conamp

O Ministério Público no processo civil: aspectos da preclusão

A instrumentalidade do processo e a correlata necessidade de estabilização social exigem que a relação processual tenha o seu evolver marcado por referenciais de racionalidade e eficiência, com especial preocupação em relação à celeridade dos atos a serem praticados. Um dos principais institutos utilizados com esse objetivo é a preclusão. O objetivo deste estudo é o de analisar se a perda de uma faculdade processual, nas hipóteses catalogadas nos universo normativo e dogmático, apresenta alguma peculiaridade em relação aos membros do Ministério Público. Afinal, a independência funcional permite o surgimento de divergências de posicionamento no âmbito da mesma relação processual.

Sumário: 1. Aspectos Introdutórios; 2. A preclusão e os seus aspectos estruturais; 3. A atuação do Ministério Público como órgão agente ou interveniente e a independência funcional; 4. Reflexos da independência funcional na compreensão da preclusão; Epílogo; Referências Bibliográficas.

Resumo: A instrumentalidade do processo e a correlata necessidade de estabilização social exigem que a relação processual tenha o seu evolver marcado por referenciais de racionalidade e eficiência, com especial preocupação em relação à celeridade dos atos a serem praticados. Um dos principais institutos utilizados com esse objetivo é a preclusão. O objetivo deste estudo é o de analisar se a perda de uma faculdade processual, nas hipóteses catalogadas nos universo normativo e dogmático, apresenta alguma peculiaridade em relação aos membros do Ministério Público. Afinal, a independência funcional permite o surgimento de divergências de posicionamento no âmbito da mesma relação processual.

Palavras-chaves: preclusão, Ministério Público, independência funcional, órgão agente e órgão interveniente. 

           

1. Aspectos Introdutórios

            Referenciais argumentativos pautados na instrumentalidade do processo, na sua razoável duração ou, mesmo, na concepção mais ampla de eficiência da atividade jurisdicional, são simplesmente indissociáveis de qualquer abordagem realizada no âmbito do direito processual. O objetivo, tanto no plano científico como no pragmático, é o de permitir que a relação processual evolua de modo racional, sem percalços ou retrocessos, sempre, como ressaltado por Guasp (1961: 26), com “economia de dinheiro, de tempo e de trabalho”. Com isso, além do melhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais disponíveis, é atribuída a necessária celeridade à relação processual, de modo a assegurar a tutela dos direitos envolvidos com a maior presteza possível. Afinal, na síntese de Rui Barbosa (1988), “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

            Existem inúmeros institutos processuais destinados à materialização desses objetivos. Um deles é a preclusão. Esse significante foi empregado por Chiovenda (vol. III, 1969: 156), sob inspiração das fontes latinas que tratavam da poena praeclusi, com a ressalva de que o direito contemporâneo prescinde da concepção de pena. Trata-se, na síntese do jurista italiano (vol. I, 1969: 372; vol. III, 1969: 156; e 1993: 230 e ss.), da “perda de uma faculdade processual”, que decorre da operatividade dos limitadores fixados em lei.[1] O principal desses limitadores, cuja funcionalidade básica é a de assegurar a ordenação e a marcha do processo, consiste na previsão de prazos processuais, que hão de ser observados sob pena de perda da faculdade de praticar o ato no âmbito da relação processual. O célebre autor italiano ainda acrescia que a preclusão pode ocorrer em dois momentos distintos, sendo a sentença o marco divisório da sua ocorrência. Antes da sentença, indica a impossibilidade de serem introduzidos novos elementos de cognição, de serem formulados pedidos, apresentadas exceções ou impugnadas decisões. Após a sentença, a preclusão impede a rediscussão da causa, pondo termo às irresignações recursais. A partir daí, tem-se o surgimento da coisa julgada (material), qualidade que, na construção de Liebman (1984: 50 e ss.), orna os efeitos da sentença (rectius: declaratórios, constitutivos etc.) e cuja violabilidade, mesmo pela lei, não deve ser admitida, consubstanciando um direito fundamental. Essa construção teórica, como ressaltado por Simonetta Vincre (2010: 202), faz que o exaurimento, por uso ou desuso, dos meios de impugnação ordinária, resulte em estabilidade e irretratabilidade do procedimento, constituindo a essência da cosa giudicata materiale que se formará.[2]

            A preclusão, de modo simples e objetivo, assegura a finitude da relação processual, sendo “detectável de ofício pelo juiz”.[3] Não é por outra que se projeta sobre todos os atores dessa relação, dentre os quais está o Ministério Público. Apesar dessa constatação, mais que singela, diga-se de passagem, há uma ordem de considerações, associada às garantias constitucionais asseguradas à Instituição e aos seus membros, que deve ser compreendida com os olhos voltados à segurança e à ordem processual que a preclusão busca assegurar. Essas considerações decorrem do princípio da independência funcional, consagrado no art. 127, § 1º, da Constituição de 1988.

            A independência funcional, em seus contornos mais basilares, permite que os membros do Ministério Público atuem livremente, somente rendendo obediência à sua consciência e à ordem jurídica, não estando vinculados ao entendimento externado por outros membros da Instituição ou às recomendações expedidas pelos seus órgãos superiores, em matérias relacionadas ao exercício de suas atribuições institucionais. Essa garantia, em rigor lógico, permite que um membro do Ministério Público divirja, na mesma relação processual, do entendimento exteriorizado pelo seu antecessor. Portanto, é perfeitamente possível que um membro ofereça denúncia pela prática de uma infração penal e membro diverso venha a postular a absolvição ou, mesmo, que um deles postule a absolvição em sede de alegações finais e o outro interponha recurso contra a sentença absolutória.

          A questão que se põe é saber se, em algum momento, a independência funcional pode apresentar zonas de tensão com o instituto da preclusão, bem como qual deve ser a melhor maneira de superar situações dessa natureza. É justamente esse o objetivo de nossas breves considerações, que utilizarão como norte o novel Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que cognominaremos de NCPC.  

           

2. A preclusão e os seus aspectos estruturais

            A preclusão é instituto de contornos essencialmente processuais, vale dizer, manifesta-se no âmbito de uma relação processual[4] e pode eventualmente assumir relevância no plano substancial, ao contribuir para o surgimento da coisa julgada material.[5] A perda ou a extinção da faculdade de praticar um ato processual, como ressaltado por Chiovenda (vol. III, 1969: 156), decorre da inobservância da ordem estabelecida em lei para o seu exercício, da incompatibilidade com um ato já praticado ou do fato de o ato já ter sido praticado de determinada maneira, [6] que indicam, respectivamente, as preclusões temporal, lógica e consumativa.

            A preclusão temporal tanto pode decorrer da inobservância de um prazo peremptório como da sucessão legal de atos e fatos. Sob essa última ótica, Liebman (1985: 236) ressaltava a “falta do exercício do direito no momento oportuno, quando a ordem legalmente estabelecida para a sucessão das atividades processuais importar em uma consequência grave”. Essa última figura, embora se aproxime da preclusão decorrente da fluência de prazos peremptórios, apresenta contornos um poucos distintos, surgindo quando o processo avança para uma fase distinta. Em outras palavras, não decorre propriamente do decurso do tempo, mas, sim, de ato ou fato do processo que marca a superação de fase anterior.[7]

            É intuitivo que a preclusão, enquanto exigência sistêmica do próprio direito processual, não demanda previsão expressa, com essa configuração semântica, nas leis que disponham sobre a temática. Trata-se, em verdade, de efeito correlato às ações ou omissões dos atores processuais. O que se mostra imprescindível é a existência de comandos que estabeleçam prazos peremptórios e delimitem fases processuais, daí se obtendo, por mera inferência lógica, a preclusão temporal. No que diz respeito às preclusões lógica e consumativa, sua existência decorre da própria racionalidade do sistema.

            A racionalidade, enquanto atributo inerente e indissociável do ser humano, aponta, em seus contornos mais amplos, para a aptidão de conhecer e entender, a partir de relações lógicas, aspectos abstratos ou concretos das ideias universais objeto de apreciação. Em seus contornos mais estritos, está atrelada a um especial modo de conhecer e entender, que se afeiçoa aos padrões comportamentais adotados em certas esferas da vida humana. Sempre que o comportamento adotado se ajusta a esses padrões, diz-se que ele é racional. No primeiro caso, a racionalidade assume contornos nitidamente instrumentais, viabilizando a obtenção do resultado. No segundo, é vista como atributo do resultado, qualificando-o positivamente. Se o processo possui uma funcionalidade instrumental e a relação processual deve ser, por imperativo constitucional,[8] célere e finita, a existência da preclusão torna-se racionalmente justificável, estando ínsita na própria estruturação do sistema processual. O sistema processual, como ressaltado por Antonio Alberto Alves Barbosa (1966: 22 e ss.), pode ser estruturado em torno de distintas causas de preclusão, “mas nunca prescindir do instituto processual em apreço”.

          Em qualquer caso, como lembrou Nicola Picardi (2010: 299), a aplicação do instituto da preclusão deve privilegiar os cânones constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da razoável duração do processo, instaurado para fazer valer em juízo algum direito. Conclui, acertadamente, que uma interpretação constitucionalmente correta, inspirada na razoabilidade e na economia processual, aconselha que esse instituto, sempre que possível, não seja interpretado de maneira excessivamente rígida.

            O NCPC faz menção expressa à preclusão em oito preceitos: (1) art. 63, § 4º - o réu deve alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação; (2) art. 104, caput – advogado sem procuração pode ser admitido a postular em juízo para evitar a preclusão; (3) art. 209, § 2º - atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser armazenados em meio exclusivamente eletrônico e eventuais contradições na transcrição deverão ser suscitadas, oralmente, no momento da realização do ato; (4) art. 278, caput – a nulidade deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos; (5) art. 278, parágrafo único – não se aplica a preclusão nas nulidades que o juiz deva decretar de ofício nem quando a parte provar legítimo impedimento; (6) art. 293 – o réu poderá impugnar o valor da causa em preliminar de contestação; (7) art. 507 – é vedado à parte discutir no curso do processo questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão; (8) art. 1009, § 1º - questões apreciadas em decisões não impugnáveis via agravo de instrumento não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação. Como se percebe, as situações jurídicas que mereceram contemplação expressa no NCPC estão afetas à preclusão temporal.

            A preclusão, como se disse, alcança todos os atores do processo, o que, por óbvio, inclui o órgão jurisdicional.[9] Como estamos perante uma exigência sistêmica, não faria sentido admitirmos a ruptura da racionalidade que deve nortear a relação processual justamente por quem deve conduzi-la a bom termo. Apesar disso, é factível que o órgão jurisdicional não é alcançado pela preclusão da mesma maneira que os demais atores do processo. Afinal, prazos peremptórios, ainda que venham a existir, jamais lhe serão aplicados de maneira idêntica àquela inerente às partes e ao Ministério Público. É igualmente factível que o órgão jurisdicional possa apresentar alterações de entendimento no curso da relação processual ou, mesmo, retratar-se de decisões anteriores, quando o sistema o permita, o que torna sobremaneira difícil que a preclusão lógica se projete sobre ele com todo o seu potencial expansivo.[10] Por fim, a preclusão consumativa necessariamente se torna operativa sempre que o sistema não admita a retratação de uma decisão, o que é típico  das situações em que o processo é extinto com a prolação de sentença.[11]

            Na medida em que a preclusão é vista como um instituto inerente à própria sistemática processual, o que exige a sua aplicação a todos os atores do processo, resta verificar se há alguma peculiaridade em relação ao Ministério Público, quer quando atue como órgão agente, quer como órgão interveniente.

           

3. A atuação do Ministério Público como órgão agente ou interveniente e a independência funcional

     A Constituição de 1988, no § 1º do seu art. 127, enunciou, como “princípios institucionais do Ministério Público”, “a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.[12] A independência orna tanto a Instituição como os seus membros, permeando toda e qualquer atividade de cunho funcional que venha a ser desenvolvida. Trata-se de importante garantia institucional,[13] que busca assegurar o exercício independente de suas relevantes funções. Representa uma proteção adequada contra as retaliações passíveis de serem sofridas sempre que contrariados os detentores do poder, político ou econômico, os adeptos do tráfico de influência e a criminalidade organizada.

     Como já tivemos oportunidade de afirmar, o princípio da independência funcional permite que os membros do Ministério Público atuem livremente. Além disso, impede a sua responsabilização pelos atos praticados no estrito exercício de suas funções. Sua relevância é tamanha que a Constituição de 1988, em seu art. 85, II, considerou crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de atos que atentem contra o livre exercício do Ministério Público.

     Como ressaltado por Alberto Manuel López López (2001: 155), é graças à independência funcional que os membros do Ministério Público “podem, ao mesmo tempo, estar integrados em uma organização rigidamente hierarquizada e conservar uma ampla margem de liberdade nas decisões jurídicas cotidianas, que não podem ser revistas por seus superiores”.

     De modo correlato à independência funcional, tem-se o princípio da unidade, típico dos modelos, como o francês, em que o Procurador-Geral pode estabelecer comandos que direcionarão a atuação funcional dos integrantes da carreira (Vide Michèle-Laure Rassat, 1967: 83-84). Trata-se, aliás, de princípio inerente aos sistemas hierarquizados. A sua adoção, pela Constituição brasileira, denota o emprego de um modelo híbrido: o Ministério Público é visto como uma instituição única, o que gera reflexos na atuação dos seus membros, que não devem ser concebidos em sua individualidade, mas, sim, como presentantes e integrantes de um só organismo. Ainda que os membros do Ministério Público assumam posições divergentes em relação ao mesmo fato, tal, à luz do princípio da independência funcional, em nada afeta a unidade da Instituição (vide Emerson Garcia: 2015: 125-133).

     A hibridez do modelo constitucional há de gerar reflexos na seara processual. Assim, ainda que o Ministério Público seja concebido como uma instituição una, fazendo que os pronunciamentos exarados por cada um dos seus presentantes sejam reconduzidos a uma origem comum, a independência funcional permite que esses pronunciamentos sejam divergentes entre si.[14] E os limites dessa divergência são estabelecidos, em primeiro lugar, pelo referencial mais amplo de indisponibilidade do interesse, o que impede a desistência de pretensões, inaugurais ou recursais, postas em momento anterior por outro membro do Ministério Público. Em segundo lugar, atua o instituto da preclusão, isso com algumas peculiaridades dignas de nota. Afinal, o Ministério Público há de ser visto, na relação processual, de maneira bem distinta daquela afeta aos litigantes privados. Ainda que a ordem jurídica assegure a igualdade entre os litigantes, a Instituição é constitucionalmente vocacionada à “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”[15] e, como se disse, não pode dispor dos interesses envolvidos.

         A posição processual do Ministério Público tem sido tradicionalmente descrita com o emprego das expressões latinas dominus litis e custos legis, que indicam, respectivamente, a atuação como órgão agente ou como órgão interveniente. A respeito da primeira expressão, escrevemos[16] que “[a] expressão dominus litis significa “senhor da lide”, sendo utilizada nas hipóteses em que o Ministério Público ocupa o polo ativo da relação processual, em especial nas lides de natureza penal. Não obstante a literalidade da expressão, a atuação do Ministério Público é, em regra, regida pelos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade, não podendo a Instituição dispor livremente das ações que tenha proposto”. Em relação à segunda, ressaltamos que, “[q]uanto ao designativo custos legis, indica ele a função de “guardião da lei”, que seria exercida pelo Ministério Público sempre que, em razão da qualidade da parte ou da natureza da matéria, atuasse como órgão interveniente em uma relação processual. Uma vez mais, não deve o operador do direito ficar adstrito à literalidade da expressão latina, pois a função de “guardião da lei” deve ceder espaço a uma atribuição mais ampla: a de guardião da ordem jurídica e do regime democrático. A atuação do Ministério Público deve ser direcionada à consecução das regras e dos princípios inerentes ao sistema, sendo legítimo que, em dado momento, insurja-se contra preceito legal incompatível com as normas de estamento superior em que deveria auferir seu fundamento de validade (v.g.: incompatibilidade entre a lei e a Constituição)”. O NCPC, ao dispor sobre a atuação do Ministério Público como órgão interveniente, fez menção, em seu art. 176, à sua condição de “fiscal da ordem jurídica”.

4. Reflexos da independência funcional na compreensão da preclusão

        É plenamente possível, na atuação como órgão agente ou interveniente, que haja posicionamentos sucessivos e conflitantes, exarados por membros diversos ou pelo mesmo membro do Ministério Público, o que aumenta a importância das reflexões em torno da preclusão.

                Principiando a análise pela preclusão temporal, observa-se não existirem maiores dúvidas, em linha de princípio, a respeito da sua incidência sobre os membros do Ministério Público. Afinal, são justamente os prazos processuais que asseguram o caráter finito do processo. O NCPC, em seu art. 178, dispôs que o Ministério Público seria “intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: I - interesse público ou social; II - interesse de incapaz; III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana”. O seu parágrafo único ainda acresceu que “[a] participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público”. Ao atuar como órgão interveniente, “terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo” e “poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer”, tal qual dispõe o art. 179 do NCPC.

               Ainda sob a ótica dos prazos, o art. 180 do NCPC dispõe que a Instituição “gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal”. De acordo com o § 1º, ao fim desse prazo, “sem o oferecimento de parecer, o juiz requisitará os autos e dará andamento ao processo”. Acresça-se que, quando a lei estabelecer prazo específico para o Ministério Público, não haverá, a teor do § 2º, contagem em dobro.

               Quando o Ministério Público atua como órgão agente, é intuitivo que tratamentos específicos, distintos daqueles afetos às partes em geral, demandam previsão expressa na ordem jurídica, sem olvidar a necessidade de estarem embasados em argumentos racionalmente demonstráveis, isso sob pena de romperem com qualquer referencial de isonomia. Assim, uma vez transcorrido um prazo processual, a preclusão há de operar-se em toda a sua plenitude.

         Já em relação à atuação como órgão interveniente, deve ser devidamente considerada a natureza da atividade desenvolvida pelo Ministério Público. Não que isso autorize a paralisação ou o retroceder da relação processual. Pelo contrário, a relação processual deve continuar comprometida com o objetivo de celeridade, mas o zelo pela juridicidade, sopro anímico da intervenção do Ministério Público, deve permanecer. Por essa razão, entendemos que o órgão jurisdicional deve extrair, do art. 180, § 2º, do NCPC, que trata da requisição dos autos ao fim do prazo de 30 (trinta) dias, um conteúdo normativo compatível com as finalidades que justificam a sua própria existência. E, nesse particular, entendemos que o parecer, encaminhado pelo membro do Ministério Público após o decurso do referido prazo, mas em momento anterior à prática de qualquer ato que inaugure uma fase processual subsequente, deve ser considerado pelo órgão jurisdicional, o que não afasta, obviamente, a possibilidade de serem provocadas as instâncias correcionais da Instituição. E isso por duas razões básicas: (1ª) o trâmite da relação processual não sofrerá qualquer percalço; (2ª) a preeminência da ordem jurídica será fortalecida com a atuação do Ministério Público.

         Além dos prazos processuais, o Ministério Público será igualmente alcançado pelo avanço da relação processual, de modo que manifestações extemporâneas não podem fazer que o processo retroaja a fases anteriores.

         No que diz respeito à preclusão consumativa, também parece relevante distinguirmos as situações em que o Ministério Público atua como órgão agente ou como órgão interveniente. Tratando-se de órgão agente, não há espaço para maiores divagações. Ajuizada uma ação ou interposto um recurso não há espaço para a sua alteração fora das hipóteses autorizadas pela lei processual (v.g.: alteração da causa de pedir, independentemente do consentimento do réu, antes da estabilização subjetiva da demanda, o que ocorre com a citação – NCPC, art. 329, I). Em se tratando de atuação como órgão interveniente, devem ser separadas as situações em que é identificado o fim de uma fase processual (v.g.: parecer final, com ulterior encaminhamento dos autos ao órgão jurisdicional para a prolação de sentença),  daquelas que surgem no curso de uma fase processual (v.g.: promoção do Ministério Público em que requer “as medidas processuais pertinentes”, na forma do art. 179 do NCPC). Nesse último caso, cremos que uma promoção pode destoar de outra, ofertada em momento anterior, pelo mesmo membro do Ministério Público ou por membro diverso. As promoções, aliás, são normalmente exaradas durante a fase de instrução, sendo comum que, longe de se excluir, complementem-se.

         Por fim, a preclusão lógica, concebida de maneira individualizada e sem qualquer liame com a preclusão consumativa, raramente será aplicada ao Ministério Público. Essa constatação decorre do princípio da independência funcional, que assegura, a cada membro da Instituição, a possibilidade de formular juízos valorativos e de conduzir-se de acordo com eles. Situações dessa natureza têm sido rotineiramente analisadas pelos Tribunais Superiores, que admitem, por exemplo, a possibilidade de um membro do Ministério Público (a) recorrer de sentença de impronúncia, quando o juiz embasou-se no pronunciamento de outro membro do Ministério Público, que se posicionara nesse sentido;[17] (b) recorrer de sentença homologatória de transação, formulada por outro membro do Ministério Público com base na Lei nº 9.099/1995;[18] (c) recorrer de sentença absolutória quando o seu antecessor, em alegações finais, opinou pela absolvição;[19] e (d) identificar a presença de crime de ação penal pública e oferecer a respectiva denúncia, apesar de o seu antecessor ter entendido que a persecução penal estava condicionada ao oferecimento de representação.[20] A nosso ver, situações dessa natureza estão cobertas pela independência funcional, não havendo que se falar em ausência de interesse processual, na hipótese de recurso interposto contra decisão que acolhera pronunciamento de outro membro do Ministério Público.

              O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, com base no art. 577, parágrafo único, do Código de Processo Penal, a ausência de interesse recursal, por parte do Ministério Público, para impugnar acórdão que concedera habeas corpus, impetrado pela própria Instituição, com o objetivo de trancar procedimento investigativo.[21] Com a vênia devida, cremos que o interesse processual, de estatura infraconstitucional, não pode sobrepor-se ao princípio constitucional da independência funcional. Além disso, a unidade do Ministério Público não se presta a suprimir os juízos de valor realizados por cada membro concebido em sua individualidade. O Tribunal também decidiu que a apresentação de petição, por membro do Ministério Público, na qual declinava a sua renúncia ao direito de recorrer, atraia a preclusão lógica, de modo que o seu sucessor não poderia interpor o recurso cabível por falta de interesse.[22] Pelas razões já expostas, o entendimento parece inadequado, isso com a agravante de ter sido reconhecida a possibilidade de o membro do Ministério Público renunciar a uma faculdade processual, de modo a dar por encerrada a respectiva fase processual. Renúncia dessa natureza não é instrumento apto a subtrair da Instituição a integralidade do prazo recursal que lhe pertence, o que pode prestar-se a fins escusos e moralmente reprováveis. Basta pensarmos no membro do Ministério Público que está prestes a iniciar o seu período de férias e renúncia ao prazo recursal para impedir que o seu sucessor venha a recorrer em causa de seu “interesse”.

Epílogo

            Tanto a preclusão, enquanto instituto destinado a assegurar a ordem e a celeridade da relação processual, como o Ministério Público, estrutura de poder que deve permanecer ao lado da sociedade e, não raro, insurgir-se contra o próprio poder, hão de ser compreendidos de modo a não serem desvirtuados de suas finalidades existenciais. Para que esse objetivo seja alcançado, devemos lembrar das reflexões de Sartre (1948), quando dizia que “todos os meios são bons quando são eficazes”. A preclusão e o Ministério Público não são fins em si mesmos. São meios destinados à realização de fins de indiscutível relevância no ambiente sociopolítico. Compreendê-los, de modo a justificar a sua existência e potencializar os benefícios que trazem consigo, pressupõe o reconhecimento dessa premissa. Posições extremadas, marcadas por preconceitos e pela incapacidade de adaptação aos circunstancialismos do caso concreto, tendem a ser injustas e pouco eficazes.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Antonio Alberto Alves. Preclusão e Coisa Julgada, in Revista dos Tribunais nº 365, p. 22. Março de 1966.

__________. Da Preclusão Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. 2ª ed. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1985.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A eficácia preclusiva da coisa julgada material, in Revista dos Tribunais nº 441, p. 14, julho de 1972.

BÉNABENT, Alain. Sept clefs pour une reforme de la prescription extintictive, in Dalloz, nº 26, p. 1800, 5 de julho de 2007.

BERNATZIK, Edmund. Rechtsprechung und Materielle Rechtskraft. Wien: Prinon, 1885.

BOSCH, Wolfgang. Rechtskraft und Rechtshängigkeit im Schiedsverfahren. Tübingen: Mohr Siebeck, 1991.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil (Istituzioni di Diritto Processuale Civile), vols. I e III. Trad. de MENEGALE, J. Guimarães. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1969.

__________. Cosa giudicata e preclusione, in Saggi di diritto processuale civile, vol. III. Milano: Giuffrè Editore, 1993, p. 230. 

CONTI, Carlotta. La preclusione nel processo penale. Milano: Giuffrè Editore, 2014.

COURA, Alexandre de Castro e FONSECA, Bruno Gomes Borges da. Ministério Público Brasileiro entre unidade e independência. São Paulo: LTR, 2015.

DIANA, Antonio Gerardo. Il procedimento di cognizione ordinária. Itália: Wolters Kluver, 2011.

FELIX, Robert L. e WHITTEN, Ralph U.. American Conflicts Law: Cases and Materials. 5ª ed. USA: LexisNexis, 2010.

GAMBINERI, Beatrice. Giudizio di Rinvio e Preclusione di Questioni. Milano: Giuffrè Editore, 2008.

GARCIA, Emerson. A unidade do Ministério Público: essência, limites e relevância pragmática, in Boletim de Direito Administrativo Ano XXVIII, nº 9, p. 1033, set. de 2012.

__________. Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.

GOMES, Luiz Flávio e BIANCHINI, Alice. Efeitos da Preclusão Pro Judicato no Processo Penal, in Revista dos Tribunais, vol. 810, p. 458, abril de 2003.

GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil. 2ª ed. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1961.

JEULAND, Emmanuel e CHARBONNEAU, Cyrille. Realité des Délais de Forclusion (ou Préfix), in Centre de Droit des Obligations et Science en Droit et Economie des Assurances. La Prescription Extinctive. Etudes de Droit Comparé. Bruxelles: Établissements Émile Bruylant S.A., 2010, p. 173.

JURISPRUDENCE GÉNÉRALE DU ROYAUME, en matière civile, commerciale et criminelle. Paris: Bureau de la Jurisprudence Générale ou Jornal des Audiences, 1826.

LACERDA, Galeno. Despacho Saneador. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1990.

LAROUSSE. Dictionnaire Encyclopédique Ilustré pous la maîtrise de la langue française, la culture classique et contemporaine. Paris: Larousse, 1997.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade das sentença e outros escritos sobre a coisa julgada. Tradução de BUZAID, Alfredo e AIRES, Benvindo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

__________. Manual de Direito Processual Civil (Manuale di Diritto Processuale Civile), vol. I. Trad. de DINAMARCO, Cândido Rangel. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985.

LÓPEZ LÓPEZ. Alberto Manuel. El Ministerio Fiscal Español. Principios Orgánicos y Funcionales, Madrid: Editorial Colex, 2001.

MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MEHREN, Arthur Taylor Von. Theory and Practice of Adjucatory Authority in Private International Law: A Comparative Study os the Doctrine, Policies and Practices of Common and Civil Law  Systems. General Course of Private International Law (1966). The Hague: Kluver Law International, 2003.

OAKLEY, John B. e AMAR, Vikram D.. American Civil Procedure: A Guide to Civil Adjudication in US Courts. The Hague: Kluver Law International, 2009.

SISK, Gregory C. e NOONE, Michael F.. Litigation with the Federal Government. USA: The American Law Institute, 2006.

PICARDI, Nicola. Manuale del Processo Civile. Milano: Giuffrè Editore, 2010.

RASSAT, Michèle-Laure. Le Ministère Public entre son Passé et son Avenir. Paris: L.G.D.J, 1967.

SARTRE, Jean Paul. Les Mains Sales. Piece en Sept Tableaux. Paris: Galliard Press, 1948.

SUBRIN, Stephen N. e WOO, Margaret Y. K.. Litigation in American Civil Procedure in Context. New York: Aspen Publishers, 2006.

THE OXFORD COMPANION TO AMERICAN LAW. Organizado por HALL, Kermit L.. New York: Oxford University Press, 2002.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Preclusão no Processo Civil, in Revista dos Tribunais, vol. 784, p. 11, fevereiro de 2001.

TUCCI, José Rogério Cruz e. Sobre a Eficácia Preclusiva da Decisão Declaratória de Saneamento, in Revista dos Tribunais, vol. 640, p. 19, fevereiro de 1989.

VILHENA, Leonardo da Silva. Preclusão para o Juiz no Processo Penal. Curitiba: Juruá Editora, 2007.

VINCRE, Simonetta. Profili dele controversie sulla distribuizone del ricavato (art. 512 C.P.C.). Italia: Wolters Kluwer, 2010.

VOLPINO, Diego. L’oggetto del giudicato nell’esperienza americana. Itália: Wolters Kluwer, 2007.


[1] Há quem prefira considerar a preclusão como a perda de um potere processuale (Cf. Antonio Gerardo Diana, 2011: 415). Apesar da distinção semântica entre poder e faculdade, é factível a existência de uma conexão existencial entre ambos. O poder denota a aptidão, a faculdade o animus que direciona o seu exercício. Somente tem a faculdade, vale dizer, a capacidade decisória a respeito da prática, ou não, de um ato, quem tem o poder, vale dizer, a aptidão para praticá-lo.

[2] No direito alemão, a coisa julgada (Rechtskraft – ZPO, § 322) é limitada ao “objeto em controvérsia” (Streitgegenstand), delineado pelos limites estabelecidos pelo autor na petição inicial. Não inclui questões preliminares, como a validade de um contrato em uma ação de cobrança, ressalvada a possibilidade de uso da ação declaratória (ZPO, § 256, 2), nem quaisquer questões factuais que tenham servido de base à argumentação do juízo. Esse sistema, como ressaltado por Arthur Taylor Von Mehren (2003: 211-212), adota uma concepção restrita de coisa julgada, com a vantagem de produzir poucas controvérsias sobre os efeitos preclusivos do julgamento. A desvantagem, por sua vez, reside na possibilidade de renovação de demandas com bases fáticas e jurídicas bem similares às anteriores. Sobre a coisa julgada na sentença arbitral (Schiedsspruch), vide Wolfgang Bosch, 1991: 35 e ss.; e, no plano das decisões administrativas, vide o clássico Edmund Bernatzik, 1885: 83 e ss.. No direito norte-americano, quando o assunto é decidido em um julgamento final de mérito, torna-se precluso de duas maneiras distintas: impede um segundo processo sobre a mesma solicitação (claim), denominada preclusão da solicitação (claim preclusion), e também preclui a rediscussão das questões de direito ou de fato já decididas e adjudicadas, sendo conhecida, nesse caso, como preclusão da questão (issue preclusion). Ambas formam a res judicata. A claim preclusion, que somente alcança as partes no processo anterior, impede a formulação de requerimentos ou de defesas que foram apresentados ou poderiam ter sido apresentados, tendo por objetivo assegurar a eficiência do sistema. A issue preclusion, que pode ser suscitada, em situações específicas, por quem não foi parte no julgamento anterior, alcança as questões tidas como necessárias no referido julgamento, quer sejam centrais, quer não. Enquanto a claim preclusion obsta o prosseguimento da segunda causa em sua integralidade, a issue preclusion pode produzir esse efeito apenas em relação a algumas de suas partes. Em tempos antigos, com pequenas reminiscências nos dias de hoje, a res judicata designava, apenas, a claim preclusion. A issue preclusion, por sua vez, era designada pelo termo (collateral) estoppel. Cf. The Oxford Companion to American Law, 2002: 440; Gregory C. Sisk e Michael F. Noone, 2006: 410-411; John B. Oakley e Vikran D. Amar, 2009: 252; e Stephen N. Subrin e Margaret Y. K. Woo, 2006: 259-273. No direito brasileiro, o NCPC, em seu art. 503, caput, dispõe que “a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida”, mas admite, em situações específicas, que a coisa julgada também alcance as questões prejudiciais. O art. 504 acresce que os motivos da sentença e a verdade dos fatos não fazem coisa julgada. Barbosa Moreira (1972: 14 e ss.) há muito observara que as questões de fato e de direito, suscitadas ou suscitáveis à época da relação processual, são alcançadas pela eficácia preclusiva do julgado, sendo consideradas “implicitamente decididas pela sentença que transita em julgado”. Nesse sentido, aliás, dispõe o art. 508, verbis: “[t]ransitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”. Por fim, a título de mera curiosidade, não pode passar despercebida a interessante técnica conceitual adotada pelo NCPC em seu art. 337, § 4º: “há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado”. Em outras palavras, há coisa julgada quando a decisão anterior fez coisa julgada...

[3] Nicola Picardi, 2010: 298.

[4] Sobre a distinção existente entre a preclusão e institutos como prescrição, decadência, perempção, contumácia e nulidade, vide Antônio Alberto Alves Barbosa (1992:  115-137).

[5] No direito francês, Jeuland e Charbonneau (2010: 173 e ss.) consideram prazo de forclusion, do latim exclusio a foro, como aquele assim qualificado pela lei e que produz o efeito de excluir uma relação jurídica, o que decorre da própria etimologia do vocábulo, que significa “trancar do lado de fora”. “Prazo pré-fixado” (delais préfix), por sua vez, é aquele assim considerado pela doutrina ou pela jurisprudência. Os autores ainda ressaltam as perplexidades que decorrem das tentativas de distinguir esses prazos da prescription. Observam, em primeiro lugar, que a pertença de um prazo à categoria da forclusion depende, inicialmente, de previsão legal, daí decorrendo um regime específico. É o que faz o Código Comercial (art. L. 622-24 e R. 622-24), quando impõe ao credor o prazo de dez dias, a contar da publicação da decisão de abertura do processo coletivo, para habilitar o seu crédito. No silêncio do legislador, cabe ao juiz identificar a natureza do prazo; o mais comum é que o considere um prazo pré-fixado. Ainda sob a ótica da sistemática de habilitação de crédito, os autores observam que a jurisprudência considera que o prazo de 6 (seis) meses, de que dispõe o credor para pleitear sejam afastados os efeitos da forclusion e reconhecida a existência do seu crédito, é um prazo pré-fixado. Em relação à interpretação do Código do Consumidor (art. L. 311-17, antigo art. 27 da Lei nº 78-22, de 10 de janeiro de 1978), a Corte de Cassação considerou que o prazo de 2 (dois) anos para pleitear o pagamento de uma obrigação era um prazo de prescrição e não um prazo pré-fixado, antes que o legislador interviesse para qualificar esse prazo como de forclusion, o que foi feito pelas Leis nº 89-421 e 89-1010, que acresceram ao referido preceito a expressão “à peine de forclusion”. Apesar disso, a jurisprudência frequentemente o qualifica como um prazo pré-fixado. Em razão dessa visível confusão conceitual, a doutrina tem proposto a supressão da noção de prazo pré-fixado. Vide, por exemplo, A. Bénabent (2007: 1800 e ss.). O instituto, no entanto, não é noviço. O Código de Processo Civil de 1806 já o previa. Em seu art. 756 declarava forclos, para os credores, a faculdade de impugnar a ordem judicial de colocação provisória de bens caso não o fizessem no prazo de um mês. Em julgado de 4 de janeiro de 1826, a Cour de Douai considerou a forclusion “uma simples pena procedimental”, acrescendo, forte na doutrina de Ferrière e Boutaric, que o seu efeito “é de que o juiz tem a faculdade de julgar o processo tal qual se encontra, sem diminuir em nada o direito das partes” (1826: 238-239). O Novo Código Civil francês não colaborou para a superação desse quadro, dispondo, em seu art. 2.220, que “les délais de forclusion ne sont pas, sauf dispositions contraíres prévues par la lois, régis par le présent titre”. Em outras palavras, apesar de, a rigor, não pertencerem ao direito substancial, podem vir a ser nele incluídos. Na medida em que os prazos de forclusion não permanecem adstritos a uma relação processual, não se identificam com os prazos de preclusão. Em verdade, ora se assemelham, ora se distinguem. Na tentativa de estabelecer uma distinção, observam Jeuland e Charbonneau (2010: 173 e ss.) que os prazos de forclusion, diversamente ao que se verifica com a prescrição, regida pelo direito civil, são mais curtos e inalteráveis, ainda que a jurisprudência, vez ou outra, estabeleça exceções a essa regra. Além disso, não se submetem aos caprichos da vontade, como a prescrição. A forclusion, portanto, não pode ser afastada por vontade dos interessados. O instituto também é singelamente conceituado como a “perda da faculdade de fazer valer um direito, pela expiração do prazo” (Larousse, 1997: 639).

[6] A doutrina italiana, de modo geral, não destoa dessa sistematização. Vide: Antonio Gerardo Diana, 2011: 415-416.

[7] Exemplo dessa última figura é o disposto no art. 329 do NCPC, segundo o qual “o autor poderá: I -até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu; II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar”. Não há exatamente um prazo para a citação e o saneamento do processo, mas, presentes esses atos processuais, não é dado ao autor praticar atos próprios de uma fase anterior. Galeno Lacerda (1990: 157 e ss.), ainda sob a égide do CPC de 1939, ressaltava, sob a ótica do “despacho saneador”, de contornos ordinatórios, em que somente interessa ao processo, ou decisórios, em que se projeta sobre as planos processual e substancial, que a incidência da preclusão é resultado da confluência dos sistemas romano e germânico. O primeiro, humanitário e prosélito da justiça, permitia que todas os pronunciamentos do juiz no curso da lide, as interlocutiones, fossem reapreciados na sentença; o segundo, autômato e formalista, entendia que toda questão processual e substancial era decidida por sentença, daí decorrendo uma pluralidade de sentenças na mesma relação processual. Da confluência de ambos, surge o entendimento de que as interlocutórias seriam recorríveis e tornar-se-iam imutáveis, ao menos as interlocutoriae vim definitivae habentes. Sobre a eficácia preclusiva da decisão declaratória de saneamento, vide, ainda, José Rogério Cruz e Tucci, 1989: 19 e ss..  

[8] CR/1988, art. 5º, LXXVIII.

[9] Nesse sentido: Humberto Theodoro Júnior, 2001: 11 e ss.. Sobre a preclusão dos poderes do juiz no processo penal, seara em que prepondera a verdade real e a indisponibilidade dos interesses envolvidos, vide Leonardo da Silva Vilhena, 2007: 73 e ss.; e Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini, 2003: 458 e ss..

[10] De acordo com o art. 505 do NCPC: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei”. Humberto Theodoro Júnior (2011: 11 e ss.), ao discorrer sobre os limites da preclusão pro judicato, ressalta que a decisão, a respeito de questão relacionada a matéria disponível e que não foi objeto de recurso, não pode ser reformada pelo juiz (v.g.: denegação de requerimento de produção de provas).  Em se tratando de matéria indisponível, como as condições para o legítimo exercício do direito de ação e os pressupostos processuais, a decisão poderá ser reexaminada.

[11] O NCPC admite que o juiz, em sendo interposto o recurso de apelação, venha a retratar-se da sentença que indeferiu a petição inicial (art. 331, caput) ou julgou liminarmente improcedente o pedido (art. 332, § 3º). Também caberá a retratação da sentença que tenha extinto o processo sem resolução do mérito (art. 485, § 7º).  Na medida em que umas das causas de extinção do processo sem resolução do mérito é justamente o indeferimento da petição inicial (485, I), é evidente que o art. 331, caput não precisaria existir, pois se encontra abrangido pelo comando mais amplo do art. 485, § 7º.

[12] No mesmo sentido: Lei nº 8.625/1993, art. 1º, parágrafo único; e Lei Complementar nº 75/1993, art. 4º.

[13] Sobre a ratio essendi das garantias institucionais, inseridas no plano dos direitos-garantia, insuscetíveis de supressão via reforma constitucional, vide Paulo Bonavides, 2006: 537.

[14] Alexandre de Castro Coura e Bruno Gomes Borges da Fonseca (2015: 141), em interessante construção teórica, associam os princípios da unidade e da independência funciona, respectivamente, à segurança do Estado de Direito e ao pluralismo típico da democracia. Defendem que a aceitação de posições conflitantes, na mesma relação processual, pressupõe a demonstração de  justificativas interna e externa relacionadas às peculiaridades do caso. A existência de justificativas, em verdade, parece figurar como postulado de racionalidade do sistema, direcionando a realização dos juízos de valor por ele autorizados justamente com base na independência funcional. A justificativa, portanto, é móvel, não limitador. Sua ausência, em verdade, denota o arbítrio do pronunciamento ministerial e afasta a própria ratio essendi do princípio da independência funcional.

[15] CR/1988, art. 127, caput; Lei nº 8.625/1993, art. 1º; e NCPC, art. 176.

[16] Emerson Garcia, 2015: 268-269.

[17] STF, Pleno, RE nº 590.908 RG/AL, rel. p/acórdão Min. Marco Aurélio, j. em 03/11/2011, DJe de 11/06/2012.

[18] STJ, 1ª Turma, HC nº 77.041/MG, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 26/05/1998, DJ de 07/08/1998.

[19] STJ, 5ª Turma, HC nº 171.306/RJ, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 20/10/2011, DJe de 04/11/2011.

[20] STF, 2ª Turma, RHC nº 66.944/ES, rel. Min. Djaci Falcão, j. em 18/11/1988, DJ de 02/12/1988.

[21] 5ª Turma, REsp. nº 1.182.985/PR, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 18/06/2013, DJe de 25/06/2013.

[22] STJ, 6ª Turma, ED no HC nº 227.658/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. em 03/05/2012, DJe de 14/05/2012.


Imprimir