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Trabalho de crianças e adolescentes e participação em espetáculos públicos: reflexões sobre o juízo competente para autorizá-los

O trabalho de crianças e adolescentes há muito tem atraído os olhares de tantos quantos se preocupam com a continuidade e o sadio desenvolvimento da espécie humana. Afinal, é sabido que essa camada da população tem sido vítima de abusos de toda ordem, daí as restrições, ao exercício de atividades laborativas, baseadas no critério etário, isso com a ressalva de que, em situações excepcionais, é possível que o Juízo da Infância e da Juventude autorize o desempenho de certas atividades. O objetivo dessas breves linhas é tão somente o de demonstrar que o art. 114, I, da CR/1988, com a redação dada pela EC nº 45/2004, em nada alterou esse quadro, de modo que a Justiça do Trabalho, conquanto seja competente para apreciar as ações oriundas da relação de trabalho, não o é para apreciar o pedido de autorização para o trabalho. 

 

Sumário: 1. Delimitação do plano de análise; 2. Aspectos gerais do trabalho de crianças e adolescentes; 3. Participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos; 4. Autorização judicial para o trabalho e para a participação em espetáculos públicos; 5. Iniciativas favoráveis à competência da Justiça do Trabalho; 6. A competência do Juízo da Infância e da Juventude e o seu alicerce argumentativo; 6.1. O direito da infância e da juventude e sua autonomia existencial; 6.2. A distinção entre autorização para o trabalho e relação de trabalho; Epílogo; Referências Bibliográficas.

Resumo: O trabalho de crianças e adolescentes há muito tem atraído os olhares de tantos quantos se preocupam com a continuidade e o sadio desenvolvimento da espécie humana. Afinal, é sabido que essa camada da população tem sido vítima de abusos de toda ordem, daí as restrições, ao exercício de atividades laborativas, baseadas no critério etário. Em situações excepcionais, é possível que o hoje denominado Juízo da Infância e da Juventude autorize o desempenho de certas atividades, incluindo a participação em espetáculos públicos, que, em muitos casos, mais se aproxima de uma atividade de lazer que propriamente de um labor. O objetivo dessas breves linhas é tão somente o de demonstrar que o art. 114, I, da Constituição da República, com a redação que lhe foi atribuída pela Emenda Constitucional nº 45/2004, em nada alterou esse quadro, de modo que a Justiça do Trabalho, conquanto seja competente para apreciar as ações oriundas da relação de trabalho, não o é para apreciar o pedido de autorização para o trabalho.  

Palavras-chaves: crianças, adolescentes, relação de trabalho, espetáculos, autorização, Juízo da Infância e da Juventude.

 

1. Delimitação do plano de análise

 

            Um bom alicerce garante a solidez da construção. Essa máxima, ínsita no pensamento individual e amplamente difundida em qualquer ambiente sociopolítico, é daquelas que une, com rara plasticidade, engenho e filosofia. Do mesmo modo que nenhuma construção permanece imune às suas falhas estruturais, também o ser humano há de colher, na fase madura da vida, ou as bonanças advindas da semeadura da juventude ou, não raro, as intempéries decorrentes de uma formação insuficiente ou inadequada. Na invejável percepção do poeta inglês Woodworth,[1] “[t]he child is the father of the man”. A juventude de hoje dá origem à maturidade do amanhã, assim como a manhã inaugura o dia que há de findar com a noite.

            Não é por outra razão que as sociedades há muito têm se preocupado com a proteção e o desenvolvimento da juventude, designativo que alberga os seres humanos ainda em formação, não alcançados pela maturidade e que é preferível ao significante menor, por si só estigmatizante, na forma e na essência. Um dos aspectos dessa preocupação reflete-se no cuidado em relação à identificação das situações em que deve ser admitido, ou não, o exercício do trabalho ou a participação em espetáculos públicos por essa camada da população. Afinal, o trabalho prematuro pode subtrair momentos preciosos de estudo e lazer, colocando em risco o futuro do indivíduo e, porque não, da própria sociedade em que inserido.[2] Espetáculos alicerçados em uma base de valores distorcida podem simplesmente deturpar personalidades.

            O direito brasileiro, certamente influenciado por um movimento cosmopolita, há pelo menos um século tem externado a sua preocupação com o trabalho da juventude e estabelecido padrões regulatórios para o seu exercício. Além de ser comum o estabelecimento de vedações para o exercício do trabalho a partir de critérios etários, tem sido igualmente permitido que, com a vedação geral, concorram autorizações específicas. Nesse caso, é preciso que uma autoridade judiciária venha a concedê-las. Essa autoridade, há pouco menos de um século, tem sido o juízo com competência específica para atuar em assuntos afetos à juventude. Ainda que um século seja pouco mais que nada em termos de evolução da humanidade, é prazo mais que considerável em termos de estabilidade normativa, principalmente em um País como o nosso, que há pouco mais de um século tornou-se República e que por poucas décadas conviveu com práticas democráticas.

            Apesar desse quadro de estabilidade, percebe-se, no alvorecer do século XXI, o surgimento de um movimento, ainda incipiente, prosélito da incorreção da sistemática legal que atribui ao juízo da juventude (rectius: da infância e da juventude) competência para autorizar o trabalho nas situações em que a ordem jurídica estabelece uma vedação geral. Afinal, segundo eles, por estarmos perante uma relação de trabalho, a competência, por imperativo constitucional, haveria de ser da Justiça do Trabalho. Muitos defendem que até mesmo a autorização para a participação episódica em espetáculos públicos deveria ser absorvida por este ramo especializado.

            O objetivo dessas breves linhas é analisar o atual estágio de evolução dessa temática e apresentar o nosso entendimento a seu respeito. O primeiro passo é identificar os aspectos gerais do trabalho da juventude e as especificidades que envolvem a sua participação em espetáculos públicos. A partir daí, será possível aferir a funcionalidade da autorização judicial e os argumentos que pesam a favor da competência da Justiça do Trabalho e aqueles que caminham no mesmo norte em que se situa a Justiça da Infância e da Juventude.

 

2. Aspectos gerais do trabalho de crianças e adolescentes

 

O trabalho do homem, como se sabe, passou por múltiplas vicissitudes de ordem sócio-jurídica desde os primórdios da humanidade. Como referenciais, podemos mencionar o trabalho como meio indispensável à subsistência, presente desde as épocas mais primitivas, e, numa fase mais avançada, o trabalho voltado à satisfação dos interesses de outrem, do que são exemplos (1) a escravidão, caracterizada pela falta de liberdade e pela prestação de uma atividade laborativa compulsória, sem qualquer contraprestação do tomador, (2) a servidão, própria do período feudal, em que o indivíduo não tinha ampla liberdade, mas possuía alguns direitos (v.g.: direito de herança sobre animais e objetos pessoais), beneficiando-se da produção; e (3) o trabalho remunerado, que, em suas origens, além da remuneração, poucos direitos assegurava ao trabalhador, em muito se assemelhando a uma mera mercadoria.

            A conquista do trabalho remunerado é fruto da revolução política do Século XVIII, de raízes franco-americanas, que apregoou a liberdade como valor fundamental e rechaçou o trabalho servil. No Édito de fevereiro de 1776, elaborado pelo Ministro Turgot e que dispensava a vinculação dos trabalhadores às corporações de ofício, afirmava-se que “Dieu, en donnant à l’homme des besoins, en lui rendant nécessarie la ressource du travail, a fait du droit de travailler, la propriété de tout homme; et cette propriété est la première, la plus sacrée et la plus imprescriptible de toutes. Nous regardons comme un des premiers devoirs de notre justice, et comme un des premiers devoirs de notre justice, et comme un des actes les plus dignes de notre bienfaisance, d’affranchir nos sujets de toutes les atteintes portées à ce droit inaliénable de l’humanité.” [3] Essa construção filosófica, no entanto, teve o seu brilho ofuscado por alguns dogmas da Revolução Industrial. A liberdade não conseguia transpor o plano idealístico-formal e o trabalho remunerado transmudava-se numa amarga ilusão. O trabalhador “livre” via-se subjugado pelo capital, que se concentrava em grandes estruturas organizacionais manipuladoras das massas operárias. A liberdade não veio acompanhada da igualdade: esse estado de coisas fez que o domínio do capital atingisse patamares acentuados, permitindo que a opressão em muito se assemelhasse aos antigos regimes servis. No liberalismo clássico, a contraposição entre capitalismo e proletariado tornou-se extrema; o Estado, por sua vez, nada fazia para aproximar liberdade e igualdade, deixando o trabalho sob o jugo do capital.

            No plano político-filosófico, o combate à dominação do capital sofreu grande influência das construções teóricas de Marx e de Leão XIII. Enquanto o primeiro apregoava a “luta de classes”, que culminaria com o triunfo do proletariado sobre a burguesia, extinguindo-a; o segundo defendeu, na Encíclica Rerum Novarum, de 1891, a “harmonia entre as classes”, permitindo o nivelamento e o equilíbrio entre burguesia e proletariado. No primeiro pós-guerra, essas doutrinas exerceram indiscutível influência no delineamento dos regimes políticos emergentes, com especial realce na dicotomia socialismo – capitalismo, este último de contornos mais moderados, com características próprias do novo Estado Social de Direito.

No âmbito internacional, o Tratado de Versalhes, de junho de 1919, imposto pelos vencedores aos vencidos,[4] previu a criação da Organização Internacional do Trabalho em sua Parte XIII, o que demonstrava o anseio da sociedade internacional em ver respeitados determinados direitos sociais do trabalhador (vide art. 427, 1 a 9). Esse objetivo seria alcançado com a instituição de uma representação que albergasse todos os interesses envolvidos (empregados, empregadores e representantes do Estado), buscando-se a melhoria das condições de trabalho, que não deveria ser considerado uma mercadoria, e com a possibilidade de serem recebidas reclamações das organizações profissionais quanto ao descumprimento das obrigações assumidas pelos Estados-partes. Em seu preâmbulo, a Carta da Organização Internacional do Trabalho dispõe que as “Altas Partes Contratantes são movidas por sentimentos de justiça e humanidade” e que “uma paz universal e duradoura só pode ser fundada numa base de justiça social”.

No âmbito do direito interno, merecem referência as Constituições mexicana de 1917, russa de 1918 e alemã de 1919. No direito brasileiro, a Constituição de 1934 foi a primeira a dispensar especial atenção ao trabalhador, em muito se aproximando das bases postas pela Constituição de Weimar, de 1919, ao estabelecer um extenso rol de direitos sociais (v.g.: salário mínimo, jornada máxima de trabalho, indenização por despedida injusta etc.). Disciplinou o amparo da produção e das condições de trabalho, sempre com o objetivo de assegurar a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos da sociedade. As conquistas foram mantidas nas Constituições posteriores, que ainda atribuíram novos direitos sociais aos trabalhadores.

            O trabalho não mais poderia ser visto como mercadoria e o trabalhador deveria ter o seu valor reconhecido. Afinal, recorrendo à filosofia kantiana,[5] tudo há de ter um preço ou uma dignidade: aquilo que tem um preço pode ser substituído por outra coisa equivalente, o que é superior ao preço e não admite equivalente tem uma dignidade. Paralelamente ao reconhecimento da importância do trabalho no âmbito das relações sociais, com a correlata atribuição de direitos ao trabalhador, foram igualmente adotadas medidas cujo fim precípuo era o de preservar a incolumidade física e mental de crianças e adolescentes que desempenham atividades laborativas.

            Apesar de o trabalho de crianças e adoelscentes ter oferecido relevante contribuição para a economia europeia, os seus efeitos deletérios não passaram despercebidos. Os primeiros países a aboli-lo em grande escala na indústria foram os da Europa do Norte, seguidos pelos antigos países comunistas da Europa Central.[6] Na Inglaterra, no alvorecer da Revolução Industrial, crianças e adolescentes chegavam a trabalhar de 12 a 16 horas por dia, o que levou à edição do Moral and Health Act, de 1802, que limitou a jornada a 12 horas. Pouco tempo depois, foi proibido o trabalho das pessoas com idade inferior a 9 anos. Na França, vedou-se, em 1813, o trabalho de pessoas de reduzida faixa etária nas minas e, em 1841, o exercício de qualquer trabalho aos menores de 8 anos.[7] No plano internacional, o grande impulso das medidas de proteção foi oferecido pela Organização Internacional do Trabalho, que difundiu inúmeras convenções e recomendações a respeito dessa temática:

 

(i) Convenção nº 5, de 1919, que estabeleceu a idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria (art. 2º). Foi aprovada na 1ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Washington — 1919) e entrou em vigor no plano internacional em 13 de junho de 1921. Em relação ao Brasil, foi aprovada por ato do Chefe do Governo Provisório, de 27 de março de 1934, ratificada em 26 de abril de 1934 e promulgada pelo Decreto nº 423, de 12 de novembro de 1935. Foi denunciada, como resultado da ratificação da Convenção nº 138, em 28 de junho de 2001.

 

(ii) Convenção nº 6, de 1919, que proibiu o trabalho noturno do menor na indústria. Foi aprovada na 1ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Washington — 1919) e entrou em vigor no plano internacional em 13 de junho de 1921. Em relação ao Brasil, foi aprovada por ato do Chefe do Governo Provisório, de 27 de março de 1934, ratificada em 26 de abril de 1934 e promulgada pelo Decreto nº 423, de 12 de dezembro de 1935. Está em vigor. Consta como instrumento pendente de revisão.

 

(iii) Convenção nº 7, de 1920, que dispôs sobre a idade mínima para a admissão de menores no trabalho marítimo. Foi aprovada pela 2ª Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em sua 22ª sessão, realizada em junho e declarada encerrada em 24 de outubro de 1920. Em relação ao Brasil, foi ratificada em 08 de junho de 1936 e promulgada pelo Decreto n. 1.397, de 19 de janeiro de 1937. Foi denunciada, como resultado da ratificação da Convenção nº 58, em 9 de janeiro de 1974.

 

(iv) Convenção nº 10, de 1921, que fixou a idade mínima para o trabalho na agricultura. Entrou em vigor no plano internacional em 31 de agosto de 1923 e não foi ratificada pelo Brasil.

 

(v) Convenção nº 16, de 1921, que dispôs sobre o exame médico de menores no trabalho marítimo. Foi aprovada na 3ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1921) e entrou em vigor no plano internacional em 20 de novembro de 1922. Em relação ao Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 9, de 22 de dezembro de 1935, do Congresso Nacional, ratificada em 8 de junho de 1936 e promulgada pelo Decreto nº 1.398, de 19 de janeiro de 1937.

 

(vi) Recomendação nº 45, de 1935, que dispôs sobre o desemprego dos menores. Foi aprovada no plano internacional em 25 de junho de 1935 e não foi ratificada pelo Brasil.

 

(vii) Convenção nº 58, de 1936, que dispôs sobre a idade mínima para o trabalho marítimo. Foi aprovada na 22ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1936) e entrou em vigor no plano internacional em 11 de abril de 1939. Em relação ao Brasil, foi aprovada pelo Decreto-lei nº 480, de 8 de junho de 1938, ratificada em 8 de junho de 1936 e promulgada pelo Decreto nº 1.397, de 19 de janeiro de 1937.

 

(viii) Convenções nºs 59 e 60, de 1937, que dispuseram sobre a idade mínima para a admissão de crianças em empregos industriais e não industriais. Entraram em vigor no plano internacional, respectivamente, em 21 de fevereiro de 1941 e 29 de dezembro de 1950. Não foram ratificadas pelo Brasil.

 

(ix) Convenção nº 78, de 1946, que dispôs sobre o exame médico de menores em trabalhos não industriais. Entrou em vigor no plano internacional em 29 de dezembro de 1950 e não foi ratificada pelo Brasil.

 

(x) Convenção nº 79, de 1946, que dispôs sobre o trabalho noturno em atividades não industriais. Entrou em vigor no plano internacional em 29 de dezembro de 1950 e não foi ratificada pelo Brasil.

 

(xi) Convenção nº 124, de 1965, que dispôs sobre o exame médico dos adolescentes para o trabalho subterrâneo nas minas. Foi aprovada na 49ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1965) e entrou em vigor no plano internacional em 13 de dezembro de 1967. No que se refere ao Brasil, foi aprovada pelo Decreto-lei nº 664, de 30 de junho de 1969, ratificada em 21 de agosto de 1970 e promulgada pelo Decreto nº 67.342, de 5 de outubro de 1970.

 

(xii) Convenção nº 127, de 1967, que versou sobre o peso máximo a ser transportado pelo menor. Foi aprovada na 51ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1967) e entrou em vigor no plano internacional em 10 de março de 1970. Em relação ao Brasil, foi aprovada pelo Decreto-lei nº 662, de 30 de junho de 1969, ratificada em 21 de agosto de 1970 e promulgada pelo Decreto n. 67.339, de 5 de outubro de 1970. Está em vigor. Consta como instrumento pendente de revisão.

 

(xiii) Convenção nº 138, de 1973, que dispôs sobre a idade mínima de admissão de menores em diversas profissões, esclarecendo que não deveria ser inferior à idade necessária para a conclusão da escolaridade obrigatória, nem inferior a 15 anos. Admitiu a fixação do limite de 15 anos como a primeira etapa a ser alcançada nos países não desenvolvidos. Foi aprovada na 58ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra — 1973) e entrou em vigor no plano internacional em 19 de junho de 1976. Em relação ao Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 179, de 14 de dezembro de 1999, do Congresso Nacional, ratificada em 28 de junho de 2001 e promulgada pelo Decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002. Está em vigor. Consta como idade mínima especificada pelo Brasil a de 16 anos.

 

(xiv) Recomendação nº 146, de 1973, que complementou a Convenção nº 138 e dispôs que cada país deve especificar a idade mínima mediante declaração. Também foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 179, de 14 de dezembro de 1999 e promulgada na ordem interna pelo Decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002.

 

(xv) Convenção nº 182, que proíbe as piores formas de trabalho para os menores de 18 anos e exige a adoção de ações imediatas para a sua eliminação. A Convenção considerou, como trabalhos incompatíveis com a condição de uma pessoa em vias de desenvolvimento, (a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como o tráfico de crianças, a servidão por dívidas, a condição de servo e o trabalho forçado ou compulsório; (b) o recrutamento forçado ou obrigatório de meninos para utilização em conflitos armados; (c) o emprego de crianças na prostituição, a produção de pornografia ou ações pornográficas; (d) a utilização, o recrutamento ou o oferecimento de crianças para a realização de atividades ilícitas, como a produção e tráfico de drogas; e (e) o trabalho que prejudique a saúde, a segurança e a moral das crianças. Foi convocada, em Genebra, pelo Conselho de Administração da Secretaria Internacional do Trabalho e reunida em 1ª de junho de 1999, em sua 87ª Reunião. No que se refere ao Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 178, de 14 de dezembro de 1999, do Congresso Nacional, ratificada em 2 de fevereiro de 2000 e promulgada pelo Decreto nº 3.597, de 12 de setembro de 2000. Está em vigor. Consta como instrumento atualizado. Foi complementada pela Recomendação nº 190, também promulgada na ordem interna pelo Decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002.

 

            A Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, dispôs, em seu Princípio IX, que – “[a] criança deve ser protegida contra toda forma de abandono, crueldade e exploração. Não será objeto de nenhum tipo de tráfico. Não se deverá permitir que a criança trabalhe antes de uma idade mínima adequada; em caso algum será permitido que a criança dedique-se, ou a ela se imponha, qualquer ocupação ou emprego que possa prejudicar sua saúde ou sua educação, ou impedir seu desenvolvimento físico, mental ou moral”. De modo simples e objetivo: a criança não deve ser explorada, trabalhar até certa idade e realizar trabalho incompatível com sua condição de pessoa em desenvolvimento.

            As formas de trabalho de crianças e adolescentes, que foram proscritas pelo direito internacional, podem ser classificadas, de acordo com o Escritório Internacional do Trabalho, em três categorias: (1ª) aquelas intrinsecamente condenáveis, como a escravidão, a servidão por dívidas e outras formas de trabalho forçado, o recrutamento forçado em um conflito armado, a prostituição, a pornografia e outras atividades ilícitas; (2ª) as tarefas realizadas por uma criança ou adolescente, que não condizem com sua condição de pessoa em desenvolvimento, conforme definidas pela legislação nacional com base no direito internacional; e (3ª) as tarefas que prejudicam o bem-estar físico, mental ou moral da criança ou do adolescente, seja em razão de sua natureza, seja em razão das condições em que são exercidas, recebendo a designação de “trabalhos perigosos”.[8]

            No direito brasileiro, as primeiras normas de proteção do trabalho das crianças e adolescentes remontam ao Decreto nº 1.313/1890, cuja efetividade restou comprometida em razão da ausência de regulamentação. O Decreto nº 16.300/1923, que veiculou o Regulamento Nacional de Saúde Pública, vedou que menores de 18 anos trabalhassem mais de seis horas a cada período de 24 horas. O Decreto nº 17.943-A/1927, que dispôs sobre o Código de Menores, vedou a realização de qualquer trabalho pelos menores de 12 anos e de trabalho noturno aos menores de 18 anos. A partir da Constituição de 1934, todas veicularam medidas protetivas.

            A Constituição de 1934 vedou, em seu art. 121, a fixação de diferenças salariais por motivo de idade, qualquer trabalho aos menores de 14 anos, o trabalho noturno aos menores de 16 anos e o trabalho em indústrias insalubres aos menores de 18 anos. A Constituição de 1937, em seu art. 137, K, vedou qualquer trabalho aos menores de 14 anos, o trabalho noturno aos menores de 16 anos e o trabalho em indústrias insalubres aos menores de 18 anos. Foi sob a égide dessa sistemática constitucional que se editou a Consolidação das Leis do Trabalho, cujos arts. 402 a 441 tratam do “trabalho do menor”. A Constituição de 1946, no inciso II do seu art. 157, proibiu a diferença de salário em razão da idade e, no inciso IX do mesmo preceito, proibiu o trabalho dos menores de 14 anos e o trabalho noturno e em indústrias insalubres aos menores de 18 anos.[9] A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1/1969, respectivamente em seus arts. 158, X e 165, X, proibiram o trabalho dos menores de 12 anos e o trabalho noturno e em indústrias insalubres ao menor de 18 anos.[10] A Constituição de 1988, no inciso XXX do art. 7º, vedou a diferença de salários e, no inciso XXXIII, proibiu o trabalho noturno, perigoso ou insalubre ao menor de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 20/1998, essa sistemática foi alterada para vedar-se qualquer tipo de trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos.[11] Portanto, ao menor de 14 anos foi vedado o exercício de qualquer atividade laborativa, inclusive na condição de aprendiz.[12] O trabalho de aprendiz, que possui características próprias e exige a celebração de um contrato de trabalho, pode ser desenvolvido entre as idades de 14 e 18 anos.[13]

            Como se percebe, tanto o direito internacional como o direito interno há muito veiculam limitadores normativos ao exercício de atividades laborativas por crianças e adolescentes, o que é mais que justificável. A Lei nº 8.069/1990, em seu art. 68, previu a criação de programas sociais de capacitação, de caráter educativo, sem fins lucrativos, mantidos por entes governamentais ou não governamentais, com o objetivo de preparar o adolescente para o exercício de atividade remunerada. Nesse caso, a ênfase é atribuída ao desenvolvimento pessoal e social do adolescente. Ainda merece referência a figura do menor assistido, prevista no Decreto-lei nº 2.318/1986, que foi regulamentado pelo Decreto nº 94.338/1987. Tratava-se de verdadeiro programa de assistência social, em que os adolescentes eram encaminhados às empresas com seis ou mais empregados, que tinham a obrigação de admiti-los, com horário de trabalho reduzido, de modo a garantir a frequência à escola. De acordo com essa sistemática, o adolescente não precisava ser registrado e não tinha direitos previdenciários. O Decreto nº 94.338/1987, que regulamentava o programa e já nascera inconstitucional, por negar os direitos trabalhistas e previdenciários, terminou por ser revogado pelo Decreto s/nº, de 10 de maio de 1991. Além disso, também destoava da Constituição de 1988, cujo art. 227, § 3º, II dispõe que o direito à proteção integral abrange a “garantia de direitos previdenciários e trabalhistas”.

 

3. Participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos

 

             Espetáculo, do latim spectaculum, indica o que atrai a atenção pública, o que é merecedor de aplausos de todos os lados (plausus ex omnibus spectaculis).[14] É uma forma de manifestação cultural cuja funcionalidade básica é a de entreter.

            A cultura, enquanto realidade incorpórea e não passível de avaliação econômica imediata, reflete o conjunto de valores e significados de origem humana com relevância coletiva. Como ressaltado por Radbruch,[15] “a cultura, tal como descrita pelos historiadores, não é de modo algum puro valor, mas antes uma mescla de humanidade e barbárie, de bom e de mau gosto, de verdade e de erro, mas que em todas as suas manifestações, seja como inibição ou exigência de valor, seja como falta ou realização de valor, nunca pode ser pensada sem vínculo com o valor: a cultura não é, pois, realização de valor, mas o dado que tem a significação, o sentido de realizar valores”. Tanto pode indicar a criação de referenciais e significados pelo espírito humano como a apreensão da realidade, que passa a ser refletida a partir do subjetivismo de um dado agente, sendo essencial à evolução e à formação da personalidade individual. Na plasticidade de Horácio (Epistolas, I, 39), “[n]inguém é tão selvagem que, prestando paciente ouvido à cultura, não possa ser domesticado”.

Trata-se de fenômeno puramente humano e que se mostra essencial à coesão do grupamento, permitindo seja construída uma identidade comum. O idioma, os símbolos, o conhecimento e os meios de vida do grupamento são apenas alguns exemplos das múltiplas formas de manifestação da cultura. A liberdade característica da revolução franco-americana bem reflete o elemento indispensável ao surgimento e ao desenvolvimento da cultura, enquanto identidade de um povo e não mero arquétipo do dirigismo estatal. Embora seja evidente que a cultura só se perfaz com um mínimo de liberdade, pouco a pouco se reconheceu que, longe de ser um fenômeno lastreado na mera espontaneidade, a cultura deveria ser protegida e estimulada pelo Estado, daí o relevante papel desempenhado pelos direitos sociais, com especial ênfase no direito à educação,[16] e pelos meios de comunicação social. Afinal, “para que seja possível produzir cultura torna-se necessário receber cultura, o que implica educação.”[17] A cultura absorve a identidade e a diferença, conferindo igual relevância à pluralidade de manifestações que surgem e se desenvolvem em dado território. É justamente a partir do livre fluxo das diferenças que se pode alcançar o senso comum e a identidade de um povo.

A Constituição de 1988, em seu art. 215, não só garante o exercício dos direitos culturais como assegura o acesso às suas fontes, determinando, ainda, que o Estado incentive a sua valorização e difusão. Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal entendeu que o desconto assegurado aos jovens, para o ingresso em casas de diversões, era uma forma de garantir o acesso à cultura.[18] É evidente que o direito à cultura, a exemplo de todo e qualquer direito fundamental, apresenta dimensão subjetiva e outra de contornos objetivos.[19]

            A dimensão subjetiva da cultura denota, em sua expressão mais simples, a atribuição de posições de vantagem, com o reconhecimento de direitos subjetivos e a correlata proteção da esfera jurídica individual. Daí falar-se no direito de (a) não ter a esfera jurídica invadida por ato do Poder Público ou de terceiros; (b) receber a proteção do Poder Público, e (c) receber um mínimo de atuação estatal, com base na cláusula da dignidade humana, ainda que a norma constitucional que embasa o direito assuma contornos eminentemente programáticos. A dimensão objetiva, por sua vez, (a’) veda a edição de normas incompatíveis com o direito fundamental, (b’) influi na interpretação da ordem jurídica e (c’) direciona a atuação dos órgãos estatais, cuja atuação, em qualquer seara, deve ser direcionada à sua realização e não ao seu comprometimento.

O direito à cultura, na medida em que não surge e se desenvolve de maneira isolada, há de ser compatibilizado com os demais bens, interesses e valores tutelados pelo sistema. Foi justamente em virtude dessa constatação que o Supremo Tribunal Federal entendeu que a denominada “farra do boi”, embora possa ser vista como uma manifestação cultural, destoa do disposto no art. 225, VII, da Constituição da República, que veda a submissão de animais à crueldade.[20]

            Os espetáculos, enquanto manifestações tipicamente culturais, podem assumir uma multiplicidade de formas, sendo veiculados por um número não menos variado de meios. Teatro, circo, cinema, rádio e televisão são apenas alguns exemplos. É factível que os espetáculos podem efetivamente contribuir para a aprimoramento cultural de crianças e adolescentes. Apesar disso, não menos exata é a constatação de que podem colidir com os valores mais basilares da família e da sociedade, contribuindo para deturpar personalidades ainda em formação. Note-se que a própria ordem constitucional, em seu art. 227, caput, assegurou às crianças, aos adolescentes e aos jovens, com absoluta prioridade, o direito à dignidade e ao respeito, sendo dever da família, da sociedade e do Estado “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O Estado, portanto, há de adotar medidas para assegurar que a participação de crianças e adolescentes em atividades dessa natureza não gere uma situação de colisão com outros valores de singular importância para essa camada da população. Uma das formas encontradas para evitar situações dessa natureza é a exigência de que a participação seja autorizada pelo Poder Judiciário, o que veremos em seguida. Esse tipo de autorização, como ressaltado pela doutrina,[21] não configura propriamente uma espécie de censura, mas, sim, meio adequado para evitar qualquer tipo de dano aos direitos das crianças e dos adolescentes que participarão do espetáculo. Em síntese: o objetivo não é o de restringir o acesso ou a disseminação da informação, mas, sim, o de evitar a participação de crianças e adolescentes, com base no proveito financeiro e na notoriedade, em atividades que lhes sejam nocivas.

 Outro aspecto digno de nota é o de que a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos tanto pode ocorrer de forma episódica como apresentar a continuidade típica de uma relação de trabalho, o que se dá, por exemplo, na gravação de uma novela ou de um filme que se estenda por vários meses.

 

4. Autorização judicial para o trabalho e para a participação em espetáculos públicos

 

            Crianças e adolescentes, em razão de suas próprias características físicas e psicológicas, devem contar com o apoio da família, da sociedade e do Estado para que as distintas fases do seu desenvolvimento alcancem níveis ótimos de completude, propiciando o surgimento de adultos com personalidade bem formada e valores sólidos. Como se disse, é mais que natural que a ordem jurídica restrinja o seu acesso a certas atividades e conteúdos ou, mesmo, condicione esse acesso à prévia aquiescência dos pais ou de órgão do Poder Judiciário.

            A Constituição de 1988, em seu art. 7º, XXXIII, estabeleceu a “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”. A interpretação desse enunciado linguístico, em linha de princípio, não permite seja alcançado conteúdo outro senão o de que é proibido qualquer tipo de trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, o que pode ocorrer a partir dos 14 anos. Ao significante proibição não pode ser atribuído qualquer significado que denote permissividade ou facultatividade. Apesar do caráter incisivo dessa vedação, todo e qualquer preceito normativo há de ser interpretado de modo a permitir o delineamento de uma norma que possa ser vista como o resultado da convergência entre o texto normativo e a realidade. Além disso, nenhum comando constitucional encontra-se isolado do seu entorno. Aliás, é comum o surgimento de situações de colisão, o que exige do intérprete a realização de uma atividade de concordância prática, de modo que, tanto quanto possível, sejam harmonizados os valores e os interesses amparados pelo sistema. É por isso que os órgãos jurisdicionais têm admitido o exercício de certas atividades, como aquelas desenvolvidas pelos membros da família, que poderiam ser enquadradas sob a epígrafe mais ampla do trabalho, por parte de crianças e adolescentes.[22]

        A Consolidação das Leis do Trabalho, de longa data, dedica todo um capítulo à “proteção do trabalho do menor.” Esse título, aliás, é bem sugestivo, pois o objetivo, sempre e sempre, deve ser o de proteger o denominado menor, não simplesmente penitenciá-lo pela faixa etária em que se encontra, o que soaria, no mínimo, discriminatório. Nesse capítulo, estão previstos diversos comandos que tratam da temática. O art. 402, com a redação dada pela Lei nº 10.097/2000, considera menor o trabalhador de “quatorze até dezoito anos”, tendo o art. 403, que também foi alterado pelo referido diploma normativo, acrescido que “[é] proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos”. À luz desses comandos, pode-se concluir que o trabalho do menor, disciplinado pela CLT, em rigor lógico, alcança os adolescentes de 16 a 18 anos, sendo que, dos 14 aos 18 anos, é permitida a atuação como aprendiz.

            Em relação ao trabalho propriamente dito, o art. 404 veda o noturno de maneira peremptória, enquanto o art. 405, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 229/1967, dispõe que ao menor não será permitido o trabalho: “I - nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para esse fim aprovado pelo Diretor Geral do Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho;  II - em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade”. De acordo com o art. 405, § 3º, da CLT, “[c]onsidera-se prejudicial à moralidade do menor o trabalho: a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, buates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos; b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes; c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral; d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas”.

            Após enunciar as vedações, a CLT veiculou a necessidade de autorização judicial para que certos trabalhos pudessem ser realizados.

 

(1) O art. 405, § 2º, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 229/1967, dispôs que “[o] trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros dependerá de prévia autorização do Juiz de Menores, ao qual cabe verificar se a ocupação é indispensável à sua própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e se dessa ocupação não poderá advir prejuízo à sua formação moral”.[23] É importante ressaltar que a competência do denominado Juiz de Menores encontrava-se prevista na CLT desde sua origem.

 

(2) O art. 406, com a redação dada pelo Decreto-lei nº 229/1967, permitiu que o Juiz de Menores autorizasse o menor a realizar trabalho: a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, buates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos; b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes. Para tanto, é preciso que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe o menor não possa ser prejudicial à sua formação moral - desde que o Juiz se certifique ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral. Essa competência também encontrava-se prevista na CLT desde as suas origens.

 

            Como a CLT, reproduzindo o comando constitucional, vedou qualquer tipo de trabalho aos menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, seria intuitiva a conclusão de que somente poderia ser autorizado o trabalho, pela autoridade judicial, a partir dessa faixa etária. Essa conclusão, por certo, embora atendesse à literalidade do comando constitucional, terminaria por ser extremamente prejudicial às crianças e adolescentes, pois é sabido existirem atividades que, embora, tangenciem o conceito mais amplo de trabalho, envolvem diversos outros valores, como a educação e a cultura, e não oferecem qualquer risco ao desenvolvimento dessa camada da população. Basta pensarmos na situação das crianças e dos adolescentes que atuam em novelas e filmes, contribuindo para entreter a população e, não raro, retratar, de forma crítica ou neutral, algum aspecto da realidade. Fosse a vedação levada a extremos, nossas crianças e adolescentes ver-se-iam envolvidas na interessante situação de assistir a filmes e novelas estrelados exclusivamente por adultos, como se essas pessoas assim tivessem nascido. De qualquer modo, não se pode ignorar a constatação de Madia D’Onghia,[24] no sentido de que quanto “mais se diminui a idade do trabalhador, mais se aumenta a tutela”.

            Em virtude desses fatores, apesar da vedação expressa, tem sido identificada a existência de exceções, as quais, longe de opor-se ao intuito protetivo do comando constitucional, não só o preservam como ainda contribuem para a sedimentação de outros valores do sistema. É sob esse prisma que deve ser compreendido o art. 8º da Convenção nº 138, da OIT. Essa Convenção, que dispôs sobre a necessidade de cada Estado Parte fixar uma idade mínima para a admissão no emprego, previu, em seu art. 8º, que “[a] autoridade competente poderá conceder, mediante prévia consulta às organizações interessadas de empregadores e de trabalhadores, quando tais organizações existirem, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de ser admitido ao emprego ou de trabalhar, que prevê o artigo 2º da presente Convenção, no caso de finalidades como a de participar em representações artísticas”. Nesse caso, as permissões deverão limitar “o número de horas do emprego ou trabalho autorizadas e prescreverão as condições em que esse poderá ser realizado”. Apesar de a Convenção nº 138 ter sido editada em momento anterior à promulgação da Constituição de 1988, é evidente a sua plena compatibilidade com os valores tutelados pela ordem constitucional.[25]

            Ainda  a respeito da participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos, é factível que esse tipo de atividade não se identifica com aquelas que justificaram a mobilização internacional em torno da extinção do trabalho infantil.[26] Afinal, não é intrinsecamente condenável, como a escravidão; regra geral, não apresenta qualquer risco a essa camada da população; e, nem ao longe, pode ser classificada como um “trabalho perigoso”. A própria Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e promulgada na ordem interna pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, dispôs, em seu art. 32, 1, que “[o]s Estados Partes reconhecem o direito da criança de estar protegida contra a exploração econômica e contra o desempenho de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja nocivo para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social”. Desde que haja um mínimo de zelo na identificação da natureza do espetáculo e na sua compatibilidade com as peculiares condições de uma pessoa em desenvolvimento, como a maior fragilidade física e a necessidade de dedicar boa parte do seu tempo aos estudos, não é exagero afirmar que a criança e o adolescente tendem a auferir, com a participação, maiores malefícios que benefícios.[27] O Conselho da Europa realçou que grande parte do trabalho desenvolvido por crianças e adolescentes em certas atividades culturais “é assimilado a uma atividade de lazer.”[28] Em toda e qualquer ação estatal associada a essa camada da população, é preciso considerar “o interesse maior da criança”.[29]

        Volvendo à temática da competência do denominado “Juízo de Menores”, para autorizar o trabalho do menor, cumpre observar que a CLT não chegou a inovar em nossa ordem jurídica. Em verdade, a sistemática adotada remonta ao Decreto-lei nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, que veiculou o nosso primeiro Código de Menores[30] e dedicava todo o seu Capítulo IX ao “trabalho dos menores”. Ali foram consagradas as vedações ao trabalho do menor e as situações em que, a partir de autorização da autoridade competente, o trabalho poderia ser realizado, incluindo a participação em apresentações artísticas.[31] Muitas décadas depois, sobreveio a Lei nº 6.695, de 10 de outubro de 1979, que revogou a legislação anterior e dedicou o seu Título VIII ao “trabalho do menor.” O curioso é que esse Título era composto por um único artigo, com a seguinte redação: “art. 83. A proteção ao trabalho do menor é regulada por legislação especial”. Enquanto vigeu esse diploma normativo, a matéria foi regida pela CLT. O acesso a certos locais e a participação em espetáculos eram disciplinados em portaria do juízo competente, na forma dos arts. 8º [32] e 50 a 58 do Código, cuja amplitude se assemelhava à da própria lei. Por fim, foi editada a Lei nº 8.069/1990, que, já sob a égide da Constituição de 1988, veiculou o Estatuto da Criança e do Adolescente e revogou a sistemática anterior.

            A Lei nº 8.069/1990 tratou, no Capítulo V do Título II, “do direito à profissionalização e à proteção no trabalho”. O art. 60, que precedeu a promulgação da Emenda Constitucional nº 20/1998, proibiu qualquer trabalho aos menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz. Já o art. 61 veicula um comando bem esclarecedor a respeito da coexistência do Estatuto com a legislação específica, verbis: “[a] proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei”. Esse comando é sugestivo a respeito da coexistência e complementaridade entre as duas ordens de comandos normativos. Nos demais preceitos que integram esse Capítulo, são reconhecidos diversos direitos dos adolescentes, além de ser vedado, pelo art. 67, o trabalho “I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II - perigoso, insalubre ou penoso; III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV - realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola”. Em relação aos adolescentes infratores, dispõe o art. 114, parágrafo único, em harmonia com o art. 5º, XLVII, c, da Constituição de 1988, que “[e]m hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado”.

            Ao tratar das competências do Juízo da Infância e da Juventude, o art. 149 outorgou-lhe competências regulamentares e decisórias em relação à frequência a determinados locais e à participação de crianças e adolescentes em certas atividades. No que diz respeito ao objeto deste estudo, o inciso II do referido preceito dispõe que à autoridade judiciária compete disciplinar, por meio de portaria, ou autorizar, mediante alvará, “a participação de criança e adolescente em: a) espetáculos públicos e seus ensaios; b) certames de beleza.”[33] Para tanto, deve levar em conta os princípios da Lei nº 8.069/1990, as peculiaridades locais, a existência de instalações adequadas, o tipo de frequência habitual ao local, a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e adolescentes e a natureza do espetáculo. A exigência de autorização judicial, pela relevância dos valores envolvidos, mostra-se plenamente justificável, ainda que a criança ou o adolescente esteja acompanhado dos seus pais ou responsáveis.[34]

            Portanto, de lege lata, há pouco menos de um século, a ordem jurídica brasileira atribui ao Juízo da Infância e da Juventude competência para autorizar o trabalho, consoante disciplina estabelecida na CLT, e a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos, conforme encontra-se atualmente previsto na Lei nº 8.069/1990. Trata-se de nítida hipótese de jurisdição voluntária,[35] em que não se identifica a presença de um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, mas, sim, a necessidade de integração da vontade individual, que, por si só, não pode produzir o efeito pretendido.

 

5. Iniciativas favoráveis à competência da Justiça do Trabalho para autorizar o trabalho de crianças e adolescentes

 

            Aqueles que defendem a competência da Justiça do Trabalho para autorizar o trabalho ou a participação em espetáculos públicos, de crianças e adolescentes, têm externado o seu entendimento em três planos distintos. O primeiro, próprio para esse tipo de debate, é o plano legislativo, em que proposições com esse objetivo já se encontram em tramitação. O segundo é o plano jurisdicional, em que já se identificam algumas decisões da Justiça do Trabalho atraindo para si essa competência. O terceiro, por sua vez, é o plano argumentativo, no qual se desenvolve a tentativa de conscientizar os operadores do direito a respeito da correção desse entendimento.

 

            Plano Legislativo

 

            No Projeto de Lei nº 3.974, de 2012, de autoria do Deputado Federal Manoel Júnior, busca-se alterar o art. 406 da Consolidação das Leis do Trabalho para atribuir-lhe a seguinte redação: “[o] Juiz do Trabalho poderá autorizar ao adolescente o trabalho a que se referem as alíneas ‘a’ e ‘b’ do § 3º do art. 405, desde que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação”. De acordo com as alíneas ‘a’ e ‘b’ do § 3º do art. 405 da CLT, ao menor é vedado o trabalho em serviços prejudiciais à sua moralidade, considerando-se como tal aqueles prestados “de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, buates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos” e “em empresas circenses, em funções de acróbata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes”. Pela atual redação do art. 406, a autorização pode ser concedida pelo “Juiz de Menores”. Em sua justificativa, argumenta o autor do Projeto que a matéria é trabalhista e que “a Justiça Comum não estaria apta para a análise sob o ângulo da Legislação Trabalhista”.

            No Projeto de Lei nº 4.253, de 2013, de autoria do Deputado Federal Dr. Grilo, o objetivo é alterar o art. 406 da Consolidação das Leis do Trabalho, de modo a conceder competência concorrente ao Juiz de Menores e ao Juiz do Trabalho. Na justificativa, argumenta-se que “o artigo 114 da Constituição Federal de 1988 deixa claro que compete à Justiça do Trabalho julgar e processar controvérsias decorrentes das relações de trabalho. Portanto, descabida a competência exclusiva dos Juízes de Menores”.

            No Projeto de Lei nº 4.968, de 2013, de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys, é alterado, inicialmente, o art. 60 da Lei nº 8.069/1990, que veicula o Estatuto da Criança e do Adolescente, para vedar a autorização de trabalho para os “menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos quatorze anos”, bem como para permitir tal autorização apenas “no caso de participação em representações artísticas”. Especifica, ainda, os requisitos a serem observados pelo alvará, ressaltando que ele poderá ser “concedido pela autoridade judiciária do Trabalho, e a pedido dos detentores do poder familiar, após ouvido o representante do Ministério Público”. Por fim, o Projeto revoga o parágrafo único do art. 402, que estabelece sistemática específica para o trabalho em oficina da família; os parágrafos segundo e quarto do art. 405, que outorgam ao Juiz de Menores competência para autorizar o trabalho em logradouros públicos, quando necessário à subsistência, e exigem a vinculação dos menores jornaleiros às instituições de amparo existentes na localidade; e o art. 406 da Consolidação das Leis do Trabalho, que confere ao Juiz de Menores competência para autorizar o trabalho na hipótese das alíneas ‘a’ e ‘b’ do § 3º do art. 405 da CLT. O autor do projeto, em sua justificativa, realça a necessidade de evitar-se o trabalho de crianças e adolescentes, de modo a cumprir os comandos constitucionais e o compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro. Quanto às razões para a alteração de competência, nada foi dito.

            Os três projetos foram apensados e analisados em conjunto pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. De acordo com o parecer da relatora, Deputada Benedita da Silva, a presença de crianças e adolescentes em relações de trabalho deve ser autorizada pela justiça especializada, qual seja, a trabalhista,  que, por ser “especialista em amparar os trabalhadores hipossuficientes, conferirá maior amplitude ao exercício dos direitos trabalhistas das crianças e adolescentes que exerçam atividade artística. A Justiça Comum se limita a analisar os aspectos civis da autorização, ou seja, se irá gerar prejuízo aos estudos, à moral, mas não adentra nos aspectos dos direitos trabalhistas”. Portanto, em razão da competência constitucional da Justiça do Trabalho e, “principalmente, pelo princípio da proteção integral às crianças e adolescentes”, as autorizações hão de ser concedidas por esse ramo do Judiciário.

 

            Plano Jurisprudencial

 

            Os órgãos do Poder Judiciário possuem a profícua incumbência de aplicar o direito posto em caráter definitivo, de modo a evitar, recompor ou reparar qualquer lesão ou tentativa de lesão a direitos individuais ou coletivos. Para tanto, interpretam o direito posto e, nesse particular, alguns órgãos da Justiça do Trabalho tem visualizado, no art. 114, I, da Constituição de 1988, o alicerce de sua competência para autorizar, ou não, o trabalho de crianças e adolescentes.

            De acordo com o art. 114, I, da Emenda Constitucional nº 45/2004, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar “as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. A partir desse enunciado linguístico, alcançou-se o entendimento de que o art. 406 da CLT, que atribui ao Juízo da Infância e da Juventude competência para autorizar o trabalho de crianças e adolescentes, não poderia sobrepor-se ao comando constitucional, tendo sido revogado.

            A esse respeito, podem ser colacionados os seguintes acórdãos relacionados a essa temática, verbis:

 

“COMPETÊNCIA PARA APRECIAÇÃO DO PLEITO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA TRABALHO INFANTIL – É da Justiça do Trabalho a competência para apreciar pedido de autorização para ocorrência de trabalho por menores, que não guardam a condição de aprendizes nem tampouco possuem a idade mínima de dezesseis anos. Entendimento que emana da nova redação do artigo 114, inciso I, da Lex Fundamentalis” (TRT-2ª Região, Processo nº 00017544920135020063, rel. Des. Rosana de Almeida, j. em 10/12/2013, DJ de 10/01/2014)).

 

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. AUTORIZAÇÃO PARA TRABALHO DE MENOR. JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPETÊNCIA RECURSAL. - Após a Emenda Constitucional nº 45, fica evidente a competência da Justiça do Trabalho para dirimir conflito relativo à fiscalização do trabalho de menores. - Competência declinada à Justiça do Trabalho” (TRF-4ª Região, 3ª Turma, AC nº 2005.04.01.033601-0, rel. Des. Fed. José Paulo Baltazar Junior, j. em 06/03/2006, DJ de 03/05/2006).

 

            Plano Argumentativo

 

            A evolução de qualquer ciência não passa ao largo da circulação de ideais e do livre debate a respeito de sua adequação, ou não, às peculiaridades do contexto sociopolítico. Essas são as características de um ambiente pluralista, em que convergências e divergências são a tônica do debate público. O pluralismo há de ser reconhecido sob todos os pontos de vista (artístico, religioso etc.), assumindo especial relevo, para o ambiente democrático, em sua feição política.[36] O pluralismo político, alicerce estrutural do regime liberal, aponta para a inexistência de uma verdade oficial, existindo, apenas, uma opinião majoritária, fruto da igual manifestação e consideração de todas as opiniões existentes. O livre aflorar de opiniões dinamiza a interação recíproca entre grupos de interesses e o Estado, que atuam como participantes do discurso político,[37] impedindo a estagnação das orientações existentes.

            Não obstante a plena legitimidade do discurso argumentativo, parece existir em certos setores uma precipitação em relação à forma de interação desse discurso com a realidade. A alguns parece que a competência da Justiça do Trabalho para autorizar, em caráter excepcional, o trabalho de crianças e adolescentes, longe de estar adstrita ao plano das ideias, contando com algumas poucas decisões desse ramo especializado do Poder Judiciário, que parece adotar uma postura autorreferencial, é fato consumado. Em outras palavras, tal competência já existiria e deveria ser imediatamente cumprida. Essa constatação decorre de duas iniciativas, desenvolvidas nos Estados de São Paulo e Mato Grosso, que, pela sua singularidade, merecem ser referidas.

Por meio da Recomendação Conjunta nº 1, da lavra da Corregedoria Regional do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região, da Corregedoria Regional do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, do Ministério Público do Trabalho da Segunda Região, do Ministério Público do Trabalho da Décima Quinta Região e do Ministério Público do Estado de São Paulo, foi  dito o seguinte:

 

“Art. 1º. Recomendar aos Juízes de Direito da Infância e da Juventude, aos Juízes do Trabalho da Vigésima Terceira Região, aos membros do Ministério Público Estadual e do Ministério Público do Trabalho da Vigésima Terceira Região, que tomem como diretriz, para efeito de competência:

 

I – As causas que tenham como amparo os direitos fundamentais da criança e do adolescente e sua proteção integral, nos termos da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, inserem-se no âmbito da competência dos Juízes de Direito da Infância e da Juventude;

II – As causas que tenham como fundamento a autorização para trabalho de crianças e adolescentes, inclusive artísticos e desportivo, e outras questões conexas derivadas dessas relações de trabalho e emprego, debatidas em ações individuais e coletivas, inserem-se no âmbito da competência dos Juízes do Trabalho, nos termos do art. 114, incisos I e IX, da Constituição da República.

 

Art. 2º. Esta Recomendação entra em vigor na data de sua publicação.”

 

            Não há dúvidas de que a recomendação, de fato, é o veículo adequado à disseminação de certas diretrizes de atuação funcional, que hão de ser sugeridas, não propriamente impostas. O curioso é que a recomendação destoa de uma sistemática quase secular. Aliás, é justamente por estar em vigor uma sistemática diversa é que encontram-se em tramitação proposições legislativas com o objetivo de alterá-la. Vale lembrar que recomendação, com justificativa diversa, mas de conteúdo praticamente idêntico, foi editada, em 19 de dezembro de 2014, por autoridades congêneres no Estado de Mato Grosso.

            O principal alicerce de sustentação da tese da competência da Justiça do Trabalho é a interpretação que se pretende dar ao art. 114, I e X, da Constituição da República.[38] Além disso, também se argumenta com o disposto no art. 83 da Lei Complementar nº 75/1993, segundo o qual “[c]ompete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho”, podendo “III- promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”; e “V - propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e índios, decorrentes das relações de trabalho”. Como esse comando teria outorgado, ao Ministério Público do Trabalho, a atribuição necessária à defesa dos interesses dos menores, “decorrentes das relações de trabalho”, ter-se-ia, ipso iure, a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as respectivas ações. Alguns chegam a afirmar que a lei complementar é hierarquicamente superior à lei ordinária, daí decorrendo a inferência lógica de que a CLT fora tacitamente revogada.

           

6. A competência do Juízo da Infância e da Juventude e o seu alicerce argumentativo

 

            As discussões em torno do órgão jurisdicional competente para apreciar as autorizações ora analisadas deparam-se com um quadro normativo bem definido. De um lado, temos comandos legais que atribuem essa competência ao Juízo da Infância e da Juventude, alguns deles editados sob a égide da Constituição de 1988; de outro, temos a interpretação que se pretende outorgar ao art. 114, I, da Constituição de 1988, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Quanto ao art. 83, V, da Lei Complementar nº 751/1993, é evidente que esse preceito tão somente enuncia a atribuição do Ministério Público do Trabalho para defender os interesses, de crianças e adolescentes, “decorrentes da relação de trabalho”, o que reconduz a discussão à interpretação do referido preceito constitucional.

            O art. 114, I, da Constituição de 1988, em sua redação original, tinha o seguinte conteúdo:

 

“Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”.

 

            A referência a “dissídios individuais e coletivos” evidenciava o caráter litigioso das causas submetidas à Justiça do Trabalho, o que, por si só, já seria suficiente para afastar a sua competência para apreciar o pedido de autorização ora analisado. Além disso, era possível que a lei estendesse a competência desse ramo especializado a “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, que seriam definidas em lei. Fosse explorado o potencial semântico dessa expressão, utilizando-se técnica semelhante àquela encampada pelos atuais defensores da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, de modo que decorrente deixasse de ser o que vem depois, passando a ser o que vem antes, por certo, não haveria óbice a que a Consolidação das Leis do Trabalho viesse a reconhecer referida competência. Apesar desse diploma normativo ter sido objeto de inúmeras alterações desde 5 de outubro de 1988, jamais retirou-se, do Juízo da Infância e da Juventude, a competência ora analisada, que remonta ao início do século.

            Em 30 de dezembro de 2004, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45, que alterou a redação do art. 114 da Constituição da República, de modo a detalhar as suas competências, sem prejuízo de sua ampliação pela legislação infraconstitucional. Eis o teor do caput e dos incisos I e IX do art. 114 após a modificação constitucional:

 

“Art. 114 - Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

 

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

 (...)

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”.

 

            Tão logo foi promulgada a reforma constitucional, tornou-se perceptível o surgimento de certo frenesi a respeito da ampliação das competências da Justiça do Trabalho. Não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal foi instado a pronunciar-se a respeito de algumas “teses hermenêuticas”. O Tribunal, ao julgar a ADI nº 3.395-6 (rel. Min. Cezar Peluso, j. em 05/04/2006, DJ de 10/11/2006), conferiu interpretação conforme a Constituição ao art. 114, I, para excluir da competência da Justiça do Trabalho as causas entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, de um lado, e seus servidores de outro, sempre que “vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo”. No julgamento da ADI nº 3.684-0 (rel. Min. Cezar Peluso, j. em 01/02/2007, DJ de 03/08/2007), o Tribunal deixou assentado que o disposto no art. 114, I, IV e IX, “não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações penais”. Em outras palavras, nem a ordem constitucional autoriza nem a legislação infraconstitucional pode autorizar que Juízes do Trabalho julguem crimes, ainda que sejam praticados, durante a relação de trabalho e envolvam empregado e empregador.

            Mas será que a Emenda Constitucional nº 45/2004, ao modificar o inciso I do art. 114, teria inventado a “quadratura do círculo”? Em outras palavras, será que o enunciado linguístico que atribui competência a esse ramo especializado para processar e julgar “as ações oriundas das relações de trabalho” legitimaria a conclusão idealizada por alguns? Ou, melhor dizendo, seria possível afirmar que essa expressão apresenta distinção substancial em relação ao enunciado anterior, que mencionava “dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores (...) e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”? De modo mais específico: no que se distinguem as expressões “ações oriundas das relações de trabalho” e “controvérsias decorrentes da relação de trabalho”? Com todas as vênias daqueles que encampam entendimento diverso, cremos que nada mudou, em nosso texto constitucional, que possa embasar a interpretação pretendida. E, pior, nada mudou em nosso ambiente sociopolítico que pudesse justificar o conteúdo normativo que se pretende delinear.

O êxito de uma ordem constitucional, enquanto paradigma de efetividade social, é influenciado pela qualidade interna de suas regulamentações, pelas condições externas que permitam a sua realização e pela atividade desenvolvida pelo responsável pela individualização de suas normas, daí a relevância da relação triangular estabelecida entre “texto, contexto e interpretação”.[39] Na síntese de Häberle:[40] “[k]ein (rechtlicher) Text ohne Kontext”, “kein (rechtlicher) Text ohne Auslegung” [“não há texto (jurídico) sem contexto, não há texto (jurídico) sem interpretação”]. A ordem constitucional, aliás, pode ser vista como uma rede de inter-relações formada a partir da aproximação, de um lado, da linguagem textual, e, do outro, das forças de natureza social, econômica, política e moral.[41] Tal ocorre justamente porque as disposições normativas constitucionais estão situadas em um contexto multidimensional, real e cambiante, o que permite sejam adjudicados significados dinâmicos a significantes estanques, resultado da ação de forças que determinam a natureza, o significado e os efeitos que os significantes linguísticos produzirão no plano concreto.[42] A norma constitucional é essencialmente mutável. Afinal, entre o momento constituinte e o momento em que é individualizada, é factível a possibilidade de o contexto social ter passado por diversas modificações.[43]

A promoção da interação entre texto e contexto é munus que recai sobre o intérprete, fazendo que a ordem constitucional transite da plasticidade formal para a concretude de um específico ambiente sociopolítico. Esse é o alicerce estrutural da metódica concretista de Konrard Hesse.[44] A interpretação constitucional é “concretização”, não existindo “independente de problemas concretos”.[45] A Constituição deve ser sempre concebida em sua atualidade, individualidade e concretude. Considerando a sua vinculação a um ambiente histórico-concreto, a atividade do intérprete assume relevância ímpar no delineamento do seu conteúdo. Afinal, cabe a ele apreender a realidade e promover a sua interação com o significante interpretado. A relevância dessa atividade é percebida nas situações em que o significado possível não seja inequívoco, ensejando dúvidas insuscetíveis de serem superadas pelos métodos clássicos.

            Na doutrina de Friedrich Müller,[46] que se dedicou de modo mais amplo à temática, a norma não se sobrepõe ao texto, sendo concretizada a partir dele. É a resultante da convergência de fatores linguísticos e factuais, aqueles inerentes ao texto normativo, estes às especificidades da realidade em que se projetará. O intérprete, realizando uma atividade essencialmente intelectiva e decisória, é o responsável pela condução do processo de concretização, que principia pela identificação do problema, avança pela individualização do texto normativo, se desenvolve sob os influxos da realidade e somente se completa com a solução do caso concreto.[47] Nesse iter, o intérprete confere vida e utilidade ao enunciado linguístico inserido na Constituição formal, que alcança o status de norma constitucional a partir da simbiose, entre texto e contexto, promovida pela interpretação, culminando com a formação da norma de decisão, resultado final do processo de concretização. Abandona-se o formalismo e encampa-se o dinamismo da práxis. O objetivo: adotar critérios prático-normativos voltados à decisão do caso concreto.[48] Nesse “avanço tópico”, diversamente da “tópica pura”, a base textual, que não tem um significado (Bedeutung) próprio, direciona (dirigiert) e limita (begrenzt) a atividade do intérprete. É, além disso, influenciado pela política jurídica, devendo sopesar as consequências e os efeitos das decisões.[49]

            É evidente que o contexto sociopolítico atualmente existente na realidade brasileira não oferece ambiente adequado à pretendida modificação da competência da Justiça do Trabalho. Além de o art. 114, I, da Constituição de 1988 não encampar, semântica ou sintaticamente, a tese de que a Justiça do Trabalho teve suas competências exponencialmente expandidas, as peculiaridades do ambiente sociopolítico não justificam a ampliação pretendida. Afinal, estamos perante um sistema que já subsiste há quase um século e é especificamente direcionado às crianças e aos adolescentes. A própria ampliação da competência da Justiça do Trabalho, via legislação infraconstitucional, seria de duvidosa constitucionalidade, já que a matéria estaria dissociada da relação de trabalho.

            O acerto dessa conclusão ainda é corroborado pela autonomia do denominado Direito da Infância e da Juventude, o que aconselha a concentração de competências, que devem ser tratadas no nível da especialização. Para maior clareza, analisaremos esse aspecto de maneira mais detida em tópico próprio. Também será objeto de análise específica a distinção entre autorização para o trabalho e relação de trabalho.

 

6.1. O direito da infância e da juventude e sua autonomia existencial

 

            Direito, do latim directum, de dirigere, indicando a ação de dirigir, de ordenar, é significante eminentemente polissêmico. Para os fins de nossa exposição, pode ser visto como o conjunto de padrões normativos, do qual derivam posições jurídicas de sujeição e de fruição. É indissociável da inter-relação social, que delimita e compatibiliza,[50] e apresenta um “significado emotivo favorável”,[51] denotando a presença de uma atitude de adesão, o que assegura a sua validade social. Em virtude da crescente complexidade das relações sociais, esses padrões normativos se multiplicaram, apresentando, além das distinções que justificam a sua própria existência, alguns traços comuns que permitem reuni-los em certos ramos específicos, de modo a estabelecer uma identidade metódica e didática, facilitando a sua compreensão. As classificações mais tradicionais e amplamente difundidas são aquelas que dividem o direito em internacional e interno, e este último em público e privado.[52]

            As principais distinções entre o direito público e o privado, dicotomia que tem sofrido severas críticas, costumam ser condensadas nos objetivos a serem alcançados, nas características das respectivas normas[53] e no critério de posição dos sujeitos.[54] O objetivo do direito público é o de satisfazer os interesses da coletividade, enquanto o direito privado busca assegurar o máximo de satisfação aos interesses individuais. As normas de direito público são essencialmente imperativas, o que afasta qualquer poder de disposição sobre elas, enquanto, no direito privado, que privilegia a vontade e a liberdade individuais, a preponderância é das normas dispositivas. Nas normas de direito público, estaria presente o exercício de um poder de autoridade (publica potestas), enquanto que, nas normas de direito privado, as partes aparecem numa posição de igualdade.

            Além da divisão do direito interno em público e privado, comportando, cada qual, uma multiplicidade de sub-ramos, é crescente o desenvolvimento do que alguns denominam de ramos mistos,[55] por apresentarem certas características que podem ser consideradas inerentes ao direito público ou ao direito privado. A nosso ver, essa classificação não apresenta grande rigidez dogmática. Afinal, é difícil imaginar a existência de um ramo em estado puro, somente possuindo normas que se enquadrem sob a epígrafe das públicas ou das privadas. Apesar dessa constatação, é factível que o enquadramento do direito do trabalho na dicotomia tradicional é tarefa assaz difícil, sendo nítida a convergência de normas de direito público e de direito privado,[56] daí o porquê de muitos o considerarem direito social.[57]

            Não se pode deixar de observar, juntamente com Recasens Siches,[58] que nenhuma doutrina “logrou encontrar um critério universalmente válido para estabelecer tal distinção”. Daí a conclusão de que a dicotomia público-privado baseia-se mais em dados históricos que propriamente em uma validez intrínseca, vale dizer, existem normas em que, historicamente, prepondera o interesse público e normas em que a preeminência é do interesse privado. E o exemplo oferecido pelo autor para demonstrar a falta de rigidez dessa classificação era justamente a situação das normas protetoras dos filhos, reputadas tipicamente de direito privado, mas que possuem um caráter público, “que é salvaguardado de ofício, pela intervenção do Ministério Público.” Já o direito do trabalho, embora seja principalmente protetor de interesses privados, alguns ordenamentos, como o mexicano, consideram-no como de direito público, pois os direitos que tutela são irrenunciáveis.

            Acresça-se que o mundo contemporâneo tem testemunhado uma crescente compartimentação dos padrões normativos, conforme a natureza das relações sociais que devem disciplinar. Daí decorre a diversificação dos ramos do direito, que passam a ter reconhecida a sua autonomia existencial em razão das peculiaridades que os distinguem dos outros ramos existentes. Apesar da advertência de François Terré,[59] no sentido de que há um certo exagero na defesa da autonomia de alguns ramos do direito, é inegável que esse fenômeno não é reversível. O desafio é afastar os excessos, mas reconhecer a utilidade da compartimentação, cuja finalidade prática, como ressaltado por Tercio Sampaio Ferraz Júnior,[60] é contribuir para a “decidibilidade de conflitos com um mínimo de perturbação social”. A autonomia surge da diversidade, mas não se exaure nela. É indispensável que o novo ramo apresente singularidades que o distingam dos demais, daí decorrendo a possibilidade de oferecer soluções originais e derrogatórias das regras gerais existentes no sistema ou das regras específicas afetas a outros ramos.

            Para que a autonomia seja reconhecida, é necessário, em primeiro lugar, que a aplicação de princípios e métodos de argumentação gerais conduza a situações injustas ou irrazoáveis. A autonomia, além disso, exige que a matéria considerada, embora se abebere de princípios gerais ou específicos preexistentes, tenha uma espécie de “combinação química” [61] que permita atribuir-lhe contornos de novidade. Foi justamente isso que aconteceu com o direito do trabalho, que passou a ostentar grande relevância social e a dispensar especial proteção ao trabalhador, que historicamente sucumbia ao avanço do capital. Com isso, desprendeu-se do direito civil e adquiriu as características de disciplina autônoma.

            O reconhecimento da autonomia existencial do direito da infância e da juventude exige considerações em torno do modo como essa camada da população passou a ser vista pelos distintos atores do ambiente sociopolítico, tanto interno como internacional, e o tratamento jurídico que lhe foi dispensado pelas estruturas estatais de poder. Somente assim será possível aferir se o critério etário justificou, por si só, o surgimento de uma visão social e normativa tão diferenciada a seu respeito que torne inviável a sua inserção, total ou parcial, em algum ramo do direito incumbido da organização normativa de matéria diversa.

            Desde os primórdios da humanidade percebeu-se que os seres humanos somente alcançavam a plenitude de suas potencialidades físicas e mentais com o passar dos anos. Em algumas civilizações, os mais jovens sequer eram sujeitos de direito, e, quando se reconheceu esse status, foram-lhes opostas restrições à manifestação da vontade. Durante longo tempo, foram penitenciados pelos erros dos antecessores, quer cumprindo penas, quer tendo a sua esfera jurídica restringida.

            O século XX testemunhou uma crescente preocupação com os direitos das crianças e dos adolescentes, sendo inúmeros os atos de direito internacional que buscam tutelá-los. Em caráter meramente enunciativo, podemos mencionar aqueles listados abaixo.

 

(i) A Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente, adotada no âmbito da UNICEF em 20 de novembro de 1959, enunciou um extenso rol de direitos que deveriam ser reconhecidos “a todas as crianças, sem qualquer exceção, distinção ou discriminação por motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, nacionalidade ou origem social, posição econômica, nascimento ou outra condição, seja inerente à própria criança ou à sua família”.

 

(ii) A Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, adotada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. No Brasil, foi aprovada pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992, sendo depositado o instrumento de ratificação, junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, em 25 de setembro de 1992, e promulgada, na ordem interna, pelo Decreto nº 678, de 6 de  novembro de 1992. A Convenção entrou em vigor, no plano internacional, em 18 de julho de 1978. De acordo com o seu art. 19, “[t]oda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.

 

(ii) O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de São Salvador), adotado em São Salvador, em 17 de novembro de 1988. No Brasil, foi aprovado, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 56, de 19 de abril de 1995, sendo depositado o instrumento de adesão, junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, em 21 de agosto de 1996, e promulgado, na ordem interna, pelo Decreto nº 3.321, de 31 de dezembro de 1999. O Protocolo entrou em vigor, no plano internacional, em 16 de novembro de 1999. De acordo com o nº 3 do seu art. 15, que trata do “direito à constituição e proteção da família” (...), “[o]s Estados Partes comprometem-se, mediante este Protocolo, a proporcionar adequada proteção ao grupo familiar e, especialmente, a: (...) b. Garantir às crianças alimentação adequada, tanto no período de lactação quanto durante a idade escolar; c. Adotar medidas especiais de proteção dos adolescentes, a fim de assegurar o pleno amadurecimento de suas capacidades físicas, intelectuais e morais”. O art. 16, por sua vez, que trata do “[d]ireito da criança”, dispôs que “[t]oda criança, seja qual for sua filiação, tem direito às medidas de proteção que sua condição de menor requer por parte da sua família, da sociedade e do Estado. Toda criança tem direito de crescer ao amparo e sob a responsabilidade de seus pais; salvo em circunstâncias excepcionais, reconhecidas judicialmente, a criança de tenra idade não deve ser separada de sua mãe.  Toda criança tem direito à educação gratuita e obrigatória, pelo menos no nível básico, e a continuar sua formação em níveis mais elevados do sistema educacional.

 

(iii) O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado em Nova Iorque, em 16 de dezembro de 1966. No Brasil, foi aprovado, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, sendo depositada a carta de adesão, junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, em 24 de janeiro de 1992, e promulgado na ordem interna pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. O Pacto entrou em vigor, no plano internacional, em 23 de março de 1976. De acordo com o seu art. 24, 1, “[q]ualquer criança, sem nenhuma discriminação de raça, cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, propriedade ou nascimento, tem direito, da parte da sua família, da sociedade e do Estado, às medidas de proteção que exija a sua condição de menor”.

 

(iv) A Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, adotada em Haia, em 25 de outubro de 1980. No Brasil, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 79, de 15 de setembro de 1999, sendo depositado o instrumento de adesão, em 19 de outubro de 1999, e promulgada, na ordem jurídica interna, pelo Decreto nº 3.413, de 14 de abril de 2000. A Convenção entrou em vigor, no plano internacional, em 1º de dezembro de 1983. Há reserva ao art. 24 da Convenção, permitida pelo seu art. 42, sendo exigido que os documentos estrangeiros juntados aos autos judiciais sejam acompanhados de tradução para o português, feita por tradutor juramentado oficial.

 

(v) A Convenção Interamericana sobre a Restituição Internacional de Menores, adotada em Montevidéu, em 15 de julho de 1989. No Brasil, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 3, de 7 de fevereiro de 1994, sendo depositado o instrumento de ratificação, junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, em 3 de maio de 1994, e promulgada, na ordem interna, pelo Decreto nº 1.212, de 3 de agosto de 1994. A Convenção entrou em vigor, no plano internacional, em 4 de novembro de 1994.

 

(vi) A Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. No Brasil, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990, sendo depositado o instrumento de ratificação em 24 de setembro de 1990 e promulgada, na ordem interna, pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. A Convenção entrou em vigor, no plano internacional, em 2 de setembro de 1990.

 

(vii) A Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, adotada na Cidade do México, em 18 de março de 1994. No Brasil, foi aprovada, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 105, de 30 de outubro de 1996, sendo depositado o instrumento de ratificação, junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, em 8 de julho de 1997, e promulgada, na ordem interna, pelo Decreto nº 2.740, de 20 de agosto de 1998. A Convenção entrou em vigor, no plano internacional, em 15 de agosto de 1997.

 

(viii) O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, adotado em Nova Iorque, em 25 de maio de 2000. No Brasil, foi aprovado, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 230, de 29 de maio de 2003, sendo depositado o instrumento de ratificação, junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, em 27 de janeiro de 2004, e aprovado pelo Decreto nº 5.007, de 8 de março de 2004. O Protocolo entrou em vigor, no plano internacional, em 18 de janeiro de 2002.

 

(ix) O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado em Nova Iorque, em 16 de dezembro de 1966. No Brasil, foi aprovado, pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, sendo depositada a carta de adesão, junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas, em 24 de janeiro de 1992, e aprovado pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. O Pacto entrou em vigor, no plano internacional, em 3 de janeiro de 1976. De acordo com o seu art. 10, “[o]s Estados Partes no presente Pacto reconhecem que: 1. Uma proteção e uma assistência mais amplas possíveis serão proporcionadas à família, que é o núcleo elementar natural e fundamental da sociedade, particularmente com vista à sua formação e no tempo durante o qual ela tem a responsabilidade de criar e educar os filhos. O casamento deve ser livremente consentido pelos futuros esposos. (...) 3. Medidas especiais de proteção e de assistência devem ser tomadas em benefício de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação alguma derivada de razões de paternidade ou outras. Crianças e adolescentes devem ser protegidos contra a exploração econômica e social. O seu emprego em trabalhos de natureza a comprometer a sua moralidade ou a sua saúde, capazes de pôr em perigo a sua vida, ou de prejudicar o seu desenvolvimento normal deve ser sujeito à sanção da lei. Os Estados devem também fixar os limites de idade abaixo dos quais o emprego de mão de obra infantil será interdito e sujeito às sanções da lei.

 

            Alírio Cavalieri,[62] referindo-se à autonomia do então denominado Direito do Menor, defendia que ela decorria do seu conteúdo específico, de institutos peculiares, de ter normas próprias e de sua autonomia didático-científica.

             Esse ramo do direito, como ressaltado por Sálvio de Figueiredo Teixeira,[63] costuma encontrar a sua base de sustentação em três concepções teóricas, que são as doutrinas (a) da proteção integral, (b) do direito penal do menor e (c) da situação irregular.

            A doutrina da proteção integral apregoava a necessidade de a criança e o adolescente terem a integralidade de sua esfera jurídica sujeita à preocupação e à tutela do Estado. Essa proteção deveria abranger, além das liberdades clássicas, a totalidade dos direitos sociais, como alimentação, habitação, educação, saúde, cultura, lazer e trabalho.

            A doutrina do direito penal do menor defende que o Estado deve instituir um sistema de responsabilização diferenciado, atento às especificidades da pessoa em desenvolvimento.[64] A ausência de incursão no campo extrapenal importava na inexistência de qualquer medida que buscasse contornar as debilidades físicas e mentais dessa camada da população, de modo a oferecer-lhe as prestações sociais que assegurassem o seu pleno desenvolvimento físico e mental.

            A doutrina da situação irregular, por sua vez, era baseada na necessidade de preservar ou recompor a esfera jurídica da criança e do adolescente que a tivesse comprometida por qualquer razão. Com isso, buscava estabelecer mecanismos de assistência, proteção e vigilância, que eram acionados sempre que as especificidades concretas o exigissem.

            O alicerce estabelecido pela ordem constitucional e a sistemática contida na Lei nº 8.069/1990 são suficientes, por si sós, para justificar a autonomia existencial do direito da criança e do adolescente.[65] São detalhados diversos direitos, amparados pelas medidas protetivas; as relações de família passaram a ajustar-se a certos comandos específicos, nitidamente derrogatórios do direito comum; foi prevista a existência do Juízo da Infância e da Juventude, que há de contar com uma equipe de apoio, composta por psicólogos, assistentes sociais, comissários etc., que viabilize o atendimento dos amplos objetivos a serem cumpridos pelo Estado; os poderes do juiz foram sensivelmente ampliados, sendo-lhe permitido estabelecer atos normativos de natureza infralegal e proferir decisões de ofício, isso sem olvidar o seu poder de cautela sensivelmente mais amplo; há um sistema de responsabilização pessoal específico, com sanções próprias, as medidas socioeducativas, e prazos cambiantes, que se ajustam às especificidades de cada adolescente infrator;  e ainda há um sistema próprio de direito administrativo sancionador, que prevê uma tipologia de ilícitos administrativos e sanções próprias para quem infrinja certas normas de proteção dessa camada da população.

            Esse sistema, cujas especificidades não podem ser negadas, há de ser interpretado e aplicado com os olhos voltados à “absoluta prioridade” que a criança, o adolescente e o jovem, por força do art. 227, caput, da Constituição de 1988, deve receber da família, da sociedade e do Estado. O comando constitucional assegurou-lhes “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

            Como se constata, além da proteção integral, o art. 227, caput, da Constituição de 1988 assegurou às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, o gozo de inúmeros direitos. No plano lexical, prioridade indica a “qualidade do que está em primeiro lugar ou do que aparece primeiro; primazia, preferência conferida a alguém relativa ao tempo de realização de seu direito, com preterição do de outros; qualidade de uma coisa que é posta em primeiro lugar dentro de uma série ou ordem” (Cf. Buarque de Holanda). Consagrada a prioridade, é praticamente suprimido o âmbito de discricionariedade política do administrador público, já que eliminada a possibilidade de sopesar quaisquer outros direitos com aqueles das crianças, dos adolescentes e dos jovens. A ponderação entre os possíveis valores envolvidos foi realizada, a priori, pelo Constituinte, pouco sendo deixado ao administrador. Tratando-se de direitos que congreguem valores idênticos ou inferiores àqueles consagrados às crianças e aos adolescentes, não haverá qualquer espaço para uma opção distinta daquela que prestigie a absoluta prioridade (v.g.: entre a educação de um adulto e a educação de uma criança, esta haverá de prevalecer; entre a realização de construções de natureza voluptuária e a educação de uma criança, a última, por veicular valores mais importantes à coletividade, deverá igualmente prevalecer). No entanto, em situações extremas, um direito que possua maior peso no caso concreto poderá afastar outro de peso inferior (v.g.: para assegurar o direito à vida, pode ser afastado o direito de propriedade de uma criança). 

        O reconhecimento da autonomia existencial do direito da infância e da juventude certamente contribui para compreendermos o porquê de, há pouco menos de um século, ser atribuído, aos juízes com competência específica nessa temática, o munus de integrar a manifestação de vontade de crianças e adolescentes, genitores e responsáveis, de modo a permitir o exercício de atividades laborativas ou a participação em espetáculos públicos. O Juízo da Infância e da Juventude deve realizar verdadeira prognose, de modo a aferir os reflexos da atividade a ser desenvolvida sobre a personalidade individual, bem como os seus efeitos sobre os demais direitos assegurados a essa camada da população. Trabalho, educação, lazer e saúde, para dizer o mínimo, hão de permanecer conectados, de modo que a realização de um deles não prejudique os demais.

        Qualquer criança ou adolescente que se encontre em situação de risco, na forma do art. 98 da Lei nº 8.069/1990,[66] pode receber as medidas protetivas a que se refere o mesmo diploma legal. São aplicadas, conforme o caso, pelo Conselho Tutelar ou pelo Juízo da Infância e da Juventude, tendo natureza bem diversificada, variando desde a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos ou de auxílio à família, à criança e ao adolescente, até a inserção em família substituta. Trata-se de sistema todo próprio, que conta com um rol de princípios, previstos no art. 100, que direciona a sua aplicação. Considerando que o rol de medidas protetivas é exemplificativo, torna-se nítido que outras mais poderão ser aplicadas, incluindo a autorização para o trabalho e a participação em espetáculos públicos a partir de parcerias firmadas com estabelecimentos que ofereçam essas atividades. A avaliação da conveniência, ou não, dessa medida não pode ser realizada por autoridade outra que não aquela vinculada ao sistema de proteção das crianças e dos adolescentes.

 

6.2. A distinção entre autorização para o trabalho e relação de trabalho

 

        A relação jurídica de trabalho, que se inicia com a celebração do contrato de trabalho, apresenta uma nítida peculiaridade quando cotejada com as clássicas relações jurídicas de viés civilista. Essa peculiaridade decorre da existência de subordinação de uma das partes à outra, mais especificamente do empregado ao empregador, que presta um trabalho pessoal, remunerado e em caráter não eventual. Não bastasse isso, a preeminência do capital sobre o trabalho gera um evidente desequilíbrio de forças entre os contratantes, o que justifica a atuação protetiva do Estado em prol do trabalhador, sendo esse um dos princípios diretivos da Justiça do Trabalho.

        É o contrato de trabalho que delineia, subjetivamente, a relação jurídica. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, [67] referindo-se à impropriedade do art. 442 da CLT, que define o contrato individual de trabalho como o acordo tácito ou expresso, que corresponde à relação de emprego, proferiram lição que em muito nos auxilia a distingui-la da autorização para o emprego, verbis:

 

            “O conceito formulado neste artigo é tecnicamente insustentável. Dizer que o contrato corresponde à relação jurídica que informa importa redundância. Todo contrato é o aspecto subjetivo da relação, com ela se confundindo, conseqüentemente. A dissociação entre as duas idéias é uma pura abstração do espírito. Portanto, a correspondência é logicamente necessária, tendo sido redundantemente salientada pelo legislador. Com efeito, se a existência da relação de emprego implica, ipso facto, na presença do contrato de trabalho, toda relação dessa natureza é impreterivelmente contratual, uma não podendo subsistir sem o outro. Esta presunção não carecia de ser explícita, num país em que há liberdade de trabalho. Tôda relação jurídica de natureza pessoal nasce de um ato jurídico. Não basta a existência de dois sujeitos de direito e de um objeto para que uma relação de direito se forme. Mister se faz que os sujeitos se vinculem juridicamente, que, por outras palavras, se liguem por um negócio jurídico”.

 

        A lição dos eminentes autores gera um óbice, a nosso ver intransponível, para os defensores da tese de que a Justiça do Trabalho, por ter competência para apreciar todas as questões afetas à relação de trabalho, seria igualmente competente para apreciar o requerimento de autorização para a celebração do contrato de trabalho. Na medida em que “toda relação jurídica de natureza pessoal nasce de um ato jurídico”, como seria possível falarmos em relação de trabalho antes da celebração do contrato de trabalho?

Somente com o surgimento da relação jurídica é que se pode falar em direitos e deveres. In casu, direitos e deveres subjacentes à relação trabalhista. Até então, tem-se mera avaliação prévia. Algo que, sem muito rigor técnico, poderíamos denominar, no direito penal, de cogitatio e, no direito civil, de tratativas preliminares.

        A exemplo do que se verificou no direito civil após a promulgação do Código de 2002, também no direito do trabalho o indivíduo adquire plena capacidade trabalhista ao atingir 18 anos. Entre os 16 e os 18 anos, é necessária a assistência do responsável para firmar-se um contrato, sendo que a existência da carteira de trabalho, “para a qual se faz necessária essa permissão, basta como prova da existência dessa outorga”.[68] A capacidade consiste na aptidão para a prática de atos jurídicos, sendo pressuposto de sua validade.[69]

Além da incapacidade decorrente do critério etário, ainda há situações de incompatibilidade, que alcançam o exercício de atividades consideradas insalubres, perigosas ou imorais.

        Algumas incompatibilidades podem ser afastadas mediante autorização do Juízo da Infância e da Juventude, o mesmo ocorrendo em relação à participação em espetáculos públicos, em que o intenso aspecto cultural, constitucionalmente protegido, pode ser visto como uma exceção à vedação de caráter etário, de modo que mesmo crianças, com os cuidados devidos, podem participar desse tipo de atividade. Portanto, não basta a permissão dos genitores ou dos responsáveis. É preciso um plus, que o Estado-juiz reconheça que a atividade não colocará em risco a higidez física e mental da criança e do adolescente.

        A superação da incapacidade e da incompatibilidade, consoante a sistemática legal, torna o menor de 18 anos parte legítima para firmar o contrato de trabalho e, por via reflexa, dar início à relação de trabalho.[70] O mesmo ocorre em relação à sua participação em espetáculos públicos. A legitimação pode ser vista como um plus em relação à capacidade. Denota o preenchimento de certos requisitos previstos em lei, especificamente exigidos de alguns sujeitos de direito, caso pretendam praticar determinados atos, o que decorre da natureza da relação jurídica a ser estabelecida.[71]

A autorização judicial, necessária à superação de algumas situações de incapacidade e de incompatibilidade, nem ao longe pode ser considerada parte integrante da relação jurídica que venha a surgir. E nem poderia ser diferente, pois o órgão jurisdicional não determina que a criança ou o adolescente faça ou deixe de fazer algo; tão somente autoriza.

Na medida em que a relação jurídica pode não vir a ser constituída, em razão, por exemplo, da morte ou da desistência dos interessados, é mais que óbvio que a autorização não só a precede como dela não faz parte. Em verdade, é fator de aperfeiçoamento da vontade, suprimindo situações de incapacidade ou de incompatibilidade que obstavam o seu livre exercício. Vicente Ráo,[72] ao estabelecer mais de uma dezena de características das relações jurídicas, realçando a bilateralidade dos poderes e dos deveres que nelas se apresentam, observava que (a) a todo poder jurídico corresponde uma obrigação correlata; (b) relação jurídica não há, nem pode haver, que não diga respeito à relação entre pessoas;[73] e (c) a correlação entre poderes e deveres se caracteriza pelo vínculo jurídico que os une. Acresce, ainda, com rara felicidade, que “[o]s simples interesses, embora legítimos e providos de certa proteção legal, não geram poderes e deveres necessariamente correlatos e vinculados e não formam, consequentemente, relações jurídicas perfeitas, outro tanto sucedendo com as meras expectativas de direitos e com os direitos cuja constituição está sujeita a cláusulas ou condições suspensivas”.

Na fase pré-contratual, momento em que os interessados solicitam autorização do Juízo da Infância e da Juventude para que seja contornada a incapacidade e a incompatibilidade que recaem sobre crianças e adolescentes, não há poderes e deveres já estabelecidos, que hão de ser definidos pelo contrato futuro. Há meros interesses a respeito de ato incerto, cuja efetivação está necessariamente sujeita a uma condição suspensiva, vale dizer, à manifestação de vontade dos sujeitos de direito por ocasião da celebração do ato jurídico. Enquanto temos expectativa de direito, não há que se falar, por óbvias razões, em relação jurídica.

Apesar de a autorização para o trabalho não confundir-se com a relação de trabalho, é evidente que não ocupam compartimentos estanques e incomunicáveis. Afinal, a autorização há de ser concedida com os olhos voltados à essência da relação de trabalho que será formada. Nessa linha de raciocínio, não se pode negar que, da mesma maneira que a relação de trabalho interessa ao Juízo da Infância e da Juventude, à Justiça do Trabalho interessa o sopro anímico de sua atuação, que nada mais é que a autorização permissiva do surgimento da relação de trabalho. Embora a autorização tangencie matérias afetas a dois ramos distintos do Poder Judiciário, ela é quase que integralmente absorvida pela área de atuação do Juízo da Infância e da Juventude, remanescendo, para a Justiça do Trabalho, os interesses decorrentes de uma relação de trabalho que, repita-se, sequer pode vir a surgir.

Note-se que todo o sistema é articulado em torno da especialidade da Justiça da Infância e da Juventude. Até mesmo a inserção em família substituta, com o deferimento de tutela ou guarda, conquanto trate-se de matéria historicamente de competência das Varas de Família, em se tratando de crianças e adolescentes na situação descrita no art. 98 da Lei nº 9.069/1990, a competência, por força do art. 148, parágrafo único, a, passa para o Juízo da Infância e da Juventude. E, de acordo com o art. 145 da Lei nº 8.069/1990, “[o]s estados e o Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infra-estrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões”. Já foram criados incontáveis órgãos dessa natureza, todos dotados de infraestrutura que permite o atendimento do público alvo. Estaria a Justiça do Trabalho aparelhada dessa maneira?

        O Superior Tribunal de Justiça, como não poderia deixar de ser, mesmo após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que conferiu nova redação ao art. 114, I, da Constituição de 1988, continuou a entender que a competência para autorizar o trabalho de crianças e adolescentes, bem como a sua participação em espetáculos públicos, era do Juízo da Infância e da Juventude[74]:

 

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E DO TRABALHO. ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO PARA TRABALHO DE MENOR DE IDADE. 1. O pedido de alvará para autorização de trabalho a menor de idade é de conteúdo nitidamente civil e se enquadra no procedimento de jurisdição voluntária, inexistindo debate sobre qualquer controvérsia decorrente de relação de trabalho, até porque a relação de trabalho somente será instaurada após a autorização judicial pretendida. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito, suscitado” (1ª Seção, CC nº 98.033/MG, rel. Min. Castro Meira, j. em 12/11/2008, DJe de 24/11/2008).

 

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E DO TRABALHO. PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO DE MENOR PARA TRABALHAR NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ. CAUSA DE PEDIR DE NATUREZA CIVIL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. DIREITOS ASSEGURADOS AO ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES PREVISTAS NOS INCISOS DO ART. 114 DA CF, COM A NOVA REDAÇÃO QUE LHE DEU A EC 45/2004. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO, ORA SUSCITADO. Discussão acerca da competência para a liberação de alvará judicial autorizando um menor a trabalhar, na condição de aprendiz, em uma empresa de calçados. Pedido de jurisdição voluntária, que visa resguardar os direitos do requerente à manutenção de seus estudos, bem como assegurar-lhe um ambiente de trabalho compatível com a sua condição de adolescente (art. 2º do ECA). Não há debate nos autos sobre qualquer controvérsia decorrente de relação de trabalho. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito, ora suscitado” (2ª Seção, CC nº 53.279/MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. em 26/10/2005, DJ de 02/03/2006, p. 137).

 

            Uma vez surgida a relação jurídica de trabalho, aí sim a Justiça do Trabalho poderá desempenhar o seu munus constitucional, o que, é importante frisar, tem feito com raro brilho. Aliás, não é por outra razão que o art. 61 da Lei nº 8.069/1990 dispõe que “[a] proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei”. A legislação especial é justamente a Consolidação das Leis do Trabalho, livro de cabeceira de tantos quantos militem na Justiça do Trabalho. O Juízo da Infância e da Juventude não deve incursionar nos aspectos afetos aos direitos trabalhistas, limitando-se a verificar se a atividade que se pretende exercer é, ou não, compatível e benéfica ao desenvolvimento físico e psicológico das crianças e dos adolescentes envolvidos.

            A relação jurídica faz surgir uma posição de poder, do sujeito ativo, e uma posição de dever do sujeito passivo, “poder e dever criados pelo ordenamento jurídico para a defesa de um interesse.”[75] Somente as pretensões que encontrem amparo em poderes e deveres estabelecidos pela legislação trabalhista, necessariamente decorrentes de uma relação jurídica de igual natureza, é que serão apreciadas pela Justiça do Trabalho.

 

Epílogo

 

            Santo Tomás de Aquino,[76] após realçar que as leis humanas foram feitas para governar os homens e que a experiência aperfeiçoa o nosso conhecimento, concluiu “que, no decurso do tempo, pode ser que ocorra algo de melhor a ser estabelecido”. Com todas as vênias daqueles que, a partir do último lustro, iniciaram uma cruzada em torno da outorga, à Justiça do Trabalho, de uma competência quase secular exercida pelo Juízo da Infância e da Juventude, não parece que o seu entendimento seja albergado pelo direito, pela experiência ou pela razão.

            A competência constitucional da Justiça do Trabalho, para o exame das controvérsias decorrentes da relação de trabalho, não alcança – e não pode alcançar – o pedido de autorização para que criança ou adolescente, conforme o caso, desenvolva atividade laborativa ou participe de espetáculo público. Afinal, a autorização, longe de suceder a relação de trabalho, integra a vontade e permite a prática do ato jurídico que possibilita o seu surgimento.

            A experiência do último século tem ensinado que a existência de um ramo próprio do direito e de um órgão jurisdicional com competência específica para as matérias afetas às crianças e adolescentes é medida mais que salutar. O Juiz da Infância e da Juventude é, necessariamente, um técnico humanizado. Conhece as agruras daqueles que lutam, até o limite de suas forças, para alcançar a completude do seu desenvolvimento e, de algum modo, atingir referenciais mínimos de felicidade, tarefa, aliás, nada fácil em um país de modernidade tardia como o nosso.

            Nenhuma norma jurídica, qualquer que seja ela, é indiferente ao ambiente sociopolítico. É tarefa assaz difícil imaginar que acontecimento teria ocorrido em terra brasilis, nos últimos anos, para que, com entusiasmo compatível ao de Copérnico, ao desenvolver a teoria heliocêntrica e demonstrar que era a Terra que se movia em torno do Sol, não o contrário, pudéssemos afirmar que tudo tem sido feito errado nos últimos cem anos? Por certo, não é o fato de a Justiça do Trabalho entender de relação trabalhista, pois, como explicado, o Juízo da Infância e da Juventude atua em momento prévio ao surgimento da relação de trabalho. E, com as vênias possíveis, é este, não aquela, que entende de crianças e adolescentes.

Afirmar que a situação exige uma interpretação sistêmica e unitária, sendo imperativa a concentração dos atos decisórios no mesmo ramo do Poder Judiciário, é ignorar que a divisão de competências, in casu, baseia-se na natureza da matéria e na qualidade dos envolvidos, sendo amplamente distintos os prismas de análise que direcionam a atuação do Juízo da Infância e da Juventude e da Justiça do Trabalho.

Outro aspecto extremamente relevante diz respeito à capilaridade da Justiça Estadual, sensivelmente mais ampla que a Justiça do Trabalho. A prevalecer a tese há pouco idealizada, concentrando na Justiça do Trabalho a concessão das autorizações para trabalho e participação em espetáculos artísticos, é óbvio que tal imporá um pesado ônus a incontáveis famílias, que se verão obrigadas a deslocar-se do seu domicílio para a localidade mais próxima, que abrigue órgão jurisdicional com essa competência.

  

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[1] WORDSWORTH, William. The Rainbow, in Poems, vol. I. 2ª ed. London: Clarence Press, 1952, p. 226.

[2] Wolowski, refletindo sobre os impactos trazidos pela Revolução Industrial, também realçara que “a criança de hoje é a sociedade do futuro” (Le Travail des Enfants dans les Manufactures. Paris: Librairie Guillaumin, 1868, p. 11).

[3] Cf. TANGUE, Fernand. Le droit au travail entre histoire et utopie, 1789-1848-1989: de la répression de la menditicité à l'allocation universelle. Bruxelles: Publications des Fac. St Louis. 1989, p. 47.

[4] Cf. BECKER, Jean-Jacques. O Tratado de Versalhes (Le Traité de Versailles). Trad. de EGREJAS, Constancia. São Paulo: Editora Unesp, 2010, p. 31 e ss..

[5] Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. de HOLZBACH, Leopoldo. São Paulo: Martin Claret, 2004, p. 52.

[6] Conseil de l’Europe. Les enfants et le travail en Europe. Strasbourg: Editions du Conseil de l’Europe, 1996, p. 23.

[7] A respeito das primeiras leis, inglesas e francesas, que buscavam disciplinar o trabalho juvenil, vide: WOLOWSKI. Le Travail des Enfants..., p. 11 e ss..; e DUPIN, Charles Baron. Du travail des enfants qu’emploient les ateliers, les usines e les manufactures. Paris: Bachelier, Imprimeur-Libraire, 1840, p. XXXV e ss.. Interessante levantamento sobre o trabalho das crianças, em território belga, na primeira metade do século XIX, mais especificamente em relação ao quantitativo de trabalhadores, às atividades realizadas e à remuneração recebida, pode ser encontrado em DIEUDONNÉ, J. Mémoire sur la condition des classes ouvrières et sur le travail des enfants, par le Conseil Central de Salubrité Publique de Bruxelles. Bruxelles: Imprimerie de Th. Lesigne, 1846, p. 1 e ss..

[8] Cf. Bureau International du Travail. La fin du travail des enfants: un objectif à notre portée. Rapport global en vertu du suivi de la Déclaration de L’OIT relative aux principes et droits fondamentaux au travail. Genève: BIT, 2006, p. 26.

[9] Eis a redação do inciso IX do art. 157 da Constituição de 1946: “proibição de trabalho a menores de quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a menores, de dezoito anos; e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeitadas, em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo Juiz competente.” Pontes de Miranda, ao comentar esse preceito, ressaltava que a possibilidade de autorização do Juiz competente somente se referia ao trabalho noturno dos menores de 18 anos, que poderia ser realizado entre os 14 e os 18 anos. Portanto, “[o] trabalho é vedado, clara, insofismável, peremptoriamente, a menores de quatorze anos” (Comentários à Constituição de 1946, vol. V. São Paulo: Max Limonad, 1953, p. 58-59). Esse entendimento, no entanto, como observara José de Segadas Vianna, não era o prevalecente, que se inclinava no sentido de que o Juiz de Menores podia autorizar o trabalho do menor de 14 anos (Instituições de Direito do Trabalho, vol. II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1961, p. 264). A referência a esse texto é bem interessante para compreender-se a origem do entendimento, ainda adotado por alguns, sob a égide da Constituição de 1988, no sentido de que, apesar da vedação de natureza etária, ela sempre poderia ser contornada por decisão do Juiz da Infância e da Juventude.

[10] Cf. YOSHIDA, Márcio. Direitos do Menor na Constituição, in Revista de Direito Público nº 78, abr.-jun./1986, p. 131.

[11] Note-se que o art. 227, § 3º, I, da CR/1988 não foi alterado pelo poder reformador, permanecendo a referencia à “idade mínima de quatorze anos para a admissão ao trabalho.” Apesar disso, como o mesmo preceito previu que deveria ser “observado o disposto no art. 7º, XXXIII”, é evidente que, após a reforma constitucional, esse trabalho somente poderá ser exercido na condição de aprendiz.

[12] A elevação da idade mínima para o trabalho dos adolescentes tem sido objeto de muitas críticas. São realçadas a sua incompatibilidade com a realidade do País, em que essa camada da população necessita trabalhar para auxiliar no sustento da família, a não oferta de programas adequados de educação básica e até mesmo o fato de o fim precípuo da medida estar associado a um objetivo puramente previdenciário, de modo a evitar um período demasiado longo de contribuição, já que a idade mínima para aposentadoria foi ampliada. Cf. TALAVERA, Glauber Moreno. Trabalho da Criança e do Adolescente, in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 15, p. 11 e ss., jan./2005; MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 21ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 613; e SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 272. Em razão da precária situação econômica da maior parte das famílias brasileiras, Eduardo Gabriel Saad realçou que, “[e]m face dessa realidade de cores tão sombrias, o legislador não pode nem deve entregar-se a reflexões líricas e fingir que não vê o que acontece nas favelas das grandes cidades, onde se acotovelam e se maltratam milhões e milhões de pessoas em todo o território nacional, com padrão de vida igual ao das nações mais pobres do mundo” (Constituição e Direito do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Editora LTR, 1989, p. 274). Essa passagem, aliás, traz-nos à lembrança a lição de Ripert, quando dizia que “[s]e uma lei corresponde ao ideal moral, a sua observância será facilmente assegurada; o respeito da lei apoiar-se-á sobre a execução voluntária e alegre do dever; a sanção será eficaz porque punirá os membros da sociedade reconhecidos como rebeldes ao dever. Se, pelo contrário, a lei vai contra o ideal moral da sociedade, será imperfeitamente obedecida, até o dia em que, apesar da sua aplicação difícil, consiga deformar o ideal moral e apareça, ela própria, como a tradução dum outro ideal” (A Regra Moral nas Obrigações Civis. Trad. de OLIVEIRA, Osório de. Campinas: Bookseller, 2000, p. 41-42).

[13] Cf. SÜSSEKIND. Direito Constitucional..., p. 273. No contrato de aprendizagem, é desenvolvida uma atividade remunerada mediante subordinação, em que o empregador assume o compromisso de ensinar metodicamente um ofício ao adolescente e este a seguir o regime de aprendizagem. Vide, a esse respeito, as Recomendações nº 60, de 1930, e 117, de 1962, da OIT; o art. 1º do Decreto nº 31.546/52; e o art. 428 da CLT, com a redação dada pela Lei nº 10.097/2000. Note-se que a aprendizagem distingue-se do estágio na medida em que este último não configura um vínculo de emprego. Vide Lei nº 11.788/2008, que revogou a Lei nº 6.494/1977.

[14] Cf. TORRINHA, Francisco. Dicionário Latino Português. Porto: Gráficos Reunidos, 1942, p. 811, verbete spectaculum.

[15] Filosofia do Direito (Rechtsphilosophie). Trad. de HOLZHAUSEN, Marlene. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 7.

[16] Uma análise da jurisprudência brasileira a respeito dos distintos aspectos afetos ao direito à educação pode ser encontrada em artigo de nossa autoria, intitulado The Right to Education and their Perspectives of Effectiveness: The Brazilian Experience, in International Journal for Education Law and Policy, vol. 5, Issue 1-2, 2009, p. 55 e ss..

[17] MIRANDA, Jorge. Notas sobre Cultura, Constituição e Direitos Culturais, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLVII, nº 1 e 2, 2006, p. 42.

[18] STF, Pleno, ADI-MC nº 2.163/RJ, rel. Min. Nelson Jobim, j. em 29/06/2000, DJ de 12/12/2003.

[19] Cf. SILVA, Vasco Pereira da. A cultura a que tenho direito. Direitos fundamentais e cultura. Coimbra: Edições Almedina, 2007, p. 115-132.

[20] STF, 2ª Turma, RE nº 153.531/SC, rel. Min. Francisco Rezek, j. em 03/06/1997, DJ de 13/03/1998.

[21] Cf. SANTOS, Ângela Maria Silveira dos. O Procedimento de Portaria e de Expedição de Alvará. In MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 674-675.

[22] Não é incomum que países em vias de desenvolvimento estabeleçam um limite mínimo de idade para o exercício de atividades laborativas, sendo o mais comum deles o de 14 anos, e, paralelamente, permitam que uma autoridade pública autorize a realização do trabalho em situações excepcionais. Em Madagascar, por exemplo, tal autorização pode ser concedida quando a situação econômica da família o impõe (Código do Trabalho, art. 100) e na medida em que as atividades a serem realizadas não sejam atentatórias à saúde física e moral do jovem trabalhador. Cf. MADIO, Projet. Le travail des enfants à Madagascar: un état des lieux. Indiana: Universidade de Indiana, 1997, p. 5. O ingrediente econômico, por vezes, é tão expressivo que, a exemplo do que se verifica no Marrocos, faz que o número de crianças que trabalha precocemente supere, em certas regiões, o daquelas que frequentam a escola. Cf. GUESSOUS, Chakib. L’exploitation de l’innocence. Le travail des enfants au Maroc. Casablanca: A. Retnani Editions, 2002. Na Mauritânia, é comum que cerca de 70% dos jovens trabalhadores auxiliem a atividade econômica da família, normalmente no setor rural. Cf. Mauritania Béchir Fall. Le travail des enfants en Mauritanie. Mauritania: Ministère de la fonction publique et de l'emploi, Direction du travail et de la prevoyance sociale, 2004. Situações desse tipo certamente contribuem para demonstrar o acerto da conclusão de que “[é] inegável e largamente reconhecido que o trabalho de crianças está inextricavelmente ligado à pobreza” (Bureau International du Travail. Un avenir sans travail des enfants. Rapport global en vertu du suivi de la Déclaration de L’OIT relative aux principes et droits fondamentaux au travail. Genève: BIT, 2002, p. 53). No mesmo sentido: Organisation De Coopération et de Développement Économiques. Combattre le travail des enfants. OECD Publishing, 2003, p. 33-39; YONGSI, Blaise Nguendo e AMADOU, Ousmane. Le travail des enfants au Niger. Situation et tendance. France: PAF, 2014, p. 10 e ss.; e PFAFF, Sabine. Kinderrechte in Theorie und Praxis. Die Umsetzung der UN-Kinderrechtskonvention in Costa Rica. Hamburg: Diplomica Verlag, 2010, p. 58 e ss.. E a solução desse problema não será obtida sem a convergência de políticas públicas, o que passa pela alocação de “créditos orçamentários suficientes para as políticas, programas e serviços públicos de que as crianças necessitam” (Bureau International du Travail. Intensifier la lutte contre le travail des enfants. Rapport global en vertu du suivi de la Déclaration de L’OIT relative aux principes et droits fondamentaux au travail. Genève: BIT, 2010, p. 54). Referindo-se à situação do Senegal, Rosalie Aduayi Diop realça um problema comum à maior parte dos países de modernidade tardia: “a causa das crianças e dos adolescentes ocupa muito espaço no discurso político, institucional e organizacional, mas pouco espaço sob o prisma das realizações concretas” (Survivre à la pauvreté et à l’exclusion. Le travail des adolescentes dans les marchés de Dakar. Dakar: Éditions Karthala, 2010, p. 31).

[23] De acordo com o art. 405, § 4º, da CLT, “[n]as localidades em que existirem, oficialmente reconhecidas, instituições destinadas ao amparo dos menores jornaleiros, só aos que se encontrem sob o patrocínio dessas entidades será outorgada a autorização do trabalho a que alude o § 2º ”.

[24] Lavoro Minorile, in LAMBERTUCCI, Pietro (org.). Dizionari del Diritto Privato. Diritto del Lavoro. Milano: Giuffrà Editore, 2010, p. 370.

[25] Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva ressalta que a vedação genérica de trabalho abaixo dos 16 anos deve ser compatibilizada com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como aqueles que autorizam o trabalho familiar, educativo e artístico (A proteção jurídica internacional e brasileira do trabalho infanto-juvenil, in Revista de Direito do Trabalho, vol. 141, jan.-mar./2011, p. 19 e ss.). Também admitindo a compatibilidade do trabalho artístico com a ordem constitucional: ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim e PERES, Antonio Galvão. Trabalho artístico da criança e do adolescente – valores constitucionais e normas de proteção, in Revista LTr, vol. 69, fev. de 2005, p. 148 e ss..

[26] À guisa de ilustração, basta um mero passar de olhos sobre os estudos, que buscam identificar as causas e traçar as estratégias de combate ao trabalho infantil, para concluir-se que a participação em espetáculos sequer costuma ser qualificada como tal. Vide, por exemplo: DORNER, Benjamin e NIEDRICH, Ina. Kinderarbeit. Abschaffen besser als Anschaffen? Deustschland: Grin Verlag, 2007, p. 7-11; MEUNIER, Véronique. Le travail des enfants: livre de l’enseigment. Bruxelles: De Boeck & Lancier. 2002, p. 6 e ss.; Bureau International du Travail. Un avenir sans travail des enfants..., p. 24-42; Idem. La fin du travail des enfants: un objectif à notre portée..., p. 26; e Organisation de Coopération et de Développement Économiques. Combattre le travail des enfants..., p. 33 e ss..

[27] Jean-Maurice Derrien observa que a temática do “trabalho das crianças” costuma polarizar os negacionistas, que negam a sua natureza deletéria, admitindo-o de maneira generalizada, e os abolicionistas, que querem aboli-lo de imediato, qualquer que seja a atividade;  no plano intermédio, existem os realistas, que analisam diversas questões afetas ao trabalho dessa camada da população, como a natureza da atividade desenvolvida, as tarefas que realizam e os riscos que enfrentam, principalmente no que diz respeito à necessária compatibilização com a sua situação de pessoa em desenvolvimento (Le travail des enfants en question(s). Paris: L’Harmattan, 2008, p. 14).

[28] Conseil de l’Europe. Les enfants et le travail en Europe..., p. 47. Vale lembrar que, de acordo com o art. 5º da Diretiva nº 38, de 22 de junho de 1994, do Conselho da União Europeia, foi prevista a necessidade de autorização prévia para a participação em atividades de natureza cultural, artística, desportiva ou publicitária, mas foi previsto, no terceiro parágrafo desse preceito, que os Estados-membros podem autorizar, por via legislativa ou regulamentar, a participação de crianças maiores de 13 anos nas atividades que venham a definir. No direito italiano, compete à Direzione provinciale del lavoro fiscalizar a atuação de crianças (menores de 15 anos) nessa atividade, devendo zelar para que não prejudiquem a sua segurança e integridade física e psicológica, a frequência à escola e a existência de autorização escrita dos titulares da potestà genitoriale. Em relação à participação em programas televisivos, deve ser seguido o disposto no Decreto nº 218, de 27 de abril de 2006, do Ministério das Comunicações. Cf. D’ONGHIA. Lavoro Minorile..., p. 371.

[29] Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, art. 3º, 1.

[30] O art. 1º do Decreto-lei nº 17.943-A/1927, de forma bem pitoresca, assim dispunha a respeito dos seus destinatários: “[o] menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo.” Se é possível falarmos em uma linguagem politicamente correta, ela certamente era desconhecida à época, isso sem mencionarmos os menores vadios, mendigos e libertinos a que se referiam os arts. 28 a 30.

[31] Decreto-lei nº 17.943-A/1927, art. 115: “Os menores que houverem de tomar parte em espectaculos theatraes, sejam ou não de companhias infantis, ou em companhias eqüestres, de acrobacia, de prestidigitação, ou semelhantes, só serão admittidos mediante as seguintes condições: I - os emprezarios ou responsáveis pelo espectaculo apresentarão á autoridade fiscalizadora autorização em devida forma dos paes ou represetantes legaes dos menores, para que estes tomem parte nas representações, exporão em memorial as condições e o tempo de trabalho diario dos menores ; II - os menores não trabalharão em mais de um espectaculo por dia, salvo permissão especial, o a autoridade fiscalizadora póde exigir a alteração do tempo e horário de serviço, si a julgar conveniente á saude dos menores, negando a licença, si não fôr aceeita a alteração indicada, e cassando-a, no caso do não ser exactamente observada; III – é licito á autoridade fiscalizadora exigir que os menores sejam submettidos a exame medico de capacidade physica, e fiscalizar si a alimentação e o alojamento delles são conformes ás exigencias da hygiene, assim como verificar si elles são pagos regularmente pela forma convencionada com seus paes ou representantes legaes; IV - os menores não tomarão parte em peças, actos on scenas que possam offender o seu pudor ou a sua moralidade, ou despertar nelles intinctos máos ou doentios, ou que não sejam adequados á sua idade ou ao seu desenvolvimento physico e intellectual; V - não andarão em companhia de gente viciosa ou de má vida”.

[32] Lei nº 6.695/1979, art. 8º: “[a] autoridade judiciária, além das medidas especiais previstas nesta Lei, poderá, através de portaria ou provimento, determinar outras de ordem geral, que ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor, respondendo por abuso ou desvio de poder”. Como ressaltado por José Luiz Mônaco da Silva, esse permissivo não foi reproduzido pela Lei nº 8.069/1990, que contemplou a edição de portarias em seu art. 149, de alcance sensivelmente mais restrito (Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentários. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 254).

[33] O STJ já reconheceu que, sob a epígrafe dos espetáculos públicos, estão incluídos os programas de televisão, sendo imperativa a existência de autorização judicial para a participação de crianças e adolescentes, de modo que a sua falta atrai a incidência da multa a que se refere o art. 258 do ECA:  1ª Turma, AgRg. no Ag. nº 545.748/RJ, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 18/03/2004, DJ de 17/05/2004, p. 136; e 2ª Turma, AgRg. no Ag. nº 543.237/RJ, rel. Min. Castro Meira, j. em 05/02/2004, DJ de 29/03/2004, p. 210.

[34] Cf. ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 15ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014, p. 384.

[35] CPC/1973, art. 1º e 1103; e CPC/2015, art. 719. Cf. SILVA, Antônio Fernando do Amaral e. Comentários ao art. 149 do ECA. In CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Comentários Jurídicos e Sociais. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 590.

[36] Cf. DEBBASCH, Charles, BOURDON, Jacques, PONTIER, Jean-Marie e RICCI, Jean-Claude. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques. 3ª ed. Paris: Economica, 1990, p. 197.

[37] Cf. JANOSKI, Thomas. Citizenship and Society. A Framework of Rights & Obligations in Liberal, Traditional, and Social Democratic Regimes. Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 117.

[38] Cf. OLIVA, José Roberto Dantas. Autorização para o trabalho infanto-juvenil artístico e nas ruas e praças: parâmetros e competência exclusiva do Juiz do Trabalho, in Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nº 28, 2006, p. 117.

[39] Cf. GRIMM, Dieter. Constituição e Política (Die Verfassung und die Politik). Trad. de CARVALHO, Geraldo de. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2006, p. 24 e 266.

[40] Function und Bedeutung der Verfassungsgerichte in vergleichender Perspektive, in EuGRZ 32. Jg. Heft 22-23, 2005, p. 685 (685). 

[41] Cf. LEVI, Judith N. WALKER, Anne Graffam. Language in the judicial process. Vol. 5 de Law. Society and Policy. New York: Plenum Press, 1990, p. 6.

[42] Cf. COULTHARD, Malcolm e JOHNSON, Alison. An introduction to forensic linguistics: language in evidence. New York: Routledge, 2007, p. 48.

[43] Cf. LAVAGNA, Carlos. Costituzione e socialismo. Bologna: Il Mulino, 1977, p. 40. Na síntese de Walter Claudius Rothemburg, a Constituição, face à sua dimensão dinâmica, “está mais para cinema do que para fotografia” (Direito Constitucional. São Paulo: Editora Verbatim, 2010, p. 17).

[44] Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha (Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland). Trad. de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 61-70.

[45] Elementos..., p. 62.

[46] Discours de la Méthode Juridique (Juristische Methodik). Trad. De JOUANJAM, Olivier. Paris: Presses Universitaires de France, 1996, p. 186 e ss.; Juristische Methodik, Band I: Grundlagen Öffentliches Recht. Berlin: Duncker & Humbolt. 9ª ed., 2004, p. 258 e ss.; Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. 3ª ed. Trad. de NAUMANN, Peter. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005, p. 47 e ss.

[47] Cf. MÜLLER. Juristische Methodik... , p. 470.

[48] Cf. CASTANHEIRA NEVES, A.. Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais, Boletim da FDUC. Stvdia Ivridica 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 84.

[49] Cf. MÜLLER. Juristische Methodik..., p. 127, 258 e 476 (resumo).

[50] Cf. BRONZE, Fernando José. Lições de Introdução ao Direito. 2ª edição, reimp. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 36.

[51] Cf. SANTIAGO NINO, Carlos. Introducción al análisis del derecho. 2ª ed., 13ª reimp. Buenos Aires: Editorial Astrea, 2005, p. 16.

[52] Sálvio de Figueiredo Teixeira, há algumas décadas, realçava a superação da dicotomia entre direito público e privado, o que decorria do reconhecimento dos denominados interesses transindividuais, coletivos ou difusos (O Direito e a Justiça do Menor, in Revista dos Tribunais, vol. 650, p. 12, dez./1989).  Mais recentemente, vide, no mesmo sentido, o belíssimo trabalho de Gregório Assagra de Almeida, intitulado Direito Material Coletivo. Superação da Summa Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2008.

[53] Cf. TERRÉ, François. Introduction générale au droit. Paris: Dalloz, 1991, p. 70.

[54] Cf. BAPTISTA MACHADO, João. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. 17ª reimp. Lisboa: Almedina, 2008, p. 65; e LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. 20ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1970, p. 99-102.

[55] Cf. TERRÉ. Introduction..., p. 73.

[56] Cf. ROBBERS, Gerhard. Einführung in das Deutsche Recht. 3ª ed. Baden-Baden: Nomos Verlagsgesellschaft, 2002, p. 270.

[57] Cf. Baptista Machado. Introdução..., p. 74.

[58] Cf. Introducción al Estudio del Derecho. México: Editorial Porrúa, 2003, p. 179.

[59] Cf. TERRÉ. Introduction..., p. 74.

[60] Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003, p. 140.

[61] Cf. TERRÉ. Introduction..., p. 75.

[62] O Direito do Menor – um Direito Novo, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1979, p. 384.

[63] O Direito..., in Revista dos Tribunais, vol. 650, p. 12 e ss.. 

[64] A respeito do direito penal dos menores, vale conferir a ampla pesquisa de Silvia Larizza, que trata da temática em mais de cinco centenas de páginas: Il diritto penale dei minori: evoluzione e rischi di involuzione. Milano: CEDAM, 2005.

[65] Em relação ao papel do Estatuto da Criança e do Adolescente na construção da “cidadania infanto-juvenil”, vide: FALBO, Ricardo Nery. Natureza do Conhecimento Jurídico: Generalidade e Especificidade no Direito da Criança e do Adolescente. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 81.

[66] Lei nº 8.069/1990, art. 98. “As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta”.

[67] Curso de Direito do Trabalho. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 123-124.

[68] Cf. NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de Direito do Trabalho. 10ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1992, p. 536.

[69] Cf. RÁO, Vicente. Ato Jurídico. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994, p. 95.

[70] Cf. GOMES e GOTTSCHALK. Curso..., p. 394-395.

[71] Cf. RÁO. Ato..., p. 100.

[72] O Direito e a Vida dos Direitos, vol. 2. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 723-724.

[73] A concepção de que a relação jurídica reflete o vínculo entre duas pessoas é amplamente dominante, mas não se pode ignorar que grandes pensadores, como Kelsen, Barbero e Cicala, defendiam tratar-se de vínculo do sujeito com o ordenamento jurídico. Cf. AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Relação Jurídica – II, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 64, 1981, p. 407-408.

[74] Ainda de acordo com o STJ, caso a União manifeste interesse no feito, o feito assume ares de litigiosidade e a competência é deslocada para a Justiça Federal: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ALVARÁ JUDICIAL PARA AUTORIZAÇÃO DE TRABALHO REMUNERADO POR MENOR. APELAÇÃO DA UNIÃO. EXISTÊNCIA DE LITIGIOSIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A existência de apelação da União Federal, em que afirma o seu interesse em integrar a lide, revela o caráter contencioso da ação, o que determina a competência da Justiça Federal para o julgamento do pedido. 2. Conflito conhecido para determinar a competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o Suscitado” (1ª Seção, CC nº 38.623/MG, rel. Min. Luiz Fux, j. em 26/02/2004, DJ de 22/03/2004, p. 188). No mesmo sentido: 1ª Seção, CC nº 39.574/MG, rel. Min. Castro Meira, j. em 22/10/2003, DJ de 01/12/2003, p. 255; CC nº 39.387/MG, rel. Min. Castro Meira, j. em 24/09/2003, DJ de 20/10/2003, p. 168; CC nº 39.387/MG, rel. Min. Castro Meira, j. em 24/09/2003, DJ de 20/10/2003, p. 168; e CC 3.349/ES, rel. Min. Helio Mosimann, j. em 20/04/1993, DJ de 17/05/1993, p. 9267.

[75] Cf. AMARAL NETO. Relação Jurídica..., p. 409.

[76] Suma Teológica, vol. IX. Trad. de CORREIA, Alessandro. São Paulo: Livaria Editora Odeon, 1936, p. 103.


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