinente, no sentido (1) da sua importância para o deslinde da controvérsia factual e (2) da sua relação intrínseca com o thema probandum, incluindo a capacidade como meio idôneo para se demonstrar a verdade, mesmo que processual e aproximativa, da conduta e das circunstâncias imputadas ao réu.
  6. A idoneidade da prova nesse aspecto foi percebida pelo art. 189 do Codice di Procedura Penale[20] italiano que, em uma tradução simples, prescreve que “Quando for exigida prova não regulamentada por lei, o juiz pode tomá-la se for idônea para assegurar a apuração dos fatos e não afetar a liberdade moral da pessoa [...]” (grifado).
  7. A doutrina pátria também se atentou a este cenário e concluiu “que existe um verdadeiro direito à exclusão das provas inadmissíveis, impertinentes ou irrelevantes, como o são essas que acabamos de referir. Esse direito à exclusão é correlato ao direito à prova e serve como importante filtro [...]”[21] (grifado). Basta que as provas “se mostrem alheios ao que corresponda provar” ou que “não tragam qualquer proveito ou não sirvam aos fins do processo[22] (grifado), porque o processo penal exige a qualidade da prova, e não a mera abundância da mesma.
  8. O sistema da livre convicção motivada (ou da persuasão racional) do art. 155, 1ª parte[23] do CPP, e não o sistema da prova legal ou tarifada, ensina isso há tempos no processo penal brasileiro.
  9. A propósito, faz décadas que a jurisprudência brasileira já identificava episódios de “exercício abusivo do direito” de defesa no caso de requerimento de provas manifestamente protelatórias[24].

III. Do dever de vinculação da prova requerida ou apresentada com o thema probandum

  1. Algo pouco discutido no país, apesar dos intensos estudos nos sistemas judiciais do Common Law, refere-se ao requisito de admissibilidade probatória da materiality – lembra Flávio Luiz Yarshell[25], expressão compreendida no dever da parte de vincular a prova requerida ou apresentada com os fatos sob debate processual, aqueles que concretamente fundarão os alicerces da convicção judicial quanto à tipicidade, autoria, materialidade e culpabilidade concreta.
  2. Esse dever de vinculação guarda relação com a própria admissibilidade legítima daquele elemento como prova, incumbindo à parte demonstrar a sua justificativa e, sobretudo, o nexo racional que liga tal elemento aos eventos essenciais à tese acusatória e/ou defensiva, cuja ausência, “por motivos lógicos, não podem ou não devem ser levados em consideração pelo juiz”[26] (grifado), porquanto a jurisdição é exercida sobre a verdade processual, sendo o seu mosaico construído a partir de provas exatas, destacadas e justapostas de forma meditada e coerente, um verdadeiro imperativo para a própria existência legítima da jurisdição penal em um país civilizatório.
  3. Portanto, nas etapas do ciclo probatório, é fundamental que esse dever de vinculação seja examinado na sua aurora, funcionando como uma espécie de filtro e purificador para a entrada do dado bruto no processo, quando, só então, passará a ser tratado merecidamente como prova relevante e pertinente, seja oriunda da acusação, seja da defesa na distribuição do ônus probatório do art. 156 do CPP.
  4. No nosso país, alguns autores já se preocupavam com a necessidade do dever de vinculação por parte da acusação, senão vejamos: “A nosso ver, os princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório exigem a especificação do elemento subjetivo da conduta imputada e a narrativa dos respectivos fatos e provas que conduziram a essa escolha[27] (grifado).

IV. Do dever de vinculação por parte da acusação

  1. O dever de vinculação por parte da acusação adquire maior importância e atenção, particularmente por força da presunção constitucional da não culpabilidade do art. 5°, inciso LVII.
  2. Como cabe à acusação não só articular adequadamente o fato, em tese, criminoso e todas as circunstâncias atribuídas ao réu, mas formar (antes mesmo da deflagração penal) a respectiva justa causa, compete-lhe também conectar (verbo usado antecipada e propositalmente, diga-se de passagem) cada elemento informativo coletado na investigação pré-processual à conduta e à pessoa denunciadas, de forma correspondente e associada.
  3. É dessa vinculação fática e probatória que nascem as fronteiras que conterão a imputação, para efeito de análise retrospectiva dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada (art. 5°, inciso XXXVI[28], da CRFB/1988 c/c art. 95, incisos III e V, do CPP), além de exame prospectivo, em outras palavras, da viabilidade do recebimento judicial (ou não) da denúncia (ou da queixa) e, consequentemente, do exercício justo e eficaz das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5°, inciso LV[29]), dentre outros, pelo acusado e seu defensor.
  4. Ainda sob o ângulo prospectivo, é certo que os elementos constitutivos da justa causa servirão, a princípio, de GPS (Global Positioning System) orientador para a instrução criminal processual, seja para qualificá-los judicialmente, seja para refutá-los.
  5. Assim, na função crucial de GPS orientador da instrução processual, recomenda-se conhecer e inserir previamente as coordenadas, tanto do ponto de partida, quanto do destino, isto é, a relevância e a pertinência de cada elemento formador da justa causa em relação à conduta e à pessoa denunciadas, correspondentes e associadas.
  6. Logo, o descumprimento do dever de vinculação, especialmente pela acusação, causaria danos à instrução criminal, importando em uma indevida protelação da marcha processual em desarmonia com o preceito constitucional da sua duração razoável, previsto no art. 5°, inciso LXXVIII[30] e no art. 7.5[31] da Convenção Americana de Direitos Humanos.
  7. Um Tribunal da Florida (S. v. Perraud, 2010), nos Estados Unidos, decidiu que, embora a lei não obrigasse a acusação a identificar “os vários subconjuntos de evidências” que pretendia usar no julgamento, tampouco conferia “ao governo o direito de afogar um réu em um mar de informações irrelevantes” (grifado), porque poderia apresentar “problemas em relação às Quinta e Sexta Emendas (devido processo e julgamento rápido)”, encarregando-se a acusação, então, de “restringir o escopo da produção probatória a um nível minimamente gerenciável” ou, na pior das hipóteses, “dizer à defesa quais parcelas do material não planejava usar no julgamento”[32] (grifado).

V. Da boa-fé probatória, do dever de apresentação de prova qualificada e do abuso probatório

  1. O princípio da boa-fé (art. 5°[33] do CPC c/c art. 400, § 1º, do CPP, a contrário senso), juntamente com o princípio da lealdade, “prestam-se a evitar os exageros no exercício da ampla defesa, prevendo condutas que violam a boa-fé e lealdade processual e indicando quais são as sanções correspondentes”, segundo as palavras de Daniel Amorim Assunção Neves[34].
  2. Especificamente no campo probatório, tal corolário manifesta-se pela exigência de apresentação de uma prova qualificada, “Isto significar produzir provas rígidas, sólidas, claras e lógicas, que unidas e analisadas em face do seu contexto possam induzir a uma só conclusão”[35] (grifado).
  3. Como ensina Antônio Magalhães Gomes Filho, a própria palavra prova tem “a mesma origem etimológica de probo (do latim, probatio e probus) que traduz as ideias de confiança, aprovação e correção [...] relaciona-se com o vasto campo de operações do intelecto na busca e comunicação do conhecimento verdadeiro”[36] (grifado).
  4. No direito norte-americano, o best evidence principle – explica Flavio Luiz Yarshell[37] – impõe que as partes busquem e disponibilizem a melhor prova possível e razoável de se exigir diante das características dos meios e dos fatos sob debate processual.
  5. Em contrapartida, o sistema estadunidense igualmente se depara com o abuso probatório, quando existe o comportamento indevido por uma das partes durante a produção ou a resistência da materialização da evidência no processo.
  6. Esse comportamento indevido se expressa notadamente no caso de requerimento de prova considerada excessivamente (1) irrelevante (no aspecto da sua completa inutilidade à solução da controvérsia do thema probandum), (2) opressiva (no sentido de ser tormentosa diante do demasiado ônus, de qualquer espécie, imposto ao adversário) ou (3) protelatória com nítido propósito de atrasar o curso procedimental.
  7. O discovery abuse ou predatory discovery[38] (descoberta predatória), para uma melhor compreensão didática, pode ser estudado em quatro principais e diferentes cenários, que não são exaurientes, tampouco acontecem na prática de forma estanque.
  8. (1) overdiscovery (descoberta excessiva) se materializa nos requerimentos de uma avalanche de provas inúteis à parte contrária com o propósito de assediá-la e desestabilizá-la.
  9. (2) bulk discovery(descoberta em massa) ou hide and seek play (jogo de esconde-esconde) ocorre no fornecimento de um farto volume de dados irrelevantes sem a respectiva indexação, objetivando dificultar a localização de alguma prova importante no meio deles pelo adversário. Em seu livro, o professor Alexander Araújo capta a explanação da doutrina italiana da seguinte forma[39], em uma tradução livre:

No segundo âmbito de situações patológicas, definidas pelo parâmetro da contrariedade ao acerto, estão as hipóteses de abuso rastreáveis no terreno da formação da prova. Dentro desta área se colocam os casos de bulk discovery, caracterizados pela produção ou pelo pedido da parte contrária, de massas imponentes de documentos capazes de confundir os materiais efetivamente relevantes. (grifado)

  1. (3) fishing expedition (expedição de pesca), a mais conhecida hipótese de abuso, ocorre com pedidos especulativos, indiscriminados, abrangentes, genéricos e vagos de informações sem a indispensável delimitação e sem a “particularização razoável”[40] do conteúdo, correndo-se, assim, o risco de se violar ilegitimamente a privacidade da parte contrária ou de terceiros, pois, nas palavras de Alexandre Morais da Rosa, o “termo se refere à incerteza própria das expedições de pesca, em que não se sabe, antecipadamente, se haverá peixe, nem os espécimes que podem ser fisgados, muito menos a quantidade, mas se tem ´convicção´ (o agente não tem provas, mas tem convicção)”[41].
  2. (4) stonewalling[42] é a obstrução ou o atraso da entrega de provas requeridas, sob a inexata justificativa de impossibilidade ou por outro meio de oposição, através do suprimento de informações parciais, evasivas ou incompletas.

VI. Do e-document dump

  1. Na tendência irreversível da digitalização, inclusive com investigações e processos eletrônicos, a prova digital, chamada no direito norte-americano de electronically stored information (ESI), é cada vez mais usada para as táticas de predatory discovery, principalmente na modalidade de bulk discovery, recebendo, aliás, uma denominação especial: e-document dump.
  2. Dump em inglês significa despejar. É exatamente isso que acontece, quando uma parte despeja sobre o adversário uma exagerada quantidade injustificável e inadministrável de provas digitais, agravado pelo fato de ser frequentemente um volume enorme e mal organizado de dados irrelevantes e estranhos aos fatos submetidos à controvérsia judicial com poucas evidências cruciais no meio deles, na esperança de que o adversário não as encontre ou só as ache depois de um esforço hercúleo e de muito tempo dispendido, como fisgar um peixe raro na vastidão do oceano.
  3. Novas oportunidades surgem (do electronically stored information) para afogar a parte contrária, mergulhando-a em um redemoinho com milhares de e-documentos insignificantes e, às vezes, até duplicados ou contendo problemas tecnológicos, a exemplo de falha na extração ou na falta de garantia da integridade do conteúdo sem a geração do código hash (recomenda-se a leitura do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n° 4.939/2020[43], redigido sob a coordenação do subscritor e do professor Pedro Borges Mourão), que aumentam ainda mais a sua imprestabilidade ao processo.
  4. Em termos de Direito Digital, o e-document dump pode pecar pela anomalia de estruturação do dado (o modo de relacionamento deles dentro de uma tabela) ou de formatação do arquivo, levando, inclusive, às descobertas equivocadas, ferindo-se de morte a busca pelo processo justo e equânime.
  5. Um novo tipo de estratégia do e-documento dump é observado também pela doutrina estrangeira que anota “Another technique is to fail to produce document indices that help the requesting party review the documents even though such indices exist[44] ou, em tradução simples, “Outra técnica é deixar de produzir índices de documentos que ajudem a parte solicitante a revisar os documentos, mesmo que tais índices existam” (grifado).
  6. Aliás, a ausência de organização e de indexação é um tiro mortal desferido contra a Teoria da Informação, cuja premissa primordial é justamente a transmissão de uma informação de forma compreensível para ser útil.
  7. A tática abusiva do e-document dump objetiva o oposto, inviabilizando ou, ao menos, retardando o processo de compreensão dos dados despejados pelo receptor ou fazendo-o excessivamente oneroso e custoso, de modo a torná-los inúteis para o objetivo pré-fixado. Não só prejudicando o receptor, porque, muitas vezes, a intenção seria confundir “o próprio julgador acerca do que seja efetivamente dotado de relevância”[45] (grifado).
  8. Por sinal, adverte-se que a relevância de uma prova específica, em certas situações, não é visível até que seja oportunamente associada a outra evidência, cabendo, portanto, à parte produtora conectá-las em deferência ao princípio da boa-fé e ao dever de colaboração probatória dos arts. 5° e 378[46] do CPC.
  9. Ao Judiciário, compete coibir o e-document dump, ordenando a parte produtora das evidências (1) revisá-las e (2) a justificar a relevância e a pertinência de cada uma delas em relação aos fatos sob debate processual, de forma organizada, sistematizada, didática e compreensível dentro das circunstâncias possíveis e razoáveis.
  10. Cabe ao Judiciário, outrossim, impor e efetivar o dever de colaboração das partes “para o descobrimento da verdade” processual e aproximativa, nas exatas palavras do art. 378 do CPC (c/c art. 3°[47] do CPP), desde que respeitadas as fronteiras do princípio da vedação da autoincriminação, implicitamente consagrado no art. 5°, inciso LXIII[48], da CRFB/1988.
  11. Há indiscutível interesse do Judiciário de se prevenir o e-document dump, que – além de solapar o devido processo legal (art. 5°, inciso LIV[49], da CRFB/1988) com todos os desdobramentos anteriormente examinados e de obstruir uma desejável instrução criminal qualificada – impede ou, no mínimo, confunde a análise judicial dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada (do art. 5°, inciso XXXVI, da CRFB/1988), pois obriga o Juiz a comparar um volume gigantesco e desorganizado de provas com as de outras investigações ou ações penais semelhantes, por ventura existentes, correndo-se o risco de violação do princípio do ne bis in idem (art. 95, incisos III e V, do CPP), verdadeira cláusula assecuratória da dignidade humana do art. 1°, inciso III, da CRFB/1988.
  12. Por sinal, em um processo envolvendo políticos conhecidos, o Juiz absolveu sumariamente os réus, detectando “a existência de cerceamento de defesa, eis que o Ministério Público Federal fez acompanhar a inicial acusatória de algo aproximado a 04 TB (quatro terabytes) de documentos, os quais, malgrado tenha sido instado pelo Juízo a fazê-lo (cf., dentre outras, a decisão vista no ID 307758854, pp. 191-193), jamais especificou [...]”[50] (grifado).
  13. Na persecução criminal, como visto, a legislação traz o comando compulsório da pré-constituição da justa causa para a deflagração da ação penal (art. 395, inciso III, do CPP), equipando as autoridades investigatórias com poderes requisitórios para a arrecadação de elementos informativos antes mesmo do oferecimento da denúncia, a exemplo do art. 6°, inciso III[51], e art. 13-A[52] do CPP, bem como do art. 129, inciso VIII[53], da CRFB/1988.
  14. Se de um lado, o ordenamento jurídico muniu os órgãos estatais com potentes armas de apuração criminal, do outro, obrigou-os a entregar um conjunto de elementos e de provas qualificadas dentro, repita-se, das circunstâncias possíveis e razoáveis.
  15. Em síntese, às partes cabe: (1) observar a boa-fé, exigindo a entrega da melhor evidência possível, as chamadas provas qualificadas; (2) sujeitar-se ao dever de vinculação, seleção, organização e revisão de suas provas, à luz da relevância e da pertinência quanto aos fatos sob debate processual; (3) evitar, ao máximo, o despejo de uma quantidade volumosa de evidências sem a necessária sistematização e indexação, sugerindo que o adversário “busque ali o que entender seja relevante (´go fish')”[54]; e, ipso facto, (4) empenhar-se para não esconder e camuflar as provas relevantes e pertinentes em uma imensidão de evidências inúteis.

No epílogo do verão de 2022.

 

[1] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

[2] Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.

[3] Art. 41.  A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

[4] Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

[5] Lai, Sauvei. Sampaio, Denis (org.). Manual do Júri. Florianópolis: EMais, 2021, p. 152.

[6] Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal.

[7] Jardim, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 147.

[8] Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

[9] Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

[10] Art. 95.  Poderão ser opostas as exceções de:

[...]

III - litispendência;

[...]

V - coisa julgada.

[11] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[12] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III - a dignidade da pessoa humana;

[13] Lai, Sauvei. Sampaio, Denis (org.). Manual do Júri. Florianápolis: EMais, 2021, p. 151.

[14] Art. 400.  Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

  • 1° As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

[15] Gomes Filho, Antônio Magalhães. Yarshell, Flávio Luiz. (org). Estudo em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 303.

[16] Lima, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1431.

[17] Art. 395.  A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

[...]

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

[18]  Grinover, Ada Pellegrini et al. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 2008, p. 75.

[19] Ibidem, p. 75.

[20]Quando è richiesta una prova non disciplinata dalla legge, il giudice può assumerla se essa risulta idonea ad assicurare l'accertamento dei fatti e non pregiudica la libertà morale della persona. Il giudice provvede all'ammissione, sentite le parti sulle modalità di assunzione della prova”. Disponível em: https://www.altalex.com/documents/news/2013/11/13/prove-disposizioni-generali. Acessado em: 20/02/2022.

[21] Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 573.

[22] Souza, Alexander Araújo. O abuso do direito no processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 168.

[23] Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.  

[24] “O réu tem direito ao exercício da defesa plena; pode, por isso, requerer o que for útil à sua tese. O juiz, todavia, presidente do processo, pode indeferir realização de provas, caso entenda procrastinatório. Defesa não se confunde com exercício abusivo do direito” (STJ, 6ª Turma, RHC 4187/BA, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, Data do Julgamento 16/05/1995). Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Fscon.stj.jus.br%2FSCON%2FGetInteiroTeorDoAcordao%3Fnum_registro%3D199400390386%26dt_publicacao%3D06%2F11%2F1995. Acessado em: 20/02/2022.

[25] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-20/flavio-yarshell-perplexidades-geradas-document-dump. Acessado em: 20/02/2022.

[26] Gomes Filho, Antônio Magalhães. Yarshell, Flávio Luiz (org). Estudo em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 307.

[27] Lai, Sauvei. Sampaio, Denis (org.). Manual do Júri. Florianópolis: EMais, 2021, p. 155.

[28] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

[29] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[30] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[31] Artigo 7.  Direito à liberdade pessoal

5.     Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

[32] Disponível em: https://www.kldiscovery.com/blog/are-document-dumps-unconstitutional. Acessado em: 20/02/2022.

[33] Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

[34] Neves, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 207.

[35] Mendroni, Marcelo Batlouni. Provas no processo penal. São Paulo: Atlas, 2010, p. 20.

[36] Gomes Filho, Antônio Magalhães. Yarshell, Flávio Luiz. (org). Estudo em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 305.

[37] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-20/flavio-yarshell-perplexidades-geradas-document-dump. Acessado em: 20/02/2022.

[38] Disponível em: www.researchgate.net/publication/279516352_Fighting_Discovery_Abuse_in_Litigation. Acessado em: 20/02/2022.

[39] Souza, Alexander Araújo. O abuso do direito no processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 168. “O exemplo é extraído de CATALANO, Elena Maria: Nel secondo ambito di situazioni patologiche, definito dal parametro della contrarietà a corretezza, rientrano le ipotesi di abuso rintracciabili sul terreno della formaziona della prova. Entro questa area si collocano i casi di bulk discovery, caratterizzati della produzione, su richiesta della controparte, di masse imponenti di documenti idonei a confondere i materiali effetivamente rilevanti (L’abuso del proceso. Milano: Giuffrè, 2004, pp. 31-32)”.

[40] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-02/limite-penal-pratica-fishing-expedition-processo-penal. Acessado em: 20/02/2022.

[41] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-02/limite-penal-pratica-fishing-expedition-processo-penal. Acessado em: 20/02/2022.

[42] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=http%3A%2F%2Funyarma.org%2Fnewsletters%2FARMAil0802.pdf&clen=1068130&chunk=true. Acessado em: 20/02/2022.

[43] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2264367. Acessado em: 20/02/2022.

[44] Disponível em: www.researchgate.net/publication/279516352_Fighting_Discovery_Abuse_in_Litigation. Acessado em: 20/02/2022.

[45] Souza., Alexander Araújo. O abuso do direito no processual penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 168.

[46] Art. 378. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.

[47] Art. 3° A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

[48] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

[49] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[50] Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/viewer.html?pdfurl=https%3A%2F%2Fcdn.oantagonista.net%2Fuploads%2F2021%2F05%2F0001238-44.2018.4.01.3400-Juiz-absolve-quadrilhao-do-MDB.pdf&clen=131718&chunk=true. Acessado em: 20/02/2022.

[51] Art. 6° Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

[...]

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

[52] Art. 13-A.  Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

[53] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

[54] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-20/flavio-yarshell-perplexidades-geradas-document-dump. Acessado em: 20/02/2022.

 

Sauvei Lai é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro


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