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A consensualidade no direito sancionador brasileiro: potencial incidência no âmbito da Lei nº 8.429/1992

O direito sancionador brasileiro, tradicionalmente refratário à consensualidade, tem paulatinamente reconhecido a sua importância em distintas instâncias de responsabilização. O fio condutor dessa mudança tem sido a maior celeridade e eficácia na identificação e reprimenda de condutas de elevado potencial lesivo ao ambiente sociopolítico. O objetivo de nossas considerações é o de apresentar uma visão global a respeito da incorporação da consensualidade em nosso direito sancionador, com análise mais detida a respeito de sua possível aplicação  aos ilícitos previstos na Lei nº 8.429/1992. Texto atualizado em 2 de outubro de 2017 e em 23 de janeiro e 17 de agosto de 2018.

 

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. O direito sancionador e as instâncias de responsabilização; 3. A consensualidade na ordem jurídica brasileira; 4. Legalidade e indisponibilidade do interesse nos negócios jurídicos celebrados pelo Poder Público; 5. A consensualidade na responsabilização administrativa; 6. A consensualidade na responsabilização penal; 7. A consensualidade na responsabilização cível; 7.1. A experiência com o compromisso de ajustamento de conduta no âmbito da tutela coletiva; 7.2. A consensualidade no âmbito da Lei de Responsabilização das Pessoas Jurídicas; 7.3. A consensualidade no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa; Epílogo; Referências Bibliográficas.

 

  1. Considerações iniciais

Acordo e indisponibilidade do interesse são coisas que hurlent de se trouver ensemble, isso para utilizarmos a conhecida máxima francesa. E por que gritam quando se encontram? Por uma razão muito simples: não se transige com o que não se pode dispor. Apesar da obviedade dessa constatação, é palpável, na realidade brasileira, que situações de ruptura da ordem jurídica têm sido remediadas ou recompostas justamente a partir da consensualidade.

A consensualidade, em sua expressão mais simples, indica a convergência de vontades em prol de um objetivo comum. Pode oscilar entre os extremos da submissão ou da plena transação.

Na submissão, um dos acordantes se submete às diretrizes estabelecidas pelo outro. Tanto pode decorrer de uma opção do submisso como estar vinculada ao desequilíbrio de forças, o que é bem mais comum. Esse desequilíbrio pode ocorrer entre atores privados, normalmente em razão da primazia econômica de um deles, ou entre atores privados e públicos, em que a legislação ampara o público e limita o privado, ou mesmo entre atores públicos, em razão da superioridade política ou econômica de um deles, o que é particularmente nítido na federação brasileira, em que os entes federativos, apesar de autônomos entre si, não conseguem ombrear com a União, que concentra as competências legislativas mais relevantes e tem primazia na arrecadação tributária. A submissão é o modelo mais adotado quando presente a indisponibilidade do interesse. Neste caso, há uma espécie de norma-quadro, à qual devem ajustar-se os pactuantes.

Na plena transação, os pactuantes, numa posição de total igualdade formal e material, acordam livremente direitos e obrigações, instrumentalizando-os da forma que melhor lhes aprouver. Encontra-se alicerçada no livre exercício da autonomia da vontade, que não sofre a influência de qualquer limitador passível de comprometer a sua exteriorização. Esse modelo, como é perceptível, mostra-se de todo incompatível com a indisponibilidade, total ou parcial, dos interesses envolvidos. Afinal, a indisponibilidade limita o acordo passível de ser realizado.

Além desses modelos extremos, é possível nos depararmos com uma pluralidade de modelos intermédios. São modelos híbridos, em que determinados aspectos do acordo somente admitem a submissão e em outros prepondera a plena transação. Para que a coexistência desses modelos seja possível, ou se identifica uma livre manifestação de vontade do pactuante que ocupa uma posição de primazia, anuindo em conferir certa liberdade ao outro pactuante, ou se está perante uma norma-quadro que limita o universo do acordo, indicando, desde logo, o que é estranho ao poder de disposição dos pactuantes. Em ambos os casos, como se percebe, uma parte do ajuste somente se compatibiliza com a submissão de um dos pactuantes às diretrizes estabelecidas pelo outro pactuante ou decorrentes da própria ordem jurídica.

No âmbito do direito sancionador, em razão de suas próprias características estruturais, já que o Estado deve zelar pelos bens jurídicos tutelados e o infrator pode sofrer sanções que restrinjam aspectos de sua esfera jurídica insuscetíveis de plena disposição, como a liberdade ou, a depender do sistema, a própria vida, o modelo da plena transação dificilmente será adotado. Afinal, caso houvesse total liberdade entre os pactuantes, seria plenamente possível que o Estado deixasse de estabelecer qualquer reprimenda ou afastasse por completo o dever de reparação. Ou, no extremo oposto, que o infrator incursionasse na própria essência das sanções a serem aplicadas.

Portanto, em rigor lógico, o direito sancionador mais se afeiçoa ao modelo da submissão ou a um modelo híbrido. Apesar da compatibilidade conceitual com o modelo da submissão, não se pode deixar de observar que a plena e irrestrita sujeição às cominações legais raramente será atrativa aos infratores, que certamente optarão por aguardar o desfecho da relação processual ao invés de sofrerem a sanção de maneira antecipada. A tendência é a adoção de um modelo híbrido, em que o Estado, sem dispor por completo do bem jurídico tutelado, transige em relação a alguns aspectos afetos à sua essência ou de natureza periférica, enquanto o infrator aceita as imposições antes da resolução do processo, judicial ou administrativo, ou, mesmo, do seu próprio início.

O objetivo de nossas breves reflexões é o de analisar as características básicas das instâncias de responsabilização no direito sancionador brasileiro e a evolução da consensualidade nessa seara. Para tanto, analisaremos o potencial expansivo da consensualidade nos planos administrativo, penal e cível, culminando com a análise da possibilidade de aplicá-la, ou não, aos ilícitos civis previstos na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

 

  1. O direito sancionador e as instâncias de responsabilização

Como já tivemos oportunidade de afirmar[1], o reconhecimento de que uma única conduta pode se ajustar a uma pluralidade de instâncias de responsabilização é típico de sistemas, como o brasileiro, que adotam a independência entre as instâncias. Com isso, é possível que o agente sofra inúmeras sanções ao final de cada relação processual. À luz desse quadro, para a obtenção de padrões mínimos de organicidade sistêmica, é necessário que a ordem jurídica defina em que medida ocorrerá a interpenetração entre as instâncias, inclusive com a possibilidade de a absolvição em uma relação processual projetar os seus efeitos sobre outra. No extremo, ainda será preciso estabelecer um referencial de proporcionalidade sistêmica, de modo a evitar que esse critério seja valorado unicamente sob o prisma de cada relação processual, ignorando o efeito sinergético de todas as sanções aplicadas.

A existência de mais de uma instância de responsabilização ainda permite que sanções de idêntica natureza jurídica sejam aplicadas em mais de uma instância, o que também contribui para alimentar o debate a respeito de um possível excesso punitivo por parte do Estado com a violação ao princípio do ne bis in eadem.

Dito isso, o primeiro aspecto a ser considerado é a identificação dos pressupostos básicos para o enquadramento de uma única conduta em mais de um sistema punitivo. O direito sancionador brasileiro, de natureza estatal, pode ser dividido em penal e extrapenal.

O direito penal trata da estatuição e das consequências jurídicas decorrentes da prática de uma infração penal, cuja definição é oferecida pelo art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal[2]. As sanções cominadas, que alcançam o direito de liberdade, são necessariamente aplicadas por um órgão jurisdicional, o que sequer precisa ser lembrado, tamanha a penetração dessa concepção nos dogmas do Estado de Direito. O direito extrapenal, por sua vez, de contornos muito mais amplos, é individualizado por exclusão: suas sanções, regra geral, alcançam uma pluralidade de bens jurídicos, que não a liberdade, e podem ser igualmente aplicadas por órgãos não jurisdicionais. A exceção fica por conta da prisão administrativa militar, implicitamente prevista na própria Constituição da República, ao vedar o uso do habeas corpus contra as punições disciplinares militares[3]. Ainda merece menção o fato de a ordem constitucional autorizar a prisão como meio de coerção para o cumprimento da obrigação alimentar[4], o que não configura verdadeira sanção.

No direito sancionador extrapenal, a natureza do órgão responsável pela aplicação da sanção e a sistemática processual a ser adotada assumem singular importância, devendo ser consideradas juntamente com o bem jurídico a ser restringido. Assim ocorre porque, diversamente ao que se verifica em relação ao direito sancionador penal, não há um diploma normativo definindo, em relação a cada instância de responsabilização, as sanções que lhe são características.

Com os olhos voltados à constatação anterior, podemos falar na existência de um direito sancionador extrapenal de natureza judicial, no qual são aplicadas sanções que restringem a esfera jurídica individual, assumindo contornos cíveis lato sensu. Essas sanções coexistem com as cominações cíveis stricto sensu, classicamente reconduzíveis ao dever de recomposição do status quo (v.g.: deveres de reparar e de devolver), que não configuram, em sua essência, verdadeira sanção. Como exemplos, podemos mencionar a aplicação, por um órgão jurisdicional, das sanções previstas nas Leis nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e 12.846/2013 (Lei de Responsabilização das Pessoas Jurídicas).

É importante frisar que a existência de sanções cíveis lato sensu é combatida por muitos, que parecem não visualizar a possibilidade de um Estado de Direito decidir instituir uma tipologia de ilícitos, com as sanções que lhe são correlatas, em um sistema não penal. Não reconhecem, portanto, a possibilidade de ser adotado um sistema repressivo com legitimados à propositura da ação, regras processuais, juízo competente e efeitos genéricos e específicos da sanção diversos daqueles encampados pelo direito penal. A soberania estatal não albergaria opção como essa? Ou será que qualquer sanção aplicável por um magistrado deve necessariamente assumir contornos penais?

A Lei nº 12.846/2013, que “dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira”, oferece um exemplo bem sugestivo a esse respeito. Apesar de sua ementa fazer menção à responsabilização civil, o que é reiterado pelos arts. 1º, caput e 2º, além de o julgamento ficar a cargo de um órgão jurisdicional, alguns insistem em afirmar que a natureza jurídica das sanções é penal, pois a esfera cível somente se harmoniza com a ideia de recomposição[5]. Será isto verdade? Não poderia o Estado instituir outros sistemas de responsabilização, de modo a impor restrições na esfera jurídica individual sem que o pano de fundo seja a privação da liberdade? A nosso ver, é tarefa assaz difícil alcançar respostas positivas a esses questionamentos sem a identificação de um fundamento constitucional que venha a embasá-las.                                  

Outra categoria é a do direito sancionador administrativo, largamente estudado pela doutrina espanhola, em razão dos próprios termos da Constituição de 1978, cujo art. 25, 3, dispõe que “la Administración civil no podrá imponer sanciones que, directa o subsidiariamente, impliquen privación de libertad”. São enquadradas nessa categoria as sanções aplicadas por uma autoridade administrativa, que tanto podem limitar-se a restringir as relações jurídicas de natureza estatutária (v.g.: quando o superior hierárquico aplica as sanções de advertência ou de demissão) como restringir outros aspectos da esfera jurídica individual (v.g.: quando o Tribunal de Contas aplica a sanção de multa em razão do alcance praticado pelo gestor do dinheiro público).

Por fim, o direito sancionador político fica a cargo do Poder Legislativo, que avalia condutas juridicamente relevantes sob o prisma político. Com isso, atrai distinções de elevada monta em relação ao processo tipicamente judicial, em especial no que diz respeito à imparcialidade do julgador e ao dever de fundamentação (v.g.: no julgamento do Chefe do Poder Executivo por crime de responsabilidade).

Cada uma das manifestações do direito sancionador será influenciada pelos princípios gerais, de estatura constitucional, afetos ao direito sancionador penal, que oferece as garantias mais básicas para o indivíduo em relação ao Estado. A partir daí, serão observados os demais direitos fundamentais, aplicados indistintamente a todos os indivíduos, com especial ênfase para as garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, bem como colhidos os influxos do sistema processual a ser utilizado, que pode ser o administrativo ou o judicial de natureza cível. Não há, nesse particular, correlação necessária entre o ramo do direito regente da conduta praticada ou da relação jurídica que lhe deu origem e aquele que disciplinará o respectivo sistema de responsabilização. Essa constatação, por óbvio, não permite seja ignorada a disciplina jurídica que rege a conduta praticada ao aferir-se o seu enquadramento, ou não, no plano da juridicidade. Em prol dessa conclusão, merece referência o art. 26, 2, da Convenção das Nações Unidas de Combate à Corrupção, que dispõe sobre a necessidade de o Estado Parte perquirir a responsabilidade das pessoas jurídicas pelos ilícitos ali previstos (v.g.: o suborno de funcionários públicos nacionais – art. 15), que “poderá ser de índole penal, cível ou administrativa”.

Se não há maiores dúvidas em reconhecer a possibilidade de o responsável pela conduta ser simultaneamente punido com base em mais de um ramo do direito sancionador, o mesmo não pode ser dito em relação à pluralidade de punições em um mesmo ramo. Esse aspecto torna-se particularmente relevante ao lançarmos os olhos sobre o art. 30 da Lei nº 12.846/2013 (Lei de Responsabilização das Pessoas Jurídicas), preceito que tem a seguinte redação: “a aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e II - atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011”. Como se percebe, o inciso I autoriza a duplicidade de incidência do direito sancionador extrapenal, de natureza judicial, sujeitando o responsável pela conduta às sanções da Lei nº 8.429/1992 e da LRPJ. No mesmo norte, aliás, caminha o art. 12 da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), ao dispor que as sanções ali previstas serão aplicadas “independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica”. Já o mencionado inciso II do art. 30 da LRPJ autoriza uma pluralidade de enquadramentos no direito sancionador administrativo, sem olvidar as sanções passíveis de aplicação pelo Tribunal de Contas. Haveria, nessas hipóteses, afronta ao ne bis in eadem? A nosso ver, a resposta deve ser negativa.

A inexistência de afronta ao ne bis in eadem exigirá que a objetividade jurídica afetada seja diversa, de modo que o enquadramento plúrimo decorra de distintas facetas da mesma conduta, que será cotejada com microssistemas normativos de natureza diversa, todos integrados ao mesmo ordenamento jurídico.[6] Nesse caso, não teremos uma única ofensa punida com mais de uma sanção, mas, sim, uma pluralidade de ofensas jurídicas, derivadas da mesma conduta fática, o que justifica a pluralidade de sanções. É justamente o que ocorre quando a pessoa jurídica é simultaneamente enquadrada na Lei nº 12.846/2013 e na Lei nº 8.429/1992. Na LRPJ, o epicentro de análise é a conduta praticada no interesse ou em benefício da pessoa jurídica, a qual, eventualmente, pode contar com a participação de um agente público, nos termos do art. 3º e da tipologia do art. 5º. Essa conduta será valorada em conformidade com a relação jurídica existente, ou em vias de ser estabelecida, entre a pessoa jurídica e a Administração Pública. Já no sistema da Lei nº 8.429/1992, sua incidência depende da presença de um agente público e a pessoa jurídica pode eventualmente figurar como partícipe ou beneficiária, nos termos do art. 3º deste diploma legal. Neste caso, é analisada a observância, pelo agente público, dos deveres jurídicos inerentes ao cargo. Portanto, se uma pessoa jurídica, em conluio com o agente público, frauda licitação, será possível que ambos sejam responsabilizados com base na LRPJ (pessoa jurídica como autora e agente público como terceiro) e na Lei nº 8.429/1992 (agente público como autor e pessoa jurídica como terceiro).[7]

Caso o simultâneo enquadramento da mesma conduta em mais de um microssistema normativo de responsabilização passe no teste de compatibilização, não haverá óbice a que sanções de idêntica natureza jurídica, como a multa, o perdimento de bens e a proibição de recebimento de recursos do Erário sejam aplicadas em todos eles. O que não se permite é que, exaurida a circunstância fática que embasa a existência da sanção, em razão da anterior aplicação e execução de sanção de idêntica natureza, insista-se em uma nova execução. Nesse caso, efetivamente ocorrerá o bis in eadem. Uma vez executada a sanção de perda de bens aplicada com base na LRPJ, não será possível executar aquela aplicada por força da Lei nº 8.429/1992, ainda que a respectiva sentença tenha transitado em julgado. O mesmo há de ocorrer com a determinação de reparação dos danos causados, não se admitindo sejam reparados mais de uma vez.

A possibilidade de uma mesma conduta ser simultaneamente enquadrada em mais de uma instância de responsabilização, daí decorrendo a aplicação das respectivas sanções, ainda exige seja analisada a possibilidade de interpenetração entre as instâncias. Sob essa ótica, não é necessário maior esforço intelectivo para alcançar a conclusão inicial de que a individualidade existencial dessas instâncias denota que a interpenetração não pode ser arbitrária e muito menos absoluta, sob pena de a independência se transmudar em absorção.

A maneira de assegurar a harmônica coexistência entre individualidades distintas consiste no reconhecimento de um fio condutor, que assegure a sua pertença a um todo. É assim que devemos compreender as diversas instâncias de responsabilização existentes em um mesmo sistema jurídico. Esse fio condutor é oferecido pelos princípios constitucionais afetos ao sistema penal, que devem nortear os distintos ramos do direito sancionador brasileiro. A partir daí, cada instância tem a sua individualidade delineada.

Apesar de cada instância ter a sua individualidade e ser independente das demais, é perfeitamente possível que a ordem jurídica disponha sobre a interpenetração entre elas. É o que ocorre, por exemplo: (a) no âmbito do direito penal, em que o reconhecimento de que o fato não existiu, de que o réu não foi o seu autor ou de que agiu amparado por uma excludente de antijuridicidade produz efeitos nas demais esferas de responsabilização que não a política[8]; (b) com a celebração de acordos de leniência pelo CADE, como autorizado pelos arts. 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011, o que acarreta a extinção da punibilidade de certas categorias de infrações penais; (c) com o acordo de leniência previsto na Lei nº 12.846/2013, celebrado no plano administrativo com base no seu art. 16, que afasta a aplicação, no âmbito da responsabilização judicial de natureza cível, da sanção prevista no art. 19 [“proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos”].

 

  1. A consensualidade na ordem jurídica brasileira

A Constituição de 1988, logo em seu preâmbulo, afirmou o seu comprometimento, “na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. A consensualidade é um objetivo a ser sempre perseguido. Contribui para harmonizar e pacificar as relações sociais; atenua a intensa tensão dialética entre os referenciais de lícito e ilícito; acarreta a redução de custos, inerentes à longa tramitação de certas relações processuais, administrativas ou judiciais; e tende a aumentar os índices de satisfação dos envolvidos, que ganham em certeza e celeridade, em patamares sensivelmente superiores àqueles que obteriam ao fim da relação processual.

No plano infraconstitucional, a conciliação e a arbitragem há muito foram objeto de disciplina normativa específica; a mediação, por sua vez, recebeu tratamento normativo autônomo a partir de 2015, sendo inicialmente prevista na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que veiculou o novo Código de Processo Civil, e logo em seguida na Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. A consensualidade, portanto, é algo que permeia o sistema processual civil, alcançando, inclusive, a Administração Pública.

O reconhecimento da consensualidade no direito sancionador tende a ser extremamente útil ao Poder Público. Além de ser uma alternativa à investigação direta, nem sempre exitosa, é importante frisar, estimula o retorno do infrator ao plano da juridicidade, abrevia o curso do processo sancionador e, a depender das características que sejam atribuídas ao instituto, coloca em permanente risco aqueles que pratiquem os ilícitos em grupo, já que um dos infratores pode sempre decidir colaborar com as autoridades. É, portanto, um “elemento desestabilizador”[9] da ilicitude. Sob esta última ótica, não nos parece que o rompimento de um suposto código ético entre os infratores, “traídos” que foram pelo colaborador, venha a colocar em risco os valores de convivência subjacentes ao ambiente sociopolítico. A referida “traição”, em verdade, somente apresenta esses contornos em relação aos infratores, pois, perante o Poder Público e a sociedade em geral, soará como mero cumprimento de um dever geral de convivência e de respeito à juridicidade.

A consensualidade no direito sancionador deve ser estruturada com certo cuidado, de modo que os infratores em potencial não venham a utilizá-la, a priori, como mera variável no cálculo das vantagens e desvantagens de suas ações. Esse aspecto torna-se particularmente relevante se o objetivo for generalizá-la para toda e qualquer infração. O bônus decorrente da consensualidade jamais deve ser visto como um prêmio para a ilicitude. Algum ônus deve ser imposto ao colaborador. Somente em situações extremas, pela relevância das informações fornecidas e os reflexos gerados no ambiente sociopolítico, deve ser afastada, de modo amplo e irrestrito, a responsabilização do colaborador.

Os atrativos da consensualidade certamente serão influenciados pela probabilidade de o colaborador ser identificado pelos meios regulares de investigação e vir a ser condenado após o curso regular de uma relação processual, administrativa ou judicial, em que lhe sejam asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa. Além disso, os custos de um litígio e os reflexos da condenação sobre bens jurídicos relevantes para o colaborador, como a liberdade e a propriedade, também serão considerados.

A consensualidade pode visar, pura e simplesmente, à cessação de uma prática ilícita ou ao aperfeiçoamento de uma atividade, sem qualquer incursão no plano sancionador propriamente dito, destinando-se, muitas vezes, a evitar a caracterização de um ilícito passível de sanção.

A consensualidade também pode estar funcionalmente voltada à obtenção de um benefício no plano sancionador. Nesse caso, pode assumir os contornos de consensualidade de colaboração ou puramente de reprimenda.

A consensualidade de colaboração é caracterizada pela obtenção de um benefício em razão do fornecimento de informações úteis ao Poder Público na realização dos fins previstos em lei. Essa espécie de consensualidade pode ser acompanhada de avaliação judicial ou de homologação judicial: no primeiro caso, o juiz avalia a prova dos autos e decide que benefícios conceder; no segundo, o juiz tão somente homologa o acordo entre as partes, que definem, a priori, a relevância das informações e os benefícios a serem concedidos, podendo, se for o caso, ajustá-lo à juridicidade. Apesar de a voluntariedade no agir ser da essência dessa figura, a exemplo dos clássicos institutos penais da desistência voluntária e do arrependimento eficaz[10], a colaboração exige um plus, vale dizer, que o colaborador forneça informações úteis a outros propósitos correlatos ao ilícito que praticou (v.g.: localização da vítima, individualização de comparsas, descoberta de ilícitos até então desconhecidos etc.). Na consensualidade de pura reprimenda, por sua vez, o autor aceita a imediata oposição de uma restrição em sua esfera jurídica, não sendo necessário que ofereça informações úteis.

Nos itens subsequentes, procuraremos oferecer uma visão da consensualidade no âmbito do direito sancionador brasileiro, com abordagem direcionada aos planos administrativo, penal e cível.

 

  1. Legalidade e indisponibilidade do interesse nos negócios jurídicos celebrados pelo Poder Público

O denominado “Estado de Direito”, que somente encontrou o seu apogeu a partir do século XIX, é caracterizado, em seus contornos mais basilares, pela submissão do Estado ao Direito. Reflete, portanto, a superação do Estado Absoluto ou de Força, praticamente hegemônico até o século XVII e no qual se tinha a total preeminência dos poderes do soberano, com abstração dos interesses dos súditos, e do Estado de Polícia, caracterizado pelo absolutismo iluminado de fins do século XVIII e no qual a força, consoante o juízo valorativo do soberano, era direcionada à felicidade dos súditos. Nesses dois modelos, as normas de conduta somente vinculavam os súditos, sob a forma de regras de natureza cível, penal e processual, não havendo qualquer limitador para a Administração, por inexistir um direito público propriamente dito.

A transição do Estado de Polícia para o Estado de Direito é caracterizada pela superação do caráter ilimitado do poder estatal e pela submissão de algumas de suas atividades ao direito civil. Nesse primeiro momento, é factível que o referencial de legalidade assume contornos semelhantes àqueles extensivos aos cidadãos em geral. Em outras palavras, o Estado poderia fazer tudo que não lhe fosse por lei vedado. Com o reconhecimento da soberania popular e o avanço das ideias democráticas, concentrou-se, no Parlamento, a prerrogativa de definir o padrão de conduta a ser seguido, que seria tão somente materializado, na realidade, pelo Poder Executivo, subdividido nos ramos da justiça, que somente adquiriu autonomia existencial com o reconhecimento das garantias dos Juízes (vide o Act of Settlement inglês, de 1701) e da administração. A legalidade, nesse segundo momento, já assumia contornos bem similares àqueles que direcionariam o direito público contemporâneo: pressupunha a separação dos poderes e dispunha que a Administração somente poderia atuar nos limites por ela estabelecidos[11]. Esse arquétipo básico, exposto de modo singelo, sofreu novo redimensionamento ao se perceber que a lei seria incapaz de exaurir, por completo, as opções do administrador, o que lhe assegurava uma certa liberdade valorativa na densificação do seu conteúdo e na escolha das medidas a serem adotadas, o que é da essência do denominado poder discricionário. À luz desse quadro, na síntese de Zagrebelsky[12], “a predeterminação legislativa da ação administrativa era fatalmente destinada a retroceder”.

No direito contemporâneo, a legalidade coexiste com o referencial de constitucionalidade, que direciona e limita o seu conteúdo, com especial ênfase à proteção dos direitos individuais, e costuma assegurar uma certa margem de liberdade ao administrador em relação a aspectos específicos do ato a ser praticado, como a identificação dos motivos que o autorizam e a escolha do respectivo objeto.

Ainda que sejam intensos os debates a respeito do conteúdo do princípio da legalidade[13], é inegável o seu papel de alicerce fundamental do Estado de Direito, bem como que os regulamentos são atos derivados, não podendo inovar na ordem jurídica com intensidade semelhante à lei, ainda que esse dogma seja diuturnamente posto à prova com o poder normativo das agências reguladoras. A legalidade pode ser concebida em uma perspectiva dicotômica: a) como uma relação de compatibilidade (ou vinculação negativa, como preferem alguns) do ato com a lei, resultando na não contrariedade dos preceitos normativos; ou b) como uma relação de conformidade do ato com a lei, o que somente legitimaria a atuação estatal em havendo previsão normativa e na medida em que os atos praticados se mantivessem adstritos aos seus limites.

Certamente, inexistirão dúvidas de que nenhum agente público está autorizado a praticar atos contrários à lei, o que inclui o seu dever de agir ou de se abster sempre que esta o determinar. O mesmo, no entanto, não pode ser dito nas hipóteses em que inexistir previsão legal. Nesse caso, estará o agente legitimado a agir da forma que melhor lhe aprouver para a consecução do interesse público?

Atualmente, o princípio da legalidade é concebido em uma perspectiva distinta da de outrora, época em que a atividade estatal não tinha como pressuposto a previsão normativa, mas unicamente a ausência de limitação por ela imposta. Caso nada dispusesse a lei, ou sendo ela obscura, reconhecia-se ao agente público uma larga margem de liberdade para a apreciação dos fatos e consequente definição de sua esfera de atuação. De acordo com essa concepção, majoritária até o século XIX, a administração pública podia fazer tudo o que não lhe fosse proibido por lei. A liberdade era a regra, sendo a vinculação a exceção, o que tornava exigível que existisse unicamente uma relação de compatibilidade entre o ato e a lei, vale dizer, o ato era válido sempre que não a contrariasse, ainda que na lei não encontrasse amparo imediato.

Com o evolver da doutrina publicista e a contínua reflexão sobre o papel desempenhado pelo Estado, a lei deixou de ser unicamente o elemento limitador da atividade estatal, passando a assumir a posição de seu substrato legitimador, o que interdita a prática de atos contra legem ou praeter legem e torna cogente a obrigação de agir secundum legem, conforme a conhecida fórmula de Stassinopoulos[14].

Como consectário lógico da organização política da República Federativa do Brasil, o princípio da legalidade encontra previsão expressa no art. 37, caput, da Constituição, sendo cogente sua observância por parte da administração pública de qualquer dos Poderes. O tratamento dispensado pelo sistema constitucional[15] ao referido princípio denota claramente que, regra geral, deve existir uma relação de conformidade entre os atos administrativos e a lei. A atividade estatal deve adequar-se ao princípio da legalidade em uma dupla vertente: pressupõe a antecedência da lei e deve ser conforme a ela sob os prismas formal e material.

Percebe-se que a conformidade contém em si a compatibilidade, pois o ato conforme a lei será necessariamente com ela compatível, bem como que, no sistema da conformidade, a Administração somente pode atuar após a intervenção do legislador, enquanto no sistema da compatibilidade a atuação é admissível independentemente da existência de expressa disciplina legal, o que resulta em maior restrição no primeiro sistema e em ampla liberdade no segundo.

Essa relação de conformidade do ato com a lei não será exigível nas hipóteses em que a próprio sistema o permitir. É o que ocorre em relação aos atos que tenham como fundamento de validade a própria ordem constitucional, o que dispensa a intermediação da lei. O mesmo se verifica com os regulamentos, os quais têm o seu limite estabelecido pela lei e devem manter uma relação de adequação com ela, mas podem dispor sobre tudo aquilo que não infrinja o princípio da reserva de lei e não contrarie os termos da norma cuja execução visam a disciplinar, o que denota uma nítida relação de compatibilidade quanto às disposições que não se limitem a repetir o conteúdo da lei. Ou, no que diz respeito ao objeto do nosso estudo, com os acordos celebrados no âmbito do direito sancionador, que consubstanciam exceção ao exercício da regra de competência sancionadora prevista na ordem jurídica, mas devem ajustar-se à lógica da respectiva instância de responsabilização.

 

  1. A consensualidade na responsabilização administrativa

A consensualidade tem sido largamente utilizada no direito administrativo como mecanismo de recomposição da juridicidade, o que tende a ocorrer de maneira mais célere, com níveis de eficácia mais elevados e menor dispêndio de recursos. A tendência, ao menos no direito brasileiro, é o seu direcionamento, pela lei, às infrações originárias de relações jurídicas de maior complexidade e impacto social.

A esse respeito, destacaremos, a seguir, a relevância da consensualidade como instrumento de restabelecimento da juridicidade quando identificadas infrações contra a ordem econômica, o mercado de valores mobiliários e as normas de regência de um setor regulado. Mais recentemente, também o sistema financeiro foi alcançado pela consensualidade.

A utilização da consensualidade no combate aos cartéis[16] e na consequente defesa da concorrência remonta ao Leniency Program, instituído em 1978 pelo Departamento de Justiça norte-americano e utilizado pela Antitrust Division. Nessa sistemática, o primeiro envolvido a colaborar com a autoridade antitruste receberia certos benefícios, deixando de ser alcançado pela carga sancionadora em toda a sua intensidade. Como não eram previstas com exatidão as vantagens a serem obtidas pelo colaborador, sendo atribuída ampla liberdade valorativa às autoridades, o programa não teve o êxito esperado. Essa liberdade, aliás, é uma característica inerente ao sistema americano, em que, apesar da larga utilização do direito escrito, é estruturalmente direcionado pelos institutos de common law, como a vinculatividade dos precedentes e o reconhecimento da obrigatoriedade das práticas reiteradas.

Esse quadro foi alterado com o Corporate Leniency Policy de 1993, que sucedeu e aperfeiçoou a sistemática anterior com o Amnesty Program. Foram previstos: os benefícios que poderiam ser obtidos pelo colaborador; a possibilidade de o colaborador ser anistiado da multa caso a colaboração fosse ofertada antes de iniciada a investigação ou tê-la reduzida em se tratando de colaboração posterior; e a extensão dos efeitos do acordo às pessoas físicas que atuavam junto à pessoa jurídica. A partir de então, foi muito difundido, pelo Departamento de Justiça, o slogan: “making companies an offer they shouldn’t refuse”.

O Leniency Plus, de 1999, foi editado com o objetivo de beneficiar os colaboradores que fornecem informações úteis à identificação de cartel que atua em mercado diverso, estranho à sua linha de produtos e serviços.

Com a aprovação do Antitrust Criminal Penalty Enhacement and Reform Act de 2004, as penas cominadas para os casos de conluio entre os atores econômicos foram ampliadas, o que serviu de estímulo à celebração dos acordos.

São utilizados basicamente dois instrumentos, o consent decree, em que se busca a cessação da prática, sem reconhecimento de culpa, e que deve ser homologado pelo Poder Judiciário[17], sendo a fonte de inspiração do compromisso previsto no art. 85 da Lei nº 12.529/2011, que atualmente disciplina o sistema brasileiro de defesa da concorrência, com a diferença de que a matéria é integralmente apreciada no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE); e o plea agreement, que também carece de homologação pelo Poder Judiciário, em que há cessação da conduta ilícita, tipificada como crime no sistema norte-americano, obtenção de provas úteis à identificação do cartel, reconhecimento de culpa e aplicação de sanção inferior àquela que provavelmente seria aplicada ao fim do processo regular.[18]

O colaborador, no direito norte-americano, ainda é beneficiado com a não incidência dos “danos triplos” (treble damages), os denominados “danos punitivos” (punitive damages) que acarretam o dever de os integrantes do cartel, no caso de condenação, serem obrigados a ressarcir o triplo dos prejuízos causados. É a “detriplicação” (detrebling). Arcam com danos simples, dividindo-se os dois terços restantes entre os demais integrantes do cartel.[19]

O potencial lesivo dos cartéis para a livre concorrência e o fato de muitos terem atuação transnacional exigiu que os clássicos instrumentos de coibição, sobrepostos aos limites da soberania de cada Estado de Direito, fossem redimensionados de modo a tornar viável uma atuação integrada.

No âmbito das organizações internacionais de integração, em que os Estados-Partes delegam parte de seus poderes soberanos à respectiva organização, cujas deliberações produzem eficácia no direito interno independentemente de anterior ratificação, merecem destaque as iniciativas adotadas no âmbito da União Europeia. A Comissão Europeia instituiu um programa de leniência por meio da Commission Notice on the non-imposition or reduction of fines, 1996 C 207/04, de 18 de julho de 1996, estabelecendo as diretrizes a serem observadas para a redução da multa administrativa cominada à formação de cartéis. Ainda que o colaborador não fosse o primeiro a prestar informações sobre o cartel, poderia se beneficiar com reduções percentuais da multa cominada. Em momento posterior, nova sistemática foi introduzida pela Commission Notice on the non-imposition or reduction of fines, 2002 C 45/03, de 19 de fevereiro de 2002, sendo reduzida a liberdade da Comissão e estabelecida a imunidade automática para a sociedade empresária que preenchesse os requisitos exigidos (v.g.: ser a primeira a se manifestar e que, até então, inexistissem provas suficientes da existência do cartel). Em relação às organizações internacionais de cooperação, que expressam o modelo clássico e são a grande maioria, merecem destaque as iniciativas adotadas no âmbito da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que conta com o Commitee on Competition Law and Policy. Esse órgão tem buscado aumentar a cooperação internacional[20], de modo a facilitar a identificação e consequente coibição de práticas ilícitas.

No direito brasileiro, são utilizados basicamente dois instrumentos, com predomínio da consensualidade, no combate às práticas lesivas à concorrência: o acordo de leniência e o compromisso de cessação de conduta, opções que se oferecem para evitar a tramitação do processo administrativo regular, em que é possível a aplicação de sanção ao final.

O acordo de leniência foi introduzido pela Medida Provisória nº 2.055, de 11 de agosto de 2000, reeditada quatro vezes até ser convertida na Lei nº 10.149, de 21 de dezembro de 2000. Este diploma normativo alterou a Lei 8.884/1994, que criara o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e dispusera sobre as infrações contra a ordem econômica, para autorizar, no art. 35-B, a celebração de acordo visando à extinção da ação punitiva da Administração Pública ou à redução da penalidade aplicável à pessoa física ou jurídica autora da infração, neste último caso desde que fosse a primeira a procurar as autoridades e efetivamente colaborasse para a identificação dos demais envolvidos. Trata-se de uma “corrida para tocar o sino (ring the bell)” [21], de modo a incentivar a colaboração com as autoridades. O benefício, no entanto, não alcança aqueles que “tenham estado à frente da conduta tida como infracionária”, mas seria extensivo aos dirigentes e administradores que firmassem o mesmo instrumento.

O acordo seria celebrado pela União, por intermédio da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, e não se sujeitaria à homologação do CADE, que deveria apenas seguir os seus termos.

O art. 35-C, por sua vez, dispôs expressamente sobre a interpenetração entre as instâncias penal e administrativa ao estatuir que, nos crimes contra a ordem econômica tipificados na Lei nº 8.137/1990, a celebração do acordo de leniência acarretaria a suspensão do prazo prescricional e impediria o oferecimento da denúncia. Cumprido o acordo, seria extinta a punibilidade.

Em momento posterior, a Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, revogou dispositivos da Lei nº 8.884/1994 e passou a disciplinar a matéria em seus arts. 86 e 87. O acordo de leniência, doravante, passou a ser celebrado pelo CADE, por intermédio de sua Superintendência-Geral, e os seus efeitos seriam analisados pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, órgão também vinculado à autarquia. Os seus efeitos, ademais, além de se projetarem sobre os crimes tipificados na Lei nº 8.137/1990, também alcançariam aqueles tipificados na Lei nº 8.666/1993 e no art. 288 do Código Penal. O acordo, portanto, produz efeitos administrativos e penais.

É no mínimo duvidosa a constitucionalidade do comando legal que transfere a autoridade administrativa que não o Ministério Público, titular da ação penal, conforme o art. 129, I, da Constituição de 1988, o juízo valorativo a respeito da extinção da punibilidade de uma infração penal. A punibilidade da infração penal é inerente à sua tipificação e consequente cominação da sanção para aqueles que a praticarem, o que permite concluir que é alcançada pelo princípio da legalidade penal, extraído da regra do art. 5º, XXXIX, da Constituição de 1988, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Quando a lei atribui efeitos penais a um acordo direcionado por influxos de conveniência e oportunidade, inerentes à decisão de celebrá-lo, ou não, é evidente a transferência, do plano legal para o administrativo, de uma sistemática nitidamente afeta ao primeiro. A lei pode estabelecer as causas de extinção da punibilidade, já que a própria ação penal é promovida “na forma da lei”, conforme o referido art. 129, I, mas não parece possível que a lei transfira ao CADE o poder decisório a esse respeito[22] [23].

A disciplina do acordo de leniência no direito brasileiro ainda apresenta outro complicador em termos de previsibilidade de suas consequências em relação ao colaborador. Trata-se da possibilidade de os documentos que lastrearam o acordo serem utilizados em outra instância de responsabilização a partir de requisição judicial. Tal pode ocorrer caso sejam ajuizadas ações civis de reparação dos danos causados pelo cartel, o que torna a posição jurídica do colaborador particularmente frágil, inclusive por ter expressamente reconhecido a prática do ilícito. Apesar de sua relevância, a matéria não foi disciplinada na Lei nº 12.529/2011, inexistindo qualquer isenção de responsabilidade para o colaborador[24]. No direito europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia já decidiu que caberia aos juízes nacionais valorar os fatos e alcançar o equilíbrio possível entre o direito à reparação dos danos causados pelo cartel e a efetividade do acordo de leniência, ponderando, com isso, os interesses protegidos pelo direito da União[25].

O segundo instrumento utilizado é o compromisso de cessação de conduta, introduzido no sistema jurídico brasileiro pelo Decreto nº 92.323/1986, que regulamentou a Lei nº 4.137/1962, posteriormente revogada pela Lei nº 8.884/1994. O referido Decreto, sob cuja égide não foi celebrado nenhum compromisso de cessação, ainda foi sucedido pelo de nº 36/1991, que também não produziu qualquer efeito prático, já que ambos não detalhavam o procedimento a ser seguido na celebração do compromisso ou os incentivos para que o administrado o celebrasse[26].

Nova disciplina foi veiculada pelo art. 53 da Lei nº 8.884/1994, sendo inicialmente regulamentado pela Resolução nº 46 do CADE. Nesse instrumento, a pessoa jurídica sob investigação por infração à ordem econômica acordava, com o CADE ou com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, ad referendum do CADE, a cessação de sua conduta, sem olvidar a necessidade de reconhecimento da prática do ilícito, exigência esta sempre inserida nos acordos, apesar do silêncio da legislação[27]. Esse reconhecimento, é importante frisar, parte da premissa de que o compromisso de cessação de conduta, celebrado após o início das investigações, não pode ser mais benéfico para o investigado que o acordo de leniência, no qual confessa a culpa e apresenta provas a respeito da conduta de outros participantes. A Administração deixa de dar seguimento ao processo administrativo direcionado à aplicação da sanção enquanto o acordo estiver sendo cumprido[28]. A Lei nº 10.149/2000 alterou a Lei nº 8.884/1994 e vedou a celebração desse ajuste em se tratando de cartel, restrição eliminada pela Lei nº 11.482/2007, que previu a necessidade de ser recolhida, quando cabível, “contribuição pecuniária” para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, sem contar a cominação de multa para a hipótese de inadimplemento. O termo poderia ser celebrado até o início da sessão de julgamento do processo administrativo e constituiria título executivo extrajudicial, a exemplo, aliás, do termo de ajustamento de conduta passível de ser celebrado, por alguns legitimados, no âmbito do processo coletivo.

Com o advento da Lei nº 12.529/2011, o termo de compromisso de cessação passou a ser disciplinado em seu art. 85, devidamente integrado pelos arts. 184 e seguintes do Regimento Interno do CADE. Além de ser celebrado exclusivamente por esta autarquia, não produz efeitos na seara penal, o que somente é alcançado com a celebração do acordo de leniência[29]. Não é necessário, ademais, o fornecimento de quaisquer informações a respeito da prática de ilícitos por terceiros[30], tendo abrangência sensivelmente inferior ao acordo de leniência[31].

Instrumento similar também foi previsto na Lei nº 6.385/1976, a partir das modificações introduzidas pela Lei nº 9.457/1997 e, posteriormente, pela Lei nº 10.303/2011. De acordo com o art. 11 do referido diploma legal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) poderia celebrar, com os infratores das normas afetas ao mercado de valores mobiliários, termo de compromisso, condicionado à cessação da prática, correção das irregularidades e indenização dos prejuízos[32]. O cumprimento desse termo, que constitui título executivo extrajudicial, afasta a aplicação das sanções previstas. Esse sistema sofreu novas modificações com a Medida Provisória nº 784/2017, que autorizou, em seu art. 35, a celebração do acordo de leniência pela CVM. Suas premissas estão baseadas na colaboração do infrator para a identificação dos demais envolvidos e a colheita de provas que comprovem os fatos, sendo necessária confissão da prática do ilícito. O efeito será a extinção da ação punitiva ou a redução da pena.

No âmbito do direito regulador, observa-se, inicialmente, uma ampla liberdade valorativa das agências reguladoras no estabelecimento de padrões de conduta e no exercício do poder de polícia, inclusive com a aplicação de sanções que se mostrem compatíveis com o potencial lesivo do ilícito praticado. Essas agências, que já ultrapassam a dezena, não tem recebido uma uniformidade de tratamento no plano legislativo, o que se projeta sobre os instrumentos de consensualidade postos à sua disposição. A peculiaridade é que as lacunas legislativas não têm impedido que muitas delas editem atos normativos infralegais reconhecendo a possibilidade de celebrarem ajustes, os quais, pelo menor caráter impositivo e maior potencial de satisfação, têm recebido de parte da doutrina a denominação de soft regulation (regulação fraca). É o que foi feito, por exemplo, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que editou a Resolução Normativa nº 63/2004, cujo art. 21 previu a possibilidade de celebração de termo de compromisso de ajuste de conduta “alternativamente à imposição de penalidade,” tendo por objetivo mor a adequação da conduta à juridicidade. O mesmo foi feito pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), por meio da Resolução nº 3259/2014 (arts. 83 a 87); e pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por meio da Resolução nº 629/2013 (art. 1º e ss.). Deve-se observar que as agências reguladoras são responsáveis pela definição de parte dos ilícitos passíveis de serem praticados pelas respectivas operadoras, não se ajustando à lógica binária da previsão legal do ilícito e da sanção, que tem caracterizado o direito administrativo sancionador[33].

A única agência reguladora que conta com norma legal expressa a respeito da consensualidade no plano do direito sancionador é a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS). A Lei nº 9.656/1998, em seus arts. 29 e 29-A, dispõe sobre o “termo de compromisso de ajuste de conduta”, que pode se assemelhar ao termo de cessação de conduta anteriormente visto ou ao homônimo, largamente utilizado na tutela coletiva, que ainda será objeto de análise. No primeiro caso, disciplinado no art. 29, exige-se a cessação da conduta e a correção das irregularidades, inclusive com a indenização dos prejuízos. Deve prever multa para a hipótese de inobservância e tem a natureza jurídica de título executivo extrajudicial. Uma vez cumprido, acarreta a extinção do processo administrativo, não sendo aplicada qualquer penalidade ao operador ou prestador do serviço. No segundo caso, previsto no art. 29-A, é celebrado com o objetivo de assegurar a qualidade dos serviços de assistência à saúde, não podendo acarretar restrição de direitos do usuário. Como se percebe, no art. 29 da Lei nº 9.656/1998, o termo é celebrado no âmbito do direito administrativo sancionador; já no âmbito do art. 29-A, almeja-se, apenas, que uma conduta seja ajustada à juridicidade. Não há dúvidas, aliás, de que este último, em razão dos amplos termos da legislação afeta à proteção dos interesses difusos e coletivos, especialmente em razão do disposto no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985, pode ser utilizado por qualquer agência reguladora.

Apesar da ausência de previsão legal da consensualidade no direito sancionador manejado pelas agências reguladoras que não a ANSS, é factível que a aplicação antecipada de sanções, a partir de aquiescência expressa do ente que integra o setor regulado, ou mesmo o mero ajuste da conduta, de modo a melhor atender às exigências do mercado e ao interesse social, não configuram qualquer ruptura sistêmica. Afinal, a deliberação, nesse caso, será realizada pelo próprio órgão responsável pelo monitoramento do setor e pela resolução do processo administrativo.

Por fim, a Lei nº 13.506/2017, antecedida pela Medida Provisória nº 784/2017, dispôs sobre o processo administrativo sancionador na esfera de atuação do Banco Central do Brasil, tendo previsto a possibilidade de ser firmado termo de compromisso com a instituição financeira (arts. 11 a 15) ou acordo com pessoas físicas ou jurídicas (arts. 30 a 32), em razão da prática de infrações contra o sistema financeiro.

No termo de compromisso, a instituição financeira assume o compromisso de cessar a prática, corrigir as irregularidades e cumprir as demais condições acordadas, com obrigatório recolhimento de contribuição pecuniária. O termo constitui título executivo extrajudicial e não importa em confissão do ilícito, devendo ser publicado no sítio eletrônico do Banco Central do Brasil, Durante a vigência do termo, ficam suspensos os prazos de prescrição de que trata a Lei nº 9.873/1999, que estabelece os prazos para a ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta. O cumprimento do termo somente produzirá efeitos na esfera de atuação do Banco Central, que deve comunicar ao Ministério Público os ilícitos que detectar, sem prejuízo do dever de atender às requisições que lhe sejam encaminhadas.

No acordo administrativo em processo de supervisão, passível de ser celebrado com pessoas físicas ou jurídicas, deve haver confissão do ilícito e efetiva colaboração para a apuração dos fatos, incluindo a identificação dos demais envolvidos, daí resultando a extinção da punibilidade ou a redução das sanções aplicáveis na esfera de atuação do Banco Central. Não há, portanto, reflexos nas demais instâncias de responsabilização. A celebração do acordo, que deve ser publicado no sítio do Banco Central, suspende o prazo prescricional no âmbito administrativo em relação ao agente que o celebrou e, uma vez cumpridos os seus termos, impede a celebração de novo acordo por três anos. Também aqui o Banco Central deve realizar as comunicações devidas ao Ministério Público e atender às requisições que receber.

           

  1. A consensualidade na responsabilização penal

A consensualidade não é uma característica historicamente presente no processo penal brasileiro. Princípios como os da obrigatoriedade e da indisponibilidade são reconhecidos como estruturantes do nosso sistema e sempre auferiram grande prestígio junto à doutrina especializada,[34] quadro que permaneceu quase inalterado até o final do século XX.

Em outros Estados de Direito, a consensualidade, em suas distintas feições, que oscilam entre os extremos da mera aceitabilidade de uma proposta inalterável à ampla negociabilidade das possibilidades existentes, tem tido grande aceitação. O efeito útil da consensualidade tende a aumentar conforme aumente a eficiência do sistema penal. Nesse caso, haverá evidente estímulo para que o autor do ilícito colabore com as autoridades, afastando o risco de sofrer uma sanção mais severa. Giuseppe Bettiol[35] há muito advertira para a necessidade de equilíbrio entre um “direito penal rigorosamente retributivo” e a sua transformação em um “direito premial”, invocando, para tanto, o dito da antiga sabedoria “in medio stat virtus” (no meio está a virtude).

Um dos principais exemplos de consensualidade no sistema penal é oferecido pela plea bargaining do direito norte-americano, que apresenta variações de Estado para Estado em razão das próprias características da federação. No sistema norte-americano, os Promotores devem avaliar, inicialmente, a conveniência em formular a acusação, que pode mostrar-se inadequada, por exemplo, em razão das características do infrator (v.g.: um idoso ou jovem inexperiente) ou em razão da colaboração com as investigações. Também podem ser invocadas razões de ordem estritamente pragmática, como a existência de casos de maior relevância social que devem ter precedência na apuração. Caso se convençam da necessidade de ser formulada a acusação, podem propor ao indivíduo que aceite, de imediato, a imposição de uma sanção mais branda ou, mesmo, que responda pela prática de uma infração penal menos grave[36]. Este último mecanismo caracteriza a plea bargaining, que produz efeitos em uma relação processual específica e impede a rediscussão do caso a partir de nova acusação. Isto somente é possível a partir da compreensão de que a submissão do indivíduo ao Grand Jury é um direito passível de disposição. Nessa perspectiva, o devido processo legal é delineado e aplicado em harmonia com a ordem jurídica, estando suscetível a influxos de consensualidade, de modo que as próprias partes possam delinear o que lhes parece melhor, respectivamente, para o interesse público e o interesse individual.

A plea bargaining costuma ser instrumentalizada com o instituto da guilty plea, em que o indivíduo confessa sua culpa em troca de uma situação jurídica mais vantajosa na fixação da sanção. Há também o nolo contendere (não contender), que pode figurar como requisito do acordo a ser celebrado, em que o réu simplesmente se abstêm de litigar, sem reconhecer ou refutar o teor da acusação. A distinção entre os institutos decorre da impossibilidade de advirem os efeitos residuais associados à confissão de culpa, como o registro da efetiva prática da infração penal.

O sistema americano está lastreado na discrição dos Promotores em iniciar, ou não, um caso. Angela J. Davis[37] realça que essa discrição é essencial à operação do sistema de justiça criminal, devido à proliferação de leis penais em todos os cinquenta Estados e no plano federal. Em suas palavras: “sem discrição, Promotores poderiam ser levados a realizar acusações criminais em casos em que a maioria das pessoas vê como frívolos e em casos em que não há evidência ou nos quais falte credibilidade”. Apesar disso, adverte para os riscos de a discrição se transmudar em arbitrariedade, o que ocorre quando o ideal de justiça é preterido pela satisfação das convicções pessoais.

No direito português, o Código de Processo Penal instituído pelo Decreto-lei nº 78, de 17 de fevereiro de 1987, previu, em seu art. 392 que, “em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou só com pena de multa, o Ministério Público, por iniciativa do arguido ou depois de o ter ouvido e quando entender que ao caso deve ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança não privativas da liberdade, requer ao tribunal que a aplicação tenha lugar em processo sumaríssimo”. O Ministério Público deve indicar as sanções propostas e a quantia a ser fixada a título de reparação para a vítima (art. 394, 2), o que pode vir a ser alterado pelo Juiz, com concordância das partes (art. 395, 2). Caso o arguido não se oponha ao requerido pelo Ministério Público, o juiz procede à aplicação da sanção (art. 397, 1); opondo-se, o processo seguirá a forma comum (art. 398, 1).

No direito italiano, o art. 630 do Código Penal prevê hipóteses de redução de pena para o criminoso colaborador em se tratando de crime de extorsão mediante sequestro[38]. Esse comando inspirou o legislador brasileiro a inserir, no nosso sistema penal, a figura da colaboração, o que ocorreu com a Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos). Já a Lei nº 689, de 24 de novembro de 1981, tendo como última modificação aquela introduzida pelo Decreto-lei nº 91, de 24 de junho de 2014, convertido na Lei nº 116, de 11 de agosto de 2014, é conhecida como “Legge di depenalizzazione”. Este diploma normativo permitiu a conversão, pelo governo, observados os parâmetros que estabeleceu, de ilícitos penais de pequena lesividade (reati “bagatellari”) em ilícitos administrativos, sujeitando os infratores a sanções de idêntica natureza jurídica.[39] O objetivo, como ressaltado por Napolitano e Piccioni[40], era o de “ricuperare la natura di extrema ratio della pena”.

De modo correlato, a lei italiana previu, em seu art. 16, a possibilidade de pagamento de valor reduzido (“pagamento de misura redotta”), fixado na terça parte do máximo da sanção prevista ou, se mais favorável, no dobro do mínimo da sanção, além das despesas processuais, observados os prazos ali previstos. Não realizado o pagamento, a autoridade competente apreciará o caso, incluindo os argumentos defensivos e a prova produzida, concluindo pela aplicação, ou não, da sanção, com a fixação da respectiva dosimetria.

O desenvolvimento da consensualidade nas ordens internas torno inevitável a sua expansão ao plano internacional. À guisa de ilustração, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado, também conhecida como Convenção de Palermo, dispõe sobre a adoção, pelos Estados partes, de medidas que encorajem os participantes de grupos criminosos a colaborar com as autoridades, como a redução de pena e a própria concessão de “imunidade” (art. 26). Técnica similar foi adotada pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a denominada Convenção de Mérida, em seu art. 37.

 No direito penal brasileiro, a consensualidade pode ser dividida em (1) consensualidade de colaboração e em (2) consensualidade de pura reprimenda.

A primeira referencia à consensualidade de colaboração com avaliação judicial no direito brasileiro, ao menos após a proclamação da República, é encontrada na Lei nº 8.072/1990, também conhecida como Lei dos Crimes Hediondos. Essa figura foi prevista nos arts. 7º e 8º, parágrafo único, desse diploma legal, logo recebendo a alcunha de “delação premiada”.

O art. 7º acresceu um § 4º ao art. 159 do Código Penal, de modo que “se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços." De acordo com o parágrafo único do seu art. 8º, em se tratando de quadrilha ou bando destinado à prática de crimes hediondos, como tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo, “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.

A consensualidade, na Lei nº 8.072/1990, decorre do recebimento de um benefício penal, consistente na redução de pena, a partir do fornecimento de informações que produzirão algum efeito útil, permitindo o restabelecimento da paz social. Além disso, como o benefício será implementado quando da aplicação da pena, será imperativo o seu deferimento pelo Poder Judiciário, caso seja constatada a presença de uma colaboração que se mostre eficaz.

Apesar dos limitados contornos semânticos dos preceitos introduzidos pela Lei nº 8.072/1990, estão ali previstos os balizamentos dessa espécie de consensualidade no direito penal. São quatro os balizamentos:

(a) expressa previsão das infrações penais em que a consensualidade é admitida, quer com indicação da tipologia, quer do limite máximo de pena das infrações penais, o que significa dizer que nem o Ministério Público, dominus litis da ação penal, nem o Poder Judiciário poderiam escolher livremente quando utilizar a consensualidade;

(b) anuência do autor da infração penal em oferecer informações úteis à realização de um fim de interesse público, normalmente associado à persecução penal ou à reparação dos efeitos do ilícito;

(c) efeitos da consensualidade em relação à pena a ser aplicada, que têm sido sensivelmente ampliados com o tempo, principiando pela possibilidade de redução, passando pela substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, sem contar a admissão de cumprimento em regime menos gravoso (v.g.: regime aberto ao invés do fechado), bem como a admissão de concessão do próprio perdão judicial;

(d) imprescindibilidade de apreciação judicial, o que significa dizer que competirá ao Poder Judiciário avaliar a presença dos requisitos exigidos e permitir a fruição, pelo indigitado autor do ilícito, dos benefícios autorizados pela legislação.

Apesar de a Lei nº 8.072/1990 ter introduzido um novo flanco de atuação da persecução penal, muitos colocaram em dúvida a higidez ética e pragmática do novo instrumento, alguns argumentando com o não aprofundamento do debate a respeito das consequências que podem “advir da consagração da traição como regra nas relações humanas”,[41] outros com a dificuldade de os delatores sobreviverem no cárcere[42] e a ausência de um serviço de proteção à testemunha estruturado de forma eficiente, de modo a oferecer um mínimo de segurança à efetivação da delação.[43] Críticas à parte, parece-nos que o novo instituto efetivamente contribui para a prevenção geral, já que mantêm uma espada de Dâmocles sobre a cabeça dos criminosos, os quais sempre correrão o risco de um dos comparsas, cuja conduta criminosa por si só não atesta um padrão de ética e solidariedade humana, vir a colaborar com as autoridades.

O mesmo norte foi trilhado pelos demais diplomas normativos afetos à temática. Ressalte-se, apenas, que o balizamento (a) foi sensivelmente abrandado pela Lei nº 9.807/1999, que disciplina o sistema de proteção de testemunhas e não estabeleceu qualquer restrição, em seus arts. 13 e 14[44], a respeito das infrações penais em que a colaboração voluntária, com efeitos benéficos ao réu, pode ser efetivada. Com isso, passamos a ter a coexistência de uma disciplina geral, estabelecida pela Lei nº 9.807/1999, e de disciplinas específicas, somente aplicáveis às infrações penais previstas no respectivo diploma normativo. A análise da Lei nº 9.807/1999 denota que os benefícios ali previstos, o perdão judicial e a redução de um a dois terços da pena, são bem similares àqueles oferecidos pelas leis específicas, o que certamente facilita a colaboração no âmbito do direito penal.

As disciplinas específicas, além do disposto na Lei nº 8.072/1990, estão previstas nos seguintes diplomas normativos: (a) Lei nº 9.034/1995, revogada pela Lei nº 12.850/2013, que dispunha sobre as organizações criminosas (art. 6); (b) Lei nº 9.080/1995, que incluiu um § 2º no art. 25 da Lei nº 7.492/1986, diploma este que versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional, e um parágrafo único, de conteúdo idêntico, no art. 16 da Lei nº 8.137/1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária; (c) Lei nº 9.613/1998, que versa sobre o combate à lavagem de dinheiro (art. 1º, § 5º); e (d) Lei nº 11.343/2006, que dispõe sobre o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes (art. 41). Ainda merece menção a Medida Provisória nº 2.055/2000, convertida na Lei nº 10.149/2000, que alterou a Lei nº 8.884/1994 e dispôs sobre o acordo de leniência a ser celebrado por autoridades administrativas, nos casos de infração contra a ordem econômica. Esse acordo, mantido pela Lei nº 12.529/2011, que revogou parcialmente a Lei nº 8.884/1994, produz reflexos no plano criminal, acarretando a extinção da punibilidade.

No que diz respeito à consensualidade de colaboração com homologação judicial, a primeira referência foi feita pela Lei nº 12.850/2013, que dispôs sobre as organizações criminosas e conferiu detalhada disciplina à denominada “colaboração premiada”.

A colaboração premiada disciplinada pelos arts. 4º a 7º da Lei nº 12.850/2013 preserva, em suas linhas gerais, os balizamentos (a), (b) e (c) da consensualidade de colaboração com avaliação judicial. A principal distinção decorre do fato de as partes definirem, a priori, não só o alcance da colaboração como os efeitos que dela advirão, submetendo sua deliberação à homologação judicial. Em outras palavras, o juiz inicia sua atividade a partir do arquétipo do justo moldado pelas partes, podendo “recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto” (art. 4º, § 8º).

Para a realização do interesse público, detalhado nos resultados previstos nos incisos do art. 4º (v.g.: prevenção de infrações e recuperação do produto ou do proveito das infrações), há uma ampla margem de liberdade valorativa na estruturação do acordo, subjetivismo que pode se aproximar da linha limítrofe do arbítrio. Alguns operadores têm previsto, por exemplo, cláusulas de êxito, de modo a abater da multa pactuada valor proporcional ao montante recuperado a partir das informações do colaborador. Apesar das críticas de parte da doutrina, que se insurge contra a prática por inexistir lei expressa autorizando-a[45], parece razoável defender a sua instrumentalidade em relação aos fins a serem alcançados.

A colaboração é admitida nas fases de investigação, tramitação do processo penal e mesmo após a prolação da sentença, sendo sempre aceita a retratação pelas partes, o que impedirá que as provas autoincriminatórias produzidas sejam utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Ainda merece realce a curiosa opção legislativa de inserir o Delegado de Polícia no conceito de “parte”, o que, em rigor lógico, termina por lhe conferir legitimidade processual (anomalia há muito incorporada em nosso sistema com a possibilidade desse agente representar pela decretação da prisão provisória e de outras medidas) e o correlato poder de disposição sobre a acusação (rectius: pode representar pelo perdão judicial ainda na fase de inquérito), embora seja o Ministério Público, por imperativo constitucional, o dominus litis da ação penal.

O extremo êxito obtido pela colaboração premiada no âmbito da Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2014 e que desbaratou inúmeras organizações criminosas que atuavam no aparato estatal, todas capitaneadas por agentes públicos do alto escalão, fez surgir uma discussão de singular importância, qual seja: a colaboração premiada pode incursionar na sistemática da Lei nº 8.429/1992? Ou, ainda, é possível utilizar as provas ofertadas pelo colaborador no âmbito penal, em nítida postura de autoincriminação, em sede de improbidade administrativa? Essa temática será objeto de análise em tópico específico.

Vistos os contornos básicos da consensualidade de colaboração, resta analisar a consensualidade de pura reprimenda, em que ocorre a imediata aceitação de uma reprimenda, independentemente do fornecimento de qualquer informação útil pelo autor do ilícito, e é largamente utilizada em outros sistemas jurídicos, com especial realce para o norte-americano. Trata-se de técnica de operatividade do próprio sistema, que poderia ser inviabilizado com a persecução penal de toda e qualquer infração. Essa espécie de consensualidade, é importante frisar, assume contornos de exceção, somente sendo encontrada em dois diplomas normativos do direito sancionador brasileiro: as Leis nº 9.099/1995 e nº 10.259/2011, que veremos a seguir.

O grande marco dessa espécie de consensualidade, verdadeira revolução no sistema penal brasileiro, foi alcançado com a promulgação da Lei nº 9.099/1995, que regulamentou o disposto no art. 98, I, da Constituição da República e disciplinou os juizados especiais cíveis e criminais. Ali foi prevista a aplicação, às infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas, após o advento da Lei nº 11.313/2006, as contravenções e os crimes cuja pena máxima não seja superior a 2 (dois) anos de prisão, do instituto da composição civil (art. 74), ajuste estabelecido entre o autor do fato e a vítima que importa em renúncia tácita, por esta última, à ação penal privada e à ação penal pública condicionada à representação; e da transação penal (art. 76), acordo firmado entre o Ministério Público e o autor do fato no qual este último aceita a imediata imposição de multa ou de pena restritiva de direitos sem que, para tanto, sequer tenha sido oferecida a respectiva denúncia,[46] acrescendo que a medida não está associada ao reconhecimento de culpa ou pressupõe condenação. Além disso, previu a possibilidade de suspensão condicional do processo (art. 89), nas hipóteses em que a pena cominada não seja superior a 2 (dois) anos de prisão, a partir de um ajuste firmado entre o Ministério Público e o réu. No mesmo sentido, dispôs a Lei nº 10.259/2011, que disciplinou os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, sendo posteriormente modificada pela Lei nº 11.313/2006.

Por fim, ainda merece referencia a consensualidade sem que o Judiciário aprecie os termos do ajuste, introduzida no sistema brasileiro via regulamento, mais especificamente pelo art. 18 da Resolução nº 181, do Conselho Nacional do Ministério Público, de 7 de agosto de 2017, publicada em 8 de setembro de 2017. Esse preceito, em sua redação original, disciplinou o denominado “acordo de não persecução penal”, celebrado pelo Ministério Público com o investigado e seu advogado, o qual, uma vez cumprido, ensejaria a promoção de arquivamento da investigação. Trata-se de faculdade da Instituição, não de direito subjetivo do réu. Sua celebração exigia que o investigado confessasse a prática da infração penal, indicasse provas de seu cometimento e ainda cumprisse, conforme os termos do acordo, de forma cumulativa, ou não, os seguintes requisitos: “I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do Código Penal; III – comunicar ao Ministério Público eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail; IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público; V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; VI – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada”. É intuitivo que deveria existir uma relação de proporcionalidade entre esses requisitos e a natureza da infração.

Não era admitida a celebração do acordo quando “I – for cabível a transação penal, nos termos da lei; II – o dano causado for superior a vinte salários-mínimos ou a parâmetro diverso definido pelo respectivo órgão de coordenação; III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei n. 9.099/95; IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal”.

Essa mitigação ao princípio da obrigatoriedade avançava em seara estranha à consensualidade até então adotada no sistema penal brasileiro, que jamais prescindiu da homologação do Poder Judiciário. Embora não sejam aplicadas verdadeiras penas, pois o acordo era celebrado e cumprido durante a fase de investigação, somente chegando ao conhecimento do Poder Judiciário com a promoção de arquivamento, havia reflexos diretos e incisivos na persecução penal, reflexos estes que, consoante a legislação vigente, sempre estiveram sujeitos ao crivo do Judiciário. Na sistemática original da Resolução, restaria ao juízo competente analisar a promoção de arquivamento, e, caso entendesse que o acordo era ilegal ou que os requisitos nele estabelecidos não eram suficientes à prevenção penal, geral ou especial, remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça ou à Câmara de Coordenação e Revisão, que poderia insistir no arquivamento ou determinar o prosseguimento das investigações ou o oferecimento de denúncia. O juízo valorativo final, portanto, passava do Poder judiciário ao Ministério Público. O investigado, ademais, poderia cumprir o acordo e ainda ser processado caso o juízo competente rejeitasse o arquivamento e o Procurador-Geral determinasse o oferecimento de denúncia. Havia, ainda, o risco de a vítima ajuizar a ação penal subsidiária da pública, alicerçada no art. 5º, LIX, da Constituição de 1988, isso sob o argumento de que a lei processual não ampara a “suspensão” do juízo valorativo do Ministério Público até que o acordo seja cumprido.

O art. 18 da Resolução CNMP nº 181/2017 foi remodelado pela Resolução nº 183/2018. Em relação às inovações, merece referência, em primeiro lugar, a limitação do acordo às infrações penais cuja pena mínima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos e oque não tenham sido cometidas com violência ou grave ameaça à pessoa. Dentre as hipóteses em que não é admitida a celebração do acordo, foram acrescidas o fato de se tratar de crime hediondo ou alcançado pela Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) ou quando o acordo não atender ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Por fim, a principal modificação consistiu na determinação de submissão do acordo, ao Poder Judiciário, antes do seu cumprimento. A palavra final, no entanto, foi mantida no Ministério Público.

Apesar de serem louváveis os objetivos do acordo, é factível que o art. 18 da Resolução CNMP nº 181/2017 avança em demasia em seara afeta à lei processual penal, o que atrai a competência legislativa privativa da União (CR/1988, art. 24, I), com a necessária participação do Congresso Nacional (CR/1988, art. 48, caput). Entender que a edição dessa espécie de norma, por um colegiado destituído de legitimidade democrática, seria possível pelo fato de o poder regulamentar do Conselho Nacional do Ministério Público estar lastreado diretamente na Constituição, sendo um “poder normativo primário”, é romper as áreas do inusitado, máxime por estarmos perante um comando que terá reflexos diretos na esfera jurídica individual.

  

  1. A consensualidade na responsabilização cível

A responsabilização cível tem sido historicamente vista como mecanismo de reparação ou de mera recomposição, permitindo o retorno de determinada situação fática ou jurídica ao status quo. Sob esta ótica, é possível falarmos de um direito sancionador extrapenal de natureza judicial, cuja funcionalidade básica não é a de restringir a esfera jurídica individual, o que permite que se lhe atribuam contornos cíveis stricto sensu, e de um direito semelhante direcionado à restrição dessa esfera, assumindo contornos cíveis lato sensu.

A consensualidade tem sido aceita, sem maiores insurgências, em relação à primeira dessas figuras, sendo há muito utilizado, na realidade brasileira, o termo de ajustamento de conduta. Quanto à imposição de sanções de natureza extrapenal, por um órgão jurisdicional, observa-se que os debates têm sido mais intensos e apaixonados. Afinal, após o advento da Lei nº 12.850/2013, que introduziu um aprimorado sistema de colaboração premiada em nossa ordem jurídica, desbaratando inúmeras organizações criminosas que atuavam no interior do próprio aparato estatal, foram vigorosas as vozes que buscaram transplantá-lo para a Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

Nos próximos itens, analisaremos o potencial de incidência da consensualidade nas instâncias de responsabilização cível, incluindo a Lei nº 12.846/2013 (Lei de Responsabilização das Pessoas Jurídicas), que conta com previsão expressa a esse respeito. O objetivo é verificar se essa consensualidade ficará adstrita à cessação de uma prática ilícita ou ao aperfeiçoamento de uma atividade, sem qualquer incursão no plano sancionador propriamente dito, ou se poderá avançar nessa seara, o que pode ocorrer sob a roupagem da consensualidade de colaboração ou da consensualidade de pura reprimenda.

 

7.1. A experiência com o compromisso de ajustamento de conduta no âmbito da tutela coletiva 

A Lei nº 7.347/1985, grande marco do direito brasileiro na tutela dos interesses difusos e coletivos, não contemplou, em sua redação original, a figura do compromisso de ajustamento de conduta. Somente com o advento da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que o previu em seu art. 211, é que ocorreu a sua introdução no direito brasileiro. Pouco depois, o art. 113 da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) inseriu um § 6º no art. 5º da Lei nº 7.347/1985,[47] o que permitiu a sua utilização em relação a outros interesses difusos e coletivos.

O compromisso de ajustamento de conduta é um negócio jurídico celebrado, de um lado, por uma estrutura estatal de poder, cognominada de órgão público pelo § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, como são os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), o Ministério Público, a Defensoria Pública e os órgãos públicos propriamente ditos, desprovidos de personalidade jurídica e legitimados à propositura de ações coletivas (v.g.: o Procon na defesa do consumidor), e, de outro, o violador, atual ou iminente, de interesses transindividuais. A referência a órgão público denota que organizações da sociedade civil, qualquer que seja a sua natureza jurídica, não podem instar o violador a celebrá-lo.

Questão controversa diz respeito à possibilidade, ou não, de entes da Administração Pública indireta celebrarem ajustes dessa natureza.

Não precisam ser realçadas as dificuldades hermenêuticas que a expressão órgãos públicos traz consigo. Em rigor lógico, são centros de competências administrativas, destituídos de personalidade jurídica, que congregam agentes públicos responsáveis pelo exercício das respectivas competências. A prevalecer esse conceito, sequer os entes federativos poderiam celebrar os ajustes, já que, por terem personalidade jurídica, seriam um plus em relação ao mero órgão. É fácil perceber que interpretações extremadas como essa não conduziriam a resultados satisfatórios.

A interpretação que conduz a resultados mais razoáveis parece ser a que associa o caráter público do órgão ao fato de ser ou estar integrado a uma estrutura estatal de poder, não à personalidade jurídica de direito público da respectiva estrutura estatal de poder ou, no caso de órgão despersonalizado (v.g.: Procon),[48] à personalidade jurídica da mesma estrutura em que inserido. Com isso, assegura-se a paridade entre os órgãos legitimados ao ajuizamento da ação civil pública, elencados nos incisos do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, e aqueles legitimados à celebração do compromisso de ajustamento de conduta. Portanto, deve ser admitida a celebração do ajuste por todos os entes da Administração Pública indireta, quer tenham personalidade jurídica de direito público, quer de direito privado.[49] Especificamente em relação às empresas públicas e às sociedades de economia mista, tal não importará em qualquer tratamento privilegiado a esses entes, com a possível afronta ao disposto no art. 173, § 1º, II, da Constituição da República, que estabelece a sua sujeição ao mesmo regime jurídico das sociedades empresárias de direito privado. Afinal, estas últimas não têm legitimidade para a tutela dos interesses transindividuais. Na medida em que empresas públicas e sociedades de economia mista são ontologicamente distintas das associações, quer no plano da constituição, quer no da funcionalidade, não há qualquer incongruência na exclusão destas últimas.

A exemplo dos demais negócios jurídicos, o compromisso de ajustamento de conduta deve preencher os requisitos de validade.[50] As partes devem ser capazes, de modo a exteriorizar livremente a sua vontade, sem qualquer vício de consentimento. A forma, em linha de princípio, é livre, o que não afasta a possibilidade de os órgãos públicos estabelecerem diretrizes internas a respeito de sua estrutura básica. O objeto deve ser lícito, exigindo que as obrigações assumidas ajustem-se à legislação de regência. Sob essa ótica, deve ser utilizado como paradigma o provimento jurisdicional passível de ser obtido ao fim da ação civil pública. Portanto, consoante o art. 3º da Lei nº 7.347/1985, podem ser pactuadas obrigações de dar, ressaltando-se que o numerário obtido deve ser endereçado ao fundo referido no art. 13,[51] fazer ou não fazer.[52] Além disso, as obrigações assumidas devem ser líquidas, de modo a não comprometer a sua eficácia, e deve ser cominada multa para a hipótese de inadimplemento.

O compromisso, ademais, deve ser reduzido a termo, dispensa a assinatura de testemunhas e não carece de homologação judicial para a integração de sua eficácia. Essa eficácia, é importante frisar, surge tão logo o termo, formal e materialmente hígido, é firmado. Em se tratando de compromisso firmado pelo Ministério Público, nos autos de inquérito civil, o seu integral cumprimento ensejará a formulação da promoção de arquivamento, pelo órgão de execução com atribuição, a ser apreciada pelo Conselho Superior do Ministério Público, nos termos do art. 9º da Lei nº 7.347/1985. Note-se que a sistemática legal somente permite a deflagração desse instrumento de controle interno com o esgotamento das diligências investigativas e a decisão de não se ajuizar a ação civil pública. Trata-se, portanto, da fiscalização do non facere. Em rigor lógico, não compete ao Conselho fiscalizar o facere, presente na expedição de recomendação, na celebração de termo de compromisso ou no ajuizamento de ação civil pública. Apesar dessa constatação, não tem sido incomum, em alguns Estados da Federação, a inserção de cláusula, no termo de compromisso, condicionando a sua eficácia à prévia homologação pelo Conselho Superior, o que, aliás, foi expressamente previsto no parágrafo único do art. 112 da Lei Complementar Estadual nº 734/1993, que veiculou a Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo. Essa sistemática, conquanto benéfica ao outro pactuante, pois afasta o risco de o colegiado entender que o termo não protegeu a contento o interesse transindividual tutelado, não encontra ressonância na Lei nº 7.347/1985.  

O compromisso de ajustamento de conduta tem a natureza de título executivo extrajudicial, nos termos do § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347/1985, de modo que qualquer legitimado pode promover a execução forçada, conforme os arts. 778 e 784, XII, do CPC/2015. Diz-se qualquer legitimado por uma razão bem simples: não há vínculo de titularidade entre o legitimado que celebrou o termo de compromisso e o direito material tutelado.

A grande importância desse compromisso reside em evitar a judicialização de questões que podem ser resolvidas a partir da convergência de vontades dos próprios pactuantes. A solução assim obtida tende a ser mais célere e menos traumática para todos, máxime para o violador do direito transindividual, que pode ter, entre outras vantagens, prazos mais compatíveis com a sua realidade para o cumprimento da obrigação. Foi justamente essa constatação que conduziu à mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação civil pública, possibilitando seja alcançado o mesmo resultado útil por instrumento diverso. A busca por esse resultado útil, ainda que trilhada por percursos distintos, é direcionada pelo princípio da indisponibilidade do interesse.

 É muito difundida a tese de que o compromisso de ajustamento de conduta não tem a natureza jurídica de transação, já que os órgãos públicos não poderiam transigir com aspectos materiais do interesse público, de feição reconhecidamente indisponível.[53] Essa conclusão, aliás, encontra aparente amparo no disposto no art. 841 do Código Civil de 2002, segundo o qual “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”.[54] O raciocínio, no entanto, somente se mostra correto se adotarmos como paradigma de análise o modelo de transação plena, não o modelo híbrido.

Tanto a submissão como a transação plena consubstanciam negócios jurídicos que pressupõem, por óbvio, a convergência de vontades. A questão que se põe é saber se o objeto desse negócio é integralmente moldado por uma estrutura estatal de poder, ao qual o violador, atual ou iminente, do direito transindividual limita-se a aderir ou se este último pode efetivamente participar do delineamento de alguma de suas cláusulas. A nosso ver, essa participação é perfeitamente possível, máxime quando divergências pontuais, como o prazo de cumprimento da obrigação, o número de vezes que uma publicação deve ser veiculada na imprensa ou o valor da multa fixada geram alguma divergência.

Portanto, é perfeitamente possível nos depararmos com verdadeira transação em relação a aspectos periféricos ao direito material lesado, ensejando o surgimento de obrigações jurídicas acessórias para o pactuante.[55] No que diz respeito ao direito material, prevalece, ao menos no plano conceitual, a submissão. Fala-se em plano conceitual por uma razão muito simples: o órgão público deveria limitar-se a identificar o direito material e a definir as obrigações a serem cumpridas para a sua plena efetividade, não restando ao outro pactuante qualquer opção senão submeter-se. Ocorre que essa pureza conceitual nem sempre se projeta na realidade. O órgão público, em verdade, realiza um juízo valorativo a respeito do direito material a ser protegido e das obrigações a serem cumpridas. Conceitualmente, não há disposição do interesse; faticamente, é possível que o juízo valorativo realizado produza esse efeito de maneira indireta. Para tanto, basta que, propositadamente ou não, sejam realizadas avaliações distorcidas desses fatores, com ou sem a influência do outro pactuante.

O termo, assim, assume feição híbrida: no que diz respeito ao direito material, atua como mero ato de reconhecimento de uma obrigação preexistente e que pode vir a ser reconhecida por sentença judicial (v.g.: o dever jurídico de reflorestar uma área, de cessar uma prática comercial abusiva etc.), quanto aos aspectos periféricos, consubstancia verdadeira transação.

Caso outro colegitimado entenda que o termo de compromisso não se mostra suficiente à proteção dos interesses transindividuais, é possível venha a requerer em juízo as medidas que, em sua visão, sejam necessárias à tutela desses interesses.[56] Se o termo afrontá-los, ao invés de protegê-los, pode pleitear a sua própria anulação, o que pressupõe a demonstração de um vício de juridicidade no negócio jurídico. Apesar de o celebrante do termo atuar como substituto processual, o que autorizaria o entendimento de que os efeitos dos seus atos se estenderiam aos demais substitutos em potencial, a hipótese comporta reflexões suplementares. Como é reconhecida, em relação aos órgãos públicos, a legitimidade concorrente para a celebração do termo e para a propositura da ação, ao que se soma a constatação de que a ratio dessa atuação é preservar o interesse social, não nos parece adequado permitir que termos circundados de atecnia ou mesmo de má-fé possam transmudar em disponível aquilo que, em essência, é indisponível. Entendimento contrário, ademais, permitiria fossem afastadas da apreciação do Poder Judiciário lesões de monta a direitos de indiscutível importância para o organismo social[57].

Não se admite, no entanto, que o objetivo de retirar a eficácia do termo de compromisso de ajustamento de conduta seja alcançado de maneira indireta, por outro legitimado, com a assinatura de termo distinto, com conteúdo diverso do anterior.

A funcionalidade do termo de compromisso de conduta, como se disse, é a de evitar a violação ou recompor o bem jurídico tutelado. O seu objetivo não é propriamente o de reduzir a esfera jurídica individual, o que denota profunda distinção em relação à consensualidade de colaboração ou de pura reprimenda afeta ao direito sancionador propriamente dito. Essa premissa certamente facilita a compreensão do art. 5º, LXXIII, da Constituição da República, que autoriza o ajuizamento da ação popular, por qualquer cidadão, para anular ato lesivo ao patrimônio público, e do art. 1º, VIII, da 7.347/1985, com a redação dada pela Lei nº 13.004/2014, segundo o qual “regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais” causados “ao patrimônio público e social”. Essa responsabilização, como é intuitivo, é a cível stricto censu, calcada no referencial de reparação; não a cível lato sensu, afeta ao direito sancionador extrapenal judicial cível lato sensu. Portanto, apesar de o termo de ajustamento de conduta estar previsto no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985, ele não se presta à consensualidade de colaboração ou de pura reprimenda. Se o objetivo de algum operador do direito for utilizá-lo, fá-lo-á com base em norma diversa que não essa.

Apesar disso, ainda que o termo de ajustamento não possa incursionar no direito sancionador propriamente dito, é perfeitamente defensável a tese de que pode adentrar na seara da reparação ou da recomposição, ainda que seja formalmente cognominada de sanção. É o que ocorre, por exemplo, com a reparação do dano e a perda de bens ou valores adquiridos ilicitamente. Como o termo não é suficiente para afastar o ilícito e a sanção correlata, ainda que o infrator venha a celebrá-lo, não ficará livre das medidas (rectius: sanções propriamente ditas) que restrinjam a sua esfera jurídica. O termo será um acordo integrativo, não substitutivo da sanção cominada.

 

7.2. A consensualidade no âmbito da Lei de Responsabilização das Pessoas Jurídicas

A Lei nº 12.846/2013 dispôs sobre a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas, nos planos administrativo e cível, pela prática de atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira. Esse diploma normativo estatuiu, em seu art. 5º, uma unidade de tipologia, que seria aplicada indistintamente nas duas esferas de responsabilização, daí decorrendo, conforme o caso, a aplicação de sanções administrativas ou de sanções cíveis, estas últimas aplicáveis por um juiz, sem prejuízo daquelas previstas na Lei nº 8.429/1992.

Além de detalhar sujeitos, tipologia, sanções e o processo administrativo e judicial, a Lei nº 12.846/2013 também dispôs, em seu art. 16, sobre o acordo de leniência no âmbito do processo administrativo sancionador, podendo ser celebrado pela autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública. Essa competência, no âmbito do Poder Executivo Federal, é concentrada no Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, que sucedeu à Controladoria-Geral da União, o mesmo ocorrendo em relação aos atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. O objetivo é o de suavizar as consequências do ilícito em razão da colaboração do respectivo autor.

Os contornos gerais desse acordo se ajustam ao modelo de consensualidade de colaboração e se projetarão no plano administrativo, isentando a pessoa jurídica da sanção de publicação extraordinária da decisão condenatória e reduzindo em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável, e no plano jurisdicional, afastando a proibição de receber incentivos, subsídios, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público. Os efeitos do acordo serão estendidos às pessoas jurídicas que integrem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que o firmem em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas, mas não eximem o celebrante da obrigação de reparar integralmente o dano causado.

Na literalidade do art. 16, § 1º, I, da Lei nº 12.846/2013, o acordo somente será celebrado caso “a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre o seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito”, comando similar ao adotado na Lei nº 12.529/2011, que versa sobre as infrações contra a ordem econômica e é precipuamente direcionada ao combate aos cartéis. Portanto, as demais pessoas jurídicas envolvidas no ilícito não poderiam celebrar acordo similar. Apesar dessa constatação, não deve ser afastada a possibilidade de, à luz das circunstâncias do caso concreto, outras pessoas jurídicas serem beneficiadas pelo acordo, desde que contribuam para a elucidação de fatos diversos, estranhos ao ajuste inicial. Ainda que outras pessoas jurídicas possam celebrar o acordo, é evidente que as informações posteriores tendem a ostentar menor importância que as antecedentes, daí a maior probabilidade de somente os primeiros interessados celebrarem o acordo de leniência.

Acresça-se que o acordo de leniência não alcançará as pessoas naturais, o que significa dizer que controladores, sócios e dirigentes continuarão passíveis de responsabilização, em especial na seara penal. Para esses agentes, seria sempre de bom alvitre tentar uma negociação conjunta, cientificando o Ministério Público com atribuição para possível ajuste de colaboração premiada no âmbito penal.

A Lei nº 12.846/2013 também autorizou, em seu art. 17, que a Administração Pública celebrasse acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática dos ilícitos previstos na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.

A limitação dos efeitos do acordo de leniência ao processo administrativo destinado à apuração de responsabilidades com base na Lei nº 8.666/1993 e na Lei nº 12.846/2013, bem como ao processo judicial voltado à aplicação das sanções previstas neste último diploma legal, indica uma opção consciente de não estendê-lo a outras esferas de responsabilização. Esse aspecto torna-se bem nítido ao observarmos o teor do art. 30, I, da Lei nº 12.846/2013, segundo o qual a aplicação das sanções previstas neste diploma legal “não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes” de “ato de improbidade administrativa nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992”.  

Ressalte-se inexistir óbice a que o acordo de leniência celebrado no processo administrativo venha a produzir efeitos favoráveis à pessoa jurídica em outras instâncias de responsabilização. É imperativo, no entanto, sejam observados os balizamentos estabelecidos em lei. No âmbito da improbidade administrativa, por exemplo, embora seja vedada a celebração de acordos, aqueles que venham a ser formados em outra seara podem influir na individualização da sanção a ser aplicada, por caracterizarem uma circunstância atenuante não escrita favorável à pessoa jurídica. O mesmo ocorrerá nas demais instâncias de responsabilização. Não é por outra razão que a doutrina tem ressaltado a necessidade de serem incluídos impactos penais no acordo de leniência de que trata a Lei nº 12.846/2013[58]. Sob a égide da Medida Provisória nº 703/2016, que alterou este último diploma legal, mas perdeu sua eficácia por não ter sido convertida em lei, alguns[59] defenderam a possibilidade de os acordos de leniência, caso contassem com a participação do Ministério Público, virem a incursionar inclusive na seara penal, de modo que um único instrumento alcançasse mais de uma instância de responsabilização.

Apesar de a Lei nº 12.846/2013 somente fazer menção à celebração do acordo de leniência pela Administração Pública, é argumentativamente defensável a tese de que o Ministério Público também poderia celebrá-lo. A uma, o acordo de leniência tem como efeito afastar a aplicação de uma das sanções passíveis de serem aplicadas no processo judicial, aquela prevista no art. 19, IV, sendo o Ministério Público um dos legitimados ao ajuizamento da ação civil. A duas, como é possível a aplicação, no processo judicial, das sanções administrativas previstas no art. 6º, se houver omissão da autoridade competente para promover a responsabilização administrativa, conforme prevê o art. 20, nada impediria que o Ministério Público celebrasse o acordo com o objetivo de obter informações úteis à persecução do ilícito. A três, a celebração do acordo é perfeitamente compatível com as funções institucionais do Ministério Público, instrumentalizando-as. Apesar disso, parece-nos que essa possibilidade assumirá contornos subsidiários. Afinal, os principais efeitos do acordo se apresentam no plano administrativo, com a redução de uma sanção, a multa, e a supressão de outra, a publicação extraordinária da decisão, e o Ministério Público não poderia impedir, com a sua iniciativa, a instauração do processo administrativo pela autoridade competente. Outro aspecto digno de nota é o de que o Ministério Público não poderia simplesmente utilizar o invólucro cognominado de “acordo de leniência” e atribuir-lhe qualquer conteúdo. O conteúdo há de ser, sempre e sempre, aquele previsto em lei.

 

7.3. A Consensualidade no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa

A Lei nº 8.429/1992, como tivemos oportunidade de afirmar[60], pode ser considerada um diploma de inegável singularidade sob múltiplos aspectos: (1) foi proposta e sancionada pelo Presidente Fernando Collor de Mello, primeiro Chefe de Estado brasileiro a ser afastado do cargo num processo de impeachment; (2) alcança todo agente que mantenha contato com o dinheiro público, ainda que sua atividade seja estritamente privada, bem como os detentores de mandato eletivo, classe política tradicionalmente imune a qualquer sancionamento (art. 2º); e (3) coexiste com as demais esferas de responsabilização (penal, administrativa, cível e política), permitindo que um juiz com competência cível aplique as severas penalidades que comina.

São quatro as espécies de atos de improbidade: aqueles que geram o enriquecimento ilícito do agente (art. 9º), causam dano ao patrimônio público (art. 10), importam em concessão indevida de benefício financeiro ou tributário que diminua a arrecadação do imposto sobre serviços de qualquer natureza (art. 10-A)[61] ou afrontem os princípios regentes da atividade estatal (art. 11). A prática de qualquer desses atos sujeitará o agente público e os terceiros com ele conluiados às sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei nº 8.429/1992.

De acordo com o art. 12, a perda de bens ou valores de origem ilícita, o ressarcimento do dano, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, a multa civil e a proibição de contratar ou receber incentivos do Poder Público são passíveis de aplicação por um órgão jurisdicional, restando analisar se possuem natureza penal ou cível (rectius: extrapenal). À luz do direito posto, inclinamo-nos por esta última,[62] alicerçando-se tal concepção nos seguintes argumentos:

  1. a) o art. 37, § 4º, in fine, da Constituição, estabelece as sanções para os atos de improbidade e prevê que estas serão aplicadas de acordo com a gradação prevista em lei e “sem prejuízo da ação penal cabível”;
  2. b) ao regulamentar o comando constitucional, dispôs o art. 12, caput, da Lei nº429/1992 que as sanções serão aplicadas independentemente de outras de natureza penal;
  3. c) as condutas ilícitas elencadas nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992, ante o emprego do advérbio de modo “notadamente”, têm caráter meramente enunciativo, o que apresenta total incompatibilidade com o princípio da estrita legalidade que rege a seara penal,[63] segundo o qual a norma incriminadora deve conter expressa e prévia descrição da conduta criminosa;
  4. d) o processo criminal atinge de forma mais incisiva o status dignitatis do indivíduo, o que exige expressa caracterização da conduta como infração penal, sendo relevante frisar que ela produzirá variados efeitos secundários;
  5. e) a utilização do vocábulo “pena” no art. 12 da Lei nº429/1992 não tem o condão de alterar a essência dos institutos, máxime quando a similitude com o direito penal é meramente semântica;
  6. f) a referência a “inquérito policial”, constante do art. 22 da Lei nº429/1992, também não permite a vinculação dos ilícitos previstos neste diploma legal à esfera penal, já que o mesmo dispositivo estabelece a possibilidade de o Ministério Público requisitar a instauração de processo administrativo e não exclui a utilização do inquérito civil previsto na Lei nº 7.347/1985, o que demonstra que cada qual será utilizado em conformidade com a ótica de análise do ilícito e possibilitará a colheita de provas para a aplicação de distintas sanções ao agente;
  7. g) a aplicação das sanções elencadas no art. 12 da Lei de Improbidade pressupõe o ajuizamento de ação civil (art. 18), possuindo legitimidade ativa ad causam o Ministério Público e o ente ao qual esteja vinculado o agente público, enquanto que as sanções penais são aplicadas em ações de igual natureza, tendo legitimidade, ressalvadas as exceções constitucionais, unicamente o Ministério Público.

Identificada a natureza cível do ilícito, resta evidente que não poderá ser utilizada a disciplina geral da consensualidade de colaboração prevista nos arts. 13 e 14 da Lei nº 9.807/1999, direcionada que é à seara criminal. O mesmo ocorre em relação à consensualidade de reprimenda prevista na legislação dos juizados especiais[64].

Ainda que o diálogo entre as fontes seja algo não só desejável, como produtivo, o que valoriza o caráter sistêmico do direito e evita rupturas em uma concepção mais alargada de isonomia, ele não pode chegar ao extremo de desestruturar o próprio sistema. Explica-se: a existência de instâncias independentes não permite que requisitos, instrumentos e consequências afetas a uma seara sejam livremente transpostas para outra. Esse obrar, longe de ser um “diálogo”, seria verdadeira “violência sistêmica”, máxime quando o operador do direito não tivesse nenhum balizamento legal, repita-se, nenhum, para definir os efeitos da consensualidade no sistema em que seria inserida. Nesse caso, o novo “sistema”, se é que podemos cognominá-lo como tal, seria criado ab ovo pelo intérprete[65].

É relevante observar que o art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade) veda, expressamente, a transação, o acordo ou a conciliação nas ações que visem a responsabilizar os agentes públicos pelos atos de improbidade que tenham praticado, mas não impede a assinatura de termos de ajustamento de conduta. Não se deve confundir a medida que busque elidir a aplicação das sanções a que está sujeito o agente, o que é terminantemente proibido, com aquela que persiga a adequação do comportamento do agente público à ordem jurídica, impedindo ou evitando que novos ilícitos sejam praticados ou, mesmo, combatendo os seus efeitos. Esta última providência, como é fácil constatar, em nada comprometerá a efetividade da sanção cominada na norma, não sendo alcançada pela ratio da vedação ora analisada. Não vislumbramos, inclusive, qualquer impossibilidade de que a forma em que se dará a reparação do dano ou à perda dos bens adquiridos ilicitamente seja objeto de termo de ajustamento de conduta, pois tal não importará em qualquer óbice à aplicação das demais sanções cominadas na Lei nº 8.429/1992.

A utilização do instituto da colaboração no âmbito da Lei nº 8.429/1992 procura ser justificada por alguns com base no argumento de que ele não apresenta qualquer correlação com os referenciais de transação, acordo ou conciliação, estes sim vedados pelo art. 17, § 1º, do referido diploma legal. Com isso, seria possível utilizá-lo com base na analogia, autorizada pelo art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Civil brasileiro, segundo o qual “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

Contra essa tese existem basicamente três objeções: (a) diversamente da omissão, há vedação expressa, já que, ontologicamente, a consensualidade pode ter a natureza jurídica de verdadeiro acordo (a exceção fica por conta da colaboração do autor do ilícito com as autoridades, com o posterior reconhecimento da utilidade das informações, pelo Poder Judiciário, daí decorrendo a obtenção de algum benefício), o que é vedado pelo art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992; (b) os órgãos públicos agem com amparo no princípio da legalidade, o que significa dizer que não podem atuar contra ou à margem da lei; (e) o poder de disposição dos órgãos envolvidos na persecução dos ilícitos praticados consubstancia exceção à regra geral da obrigatoriedade, que se desprende do dever de agir nela previsto.

A existência da vedação contida no art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 configura obstáculo de difícil superação. Afinal, a única forma de superá-lo seria reconhecer a presença de um conflito com outra norma do sistema, superior ou posterior, daí decorrendo a revogação dessa vedação[66]. Ocorre que tal antinomia ou contradição normativa simplesmente não existe. E mesmo que a revogação tivesse ocorrido, ainda teríamos de superar a inexistência de qualquer balizamento procedimental para a aplicação das sanções.

Há quem procure sustentar a revogação com base no § 4º do art. 36 da Lei nº 13.140/2015 (Lei de Mediação), que tem a seguinte redação: “nas hipóteses em que a matéria objeto do litígio esteja sendo discutida em ação de improbidade administrativa ou sobre ela haja decisão do Tribunal de Contas da União, a conciliação de que trata o caput dependerá da anuência expressa do juiz da causa ou do Ministro Relator”. Argumentam os artífices da tese o seguinte: ora, se o órgão jurisdicional perante o qual tramita a ação civil por ato de improbidade, cuja matéria discutida é objeto de um litígio, deve anuir à conciliação, é evidente que o acordo é possível nessa seara, não mais subsistindo a vedação do § 1º do art. 17 da Lei nº 8.429/1992! O que esquecem de dizer, em primeiro lugar, é que o litígio envolve entes da Administração Pública Federal. Aliás, o título da respectiva Seção é bem sugestivo: “dos conflitos envolvendo a Administração Pública Federal Direta, suas Autarquias e Fundações”. E mais sugestivo ainda é o capítulo em que inserido: “da autocomposição de conflitos em que for parte pessoa jurídica de direito público”. Portanto, não se trata, em hipótese alguma, de permissivo para a autocomposição entre o agente público e o ente legitimado ao ajuizamento da ação civil por ato de improbidade. O segundo e mais importante aspecto é o de que a autocomposição não versará sobre a instância de responsabilização cível prevista na Lei nº 8.429/1992, mas, sim, sobre a base fática da qual surgiu o litígio entre entes da Administração Pública e que permitiu o enquadramento do agente público na referida Lei. Caso essa base fática sofra alterações, nada mais natural que gere reflexos no sistema de responsabilização. Se a base fática sofre alterações (v.g.: com redução do montante estimado do dano causado por um ente público a outro), deve o juízo que julgará o agente público anuir com a sua alteração voluntária posterior, pois dela podem decorrer reflexos necessários na reparação do dano e na perda de bens e valores. Por fim, é desconsiderado que a própria Lei nº 13.140/2015 deixa expresso, no § 3º do art. 36, que “a composição extrajudicial do conflito não afasta a apuração de responsabilidade do agente público que deu causa à dívida, sempre que se verificar que sua ação ou omissão constitui, em tese, infração disciplinar”. À luz deste preceito, pergunta-se: será que somente a infração disciplinar, julgada pela própria Administração Pública, permanecerá hígida, não o ato de improbidade a ser apreciado pelo Poder Judiciário?

A autocomposição de que trata a Lei nº 13.140/2015 somente alcança a esfera cível stricto sensu, afeta à reparação e à recomposição, não o direito sancionador propriamente dito. Ainda é importante lembrar que, a prevalecer a tese contrária, o agente público não sofrerá sanção alguma, pois a conciliação a que se refere o § 4º do art. 36 está relacionada à existência e ao eventual valor do direito, não guardando qualquer relação com a consensualidade de pura reprimenda.

Portanto, o que se verifica na vedação contida no art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 é a presença de uma contradição axiológica, que não se confunde com a antinomia:[67] enquanto a primeira é o resultado de um (errôneo) juízo político-valorativo que culminou com a elaboração da disposição normativa objeto de interpretação, a segunda reflete um defeito lógico situado no plano do dever ser. No âmbito do direito sancionador, as contradições axiológicas se manifestam quando, a juízo do intérprete, as opções políticas do legislador mostram-se equivocadas, refletindo falta de coerência ou desequilíbrio na valoração realizada, com a cominação, por exemplo, de penas mais severas a ilícitos que gerem menor percepção de injustiça no ambiente social. À guisa de ilustração, pode ser mencionada a situação dos árbitros, cuja atividade é disciplinada pela Lei nº 9.307/1997. Apesar de suas decisões terem a natureza de título executivo judicial (art. 31) e de serem equiparados aos funcionários públicos para os efeitos da legislação penal (art. 17), não são alcançados pela Lei nº 8.429/1992, pois não se enquadram no conceito de agente público previsto em seu art. 2º. Afinal, não mantém nenhum tipo de vínculo com a Administração Pública ou com entes que recebam recursos públicos. Apesar da contradição axiológica, a impossibilidade de os árbitros serem processados com base na Lei nº 8.429/1992, mesmo que sejam corrompidos no exercício da função, é manifesta.

Ainda que o comando do art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992 fosse revogado, o que chegou a ser feito pela Medida Provisória nº 703, de 18 de dezembro de 2015, que perdeu a sua eficácia por não ter sido convertida em lei, não seria possível alcançar a conclusão de que a consensualidade de colaboração ou a consensualidade de reprimenda passaram a ser admitidas nessa seara. No âmbito do direito sancionador brasileiro, a omissão ou vazio normativo, indicativo de que a matéria não é alcançada por norma expressa ou implícita, termina por atribuir-lhe a característica de verdadeiro “silêncio eloquente” [68]. Trata-se de mera inferência lógica a partir dos papéis desempenhados pelos princípios da legalidade e da obrigatoriedade, que figuram como pilares na persecução de ilícitos no sistema brasileiro. Nesse caso, a omissão deve ser vista como deliberada e consciente exclusão.

Talvez a grande exceção à constatação anterior seja oferecida pelas agências reguladoras, que utilizam em profusão a consensualidade no direito sancionador, embora somente a Agência Nacional de Saúde Suplementar, como vimos, tenha sido expressamente autorizada a fazê-lo. Aqui, no entanto, há algumas distinções substanciais em relação ao Ministério Público e à Administração Pública em geral. A uma, a dinâmica do mercado, a imprescindibilidade da intervenção do Estado como agente regulador e o tecnicismo dos setores regulados há muito conduziram à conclusão de que a edição de normas de conduta, nessa seara, não se compatibilizava com as conhecidas agruras do processo legislativo, daí decorrendo o reconhecimento do poder normativo das agências reguladoras[69]. A duas, a tese da impossibilidade de delegação legislativa, lastreada na separação dos poderes e na revogação das delegações preexistentes à Constituição de 1988, promovida pelo art. 25 do ADCT, não teve forças para conter o surgimento e a estabilização do poder normativo dessas agências, fato consumado na realidade brasileira. A três, foi concentrada, em cada agência reguladora, a competência para delinear normativamente a tipologia do ilícito, instaurar o processo administrativo destinado à sua apuração, instruí-lo e decidi-lo, o que torna mais que razoável a celebração de um ajuste no qual o integrante do setor regulado aceite a aplicação imediata de sanção, individualizada pelo próprio órgão que prolataria a decisão final. A quatro, a situação, no âmbito da improbidade administrativa, é substancialmente distinta, já que a pessoa jurídica lesada e o Ministério Público não detêm a senhoria normativa nessa seara e muito menos têm competência para aplicar as sanções cominadas na Lei nº 8.429/1992, munus que recai sobre estrutura estatal diversa, o Poder Judiciário.

O entendimento de que a consensualidade de colaboração ou a consensualidade de pura reprimenda seja aplicada no âmbito da improbidade administrativa ainda traz consigo inúmeros complicadores.

Como a legitimidade para o ajuizamento da ação civil por ato de improbidade é disjuntiva e concorrente, poderia o Ministério Público vincular a Administração Pública com um ajuste dessa natureza? A recíproca seria verdadeira?

Quem realizaria o controle dos ajustes? Diversamente ao que ocorre no âmbito criminal, em que a consensualidade é fiscalizada pelo Poder Judiciário, não há previsão semelhante na seara ora analisada. O juízo de valor da Administração Pública em ajuizar, ou não, a ação, é definitivo. O Ministério Público, por sua vez, caso decida arquivar um inquérito civil, deverá submetê-lo à revisão do órgão competente, Conselho Superior ou Câmara de Revisão, conforme a esfera da federação em que esteja situado. Nessa linha, quem faria o controle final? E, a exemplo do que já dissemos, o posicionamento do Ministério Público seria vinculante para a Administração Pública? A recíproca seria verdadeira? Ainda que sejam muitas as críticas nessa seara, não se pode negar o provável êxito pragmático do ajuste celebrado, de um lado, pelo autor do ilícito, e, de outro, pelo Ministério Público e pela pessoa jurídica lesada. Nesse caso, os problemas somente surgirão caso o acordo seja descumprido e, por ocasião do processo de execução, seja arguida a sua invalidade.

Uma possibilidade que não deve ser desconsiderada seria não a submissão direta do acordo à homologação do Poder Judiciário, já que a ordem jurídica não contempla quer o instrumento utilizado, quer a competência que se pretende criar, mas, sim, o ajuizamento da ação civil por ato de improbidade acompanhada de ajuste (v.g.: o negócio processual a que se refere o art. 190, caput, do CPC/2015) em que o agente público reconhecesse a prática do ilícito e aceitasse a aplicação imediata da sanção. Sob esse prisma, o risco seria todo do agente público.

Assim ocorre em razão da possibilidade de o órgão jurisdicional entender que a sanção ajustada é insuficiente ou mesmo que o perdão, à mingua de previsão legal e por mais relevante que tenha sido eventual colaboração, seja juridicamente insustentável. Isso sem olvidar que já estará encartada no processo a confissão do agente público. Ainda será possível que o órgão jurisdicional entenda que o direito é indisponível, argumento que, sob a ótica do bem jurídico tutelado, possui muita força em relação à sanção de suspensão dos direitos políticos, que restringe a cidadania, daí decorrendo o não acolhimento do acordo à mingua de autorização legal e da vedação constante do art. 190, caput, do CPC/2015 (que se somaria ao tantas vezes mencionado art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/1992). Este último argumento, no entanto, parece-nos frágil ao constatarmos que, sistemicamente, o direito sancionador brasileiro tem admitido a consensualidade, que alcança, inclusive, o relevante direito de liberdade. O principal óbice à consensualidade no âmbito da improbidade parece ser a ausência de todo e qualquer balizamento ao modo como se projetará na realidade. Obstáculos à parte, é factível que a aceitação dessa solução produziria resultados muito mais úteis para as estruturas estatais de poder, e a sociedade em geral, que a longa tramitação de uma relação processual.

À mingua de qualquer diretriz ou limite para o acordo, ainda se deve questionar se seria amplo e irrestrito o poder de disposição sobre as sanções cominadas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992?

Sob essa ótica, o problema somente se colocaria em relação à multa, à proibição de contratar e de receber incentivos, à perda da função e à suspensão dos direitos políticos, já que a reparação dos danos e a perda de bens não são verdadeiras sanções. E, mesmo em relação à multa e à perda da função pública, ainda seria possível argumentar com os contornos puramente patrimoniais da primeira e a voluntariedade da relação jurídico-funcional quanto à segunda, com ampla possibilidade de serem obtidos resultados satisfatórios na realidade.

O Ministério Público do Estado do Paraná, por seu Conselho Superior, editou a Resolução nº 01/2007, na qual admitiu a consensualidade, de colaboração e de pura reprimenda, em ilícitos enquadrados na Lei nº 8.429/1992 e na Lei nº 12.846/2013. É perceptível que esse ato normativo infralegal buscou contornar os óbices já indicados neste estudo. Além do que dissemos, parece-nos injurídico o comando inserido em seu art. 5º, § 4º, que sujeita à homologação, pelo Conselho Superior do Ministério Público, dos termos de ajustamento de conduta celebrados na fase processual, pois cria, para o colegiado, uma regra de competência não prevista em lei, isso sem contar o mal trato à independência funcional. Em momento anterior, o Ministério Público do Amapá aprovara a Resolução nº 02/2017-CSMP/MPAP, na qual adotou a consensualidade de colaboração em relação aos ilícitos previstos na Lei nº 8.429/1992. O Conselho Nacional do Ministério Público, sem maiores detalhamentos, dispôs, no art. 1º, § 2º, da Resolução nº 179/2017, que “é cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou ato praticado”. O compromisso assim firmado estará sujeito à homologação do órgão interno de controle, Conselho Superior ou Câmara de Coordenação e Revisão.

Por certo, não faltará quem afirme a incongruência de a colaboração ser admitida na seara criminal e não o ser no âmbito da improbidade administrativa. A conclusão, aliás, é mais que correta. Apesar disso, não há qualquer vício de inconstitucionalidade na existência de normas diversas disciplinando instâncias de responsabilização distintas. Não há como sustentar que a admissão da consensualidade no plus torna obrigatório que o mesmo ocorra no minus. Afinal, esses sistemas não estão inseridos em uma métrica, variando em importância quantitativa conforme o valor numérico que lhes seja atribuído. A acresça-se que as instâncias de responsabilização, longe de estarem inseridas na responsabilidade penal, são correlatas a ela. A influência recíproca só ocorre nos limites em que a ordem jurídica o autorizar. O intérprete, portanto, não pode substituir-se ao legislador e moldar o sistema que lhe seja mais simpático, o qual, é importante frisar, tanto poderia beneficiar como prejudicar o autor do ato de improbidade. A esse respeito, basta lembrarmos, outra vez, a situação do árbitro, que é considerado funcionário público para os fins da lei penal, mas não o é para a Lei nº 8.429/1992.

A interação das distintas instâncias de responsabilização, de modo que formem um sistema comum, exige a presença de traços indicativos de que, em sua essência, partilham da mesma natureza, ou, à sua falta, que haja uma norma estabelecendo essa integração. O mais comum é que haja pontos de interação, como se verifica em relação ao reconhecimento da juridicidade da prova emprestada, desde que observadas as garantias do contraditório e da ampla defesa, não uma ampla e irrestrita identidade entre os institutos próprios de cada instância.

Ainda que a persecução dos ilícitos previstos na Lei nº 8.429/1992 e as respectivas sanções não sejam suscetíveis de acordo, não há óbice a que sejam utilizados elementos de convicção produzidos em ajustes dessa natureza, em outras instâncias de responsabilização, desde que não estejam cobertos por sigilo. Aliás, a possibilidade de utilização, no âmbito das ações civis por atos de improbidade, de provas produzidas em outras instâncias de responsabilização, como a penal, tem sido largamente reconhecida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[70].

 

Epílogo

 

A existência de uma pluralidade de instâncias de responsabilização, coexistentes e independentes entre si, tende a ensejar ilações a respeito da incoerência sistêmica em relação às sanções cominadas e a possíveis afrontas à proporcionalidade, sempre que aplicadas de forma isolada, efeito natural quando as instâncias não dialogam entre si. Críticas similares tendem a aflorar em relação ao procedimento a ser seguido e aos instrumentos a serem utilizados, a começar pela incidência, ou não, da consensualidade.

A participação direta do Ministério Público, em qualquer ajuste de colaboração que possa gerar reflexos na aplicação das sanções cominadas, assume singular importância no sistema brasileiro. Afinal, no âmbito das estruturas estatais de poder, a Instituição é a única legitimada a deflagrar os sistemas de responsabilização cível e criminal, tendo uma visão sinergética do ilícito e de seus reflexos no direito sancionador. Apesar disso, o risco de incoerência subsistirá sempre que o posicionamento da Instituição não for vinculante para outros legitimados, o mesmo ocorrendo na hipótese inversa.

A celebração de acordos, em uma esfera de responsabilização, não gera efeitos necessários sobre a punibilidade no âmbito das demais. É imperativo que a lei assim o disponha, o que decorre da independência entre as instâncias e da correlata autonomia existencial de cada qual. Por outro lado, ainda que a lei seja silente a esse respeito e a possibilidade de punição permaneça hígida, é perfeitamente possível que o acordo contribua para uma avaliação positiva da personalidade do colaborador e gere reflexos na fixação da respectiva sanção. Não é de se descartar, ainda, a possibilidade de acomodação sistêmica do acordo celebrado pela mesma autoridade responsável pela aplicação da sanção, o que se torna particularmente nítido quando ainda exerce competência normativa na temática.

Também merece ser lembrado que as provas apresentadas e os termos do acordo celebrado na esfera administrativa, cível ou penal somente não serão valorados pelas demais instâncias de responsabilização caso a lei estabeleça o sigilo em relação aos seus termos. Caso inexista sigilo, não haverá óbice a que sejam utilizados em detrimento do próprio colaborador. À luz desse quadro, é intuitivo que a consensualidade de colaboração será tanto mais atrativa quanto for o seu nível de compartimentação. Quando uma instância de responsabilização, além de não gerar reflexos necessários sobre as demais (v.g.: com a extinção da punibilidade), ainda puder ter as provas utilizadas, o acordo somente será atrativo quando os efeitos a serem produzidos na respectiva instância forem extremamente benéficos ao colaborador. É o que ocorre, por exemplo, com a colaboração premiada na esfera criminal, que pode acarretar o perdão judicial do colaborador, mas não afasta, por exemplo, a proposta de que venha a ser demandado, caso seja agente público, em sede de ação civil por ato de improbidade administrativa. Esse risco, à evidência, será valorado pelo colaborador.

Portanto, é perfeitamente possível que um legitimado à deflagração da instância de responsabilização utilize as provas colhidas em outra, a partir da consensualidade, desde que não cobertas pelo sigilo. Essa possibilidade é factível inclusive em relação ao Ministério Público brasileiro, que é estruturado em diversas unidades independentes. Caso o ajuste firmado seja coberto pelo sigilo, será necessário aderir aos seus termos para o compartilhamento. Isto, repita-se, se o sigilo não for afastado pelo órgão competente após solicitação.

Apesar da relevância da consensualidade, não podemos desconsiderar os balizamentos estabelecidos pela ordem jurídica, por mais promissores que sejam os resultados passíveis de serem obtidos com a criação de balizamentos outros, sequer cogitados no respectivo sistema de responsabilização. Vale lembrar que há pouco menos de três décadas, nosso direito sancionador não contava com consensualidade alguma. Agora, não há consensualidade que nos baste.

 

Referências bibliográficas

 

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[1] Improbidade Administrativa, 1ª parte. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 794-797.

[2] Decreto-lei nº 3.914/1941, art. 1º: “Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.

[3] CR/1988, art. 142, § 2º. Vide Lei nº 6.880/1980, art. 47, § 1º.

[4] CR/1988, art. 5º, LXVII. Sobre a impossibilidade de prisão do depositário infiel, também prevista na literalidade do preceito constitucional, vide Súmula Vinculante nº 25, do STF.

[5] Nesse sentido: DE PONTES, Evandro Fernandes. Dissolução Compulsória da Pessoa Jurídica: Desafios Sobre a Lei 12.846/2013 e o Sistema Financeiro Nacional. In: Revista de Direito Empresarial, vol. 14, mar.-abr./2016, p. 155 e ss. e NUCCI, Guilherme de Souza. Corrupção e Anticorrupção. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 90 e ss.

[6] A respeito das discussões em torno do bis in eadem no âmbito da cooperação jurídica internacional, vide a densa exposição de Renata Ribeiro Baptista: Dilemas e boas práticas do modelo multijurisdicional no combate ao ilícitos transfronteiriços: algumas pautas para a aplicação da Lei nº 12.846/13. In SOUZA, Jorge Munhós e QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. Lei Anticorrupção. Salvador: Editora Juspodivm, 2015, p. 111-127.

[7] Em sentido contrário, entendendo que a simultânea incidência da LRPJ e da Lei nº 8.429/1992 caracteriza indevido bis in eadem, vide: PEREIRA NETO, Miguel. A Lei Anticorrupção e a Administração Pública Estrangeira. In Revista dos Tribunais, vol. 947, set. de 2014, p. 331 e ss.

[8] Caso a pretensão deduzida na ação penal seja julgada anteriormente às demais, fará coisa julgada nas esferas administrativa e cível sempre que reconhecer: a) ter sido o ato praticado em circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal e arts. 65 e 386, VI, do CPP); b) a inexistência material do fato (arts. 66 e 386, I, do CPP); c) estar provado que o réu não concorreu para a infração penal (art. 386, IV, art. 935 do Código Civil de 2002). Note-se que tais efeitos somente alcançam os fatos discutidos no processo, permanecendo a possibilidade de livre valoração em relação aos demais. Afinal, como há muito reconheceu o STF na Súmula nº 18, “pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público.” Caso haja absolvição por ausência de provas (art. 386, II, V e VII, do CPP) ou por não constituir o fato infração penal (art. 386, III, do CPP), poderá a questão ser amplamente examinada nas esferas cível e administrativa. O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que sequer for deflagrada a ação penal, havendo o arquivamento do procedimento inquisitorial respectivo (art. 67, I, do CPP). No caso de condenação criminal, tornar-se-á certa a obrigação de reparar o dano causado, servindo a sentença de título executivo judicial (art. 91 do CP e art. 515, VI, do CPC/2015).

[9] RIBEIRO, Amadeu e NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e Possíveis Aperfeiçoamentos. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 17, jan.-jun./2010, p. 147 e ss.

[10] O fundamento dessas figuras não é pacífico. A esse respeito, merecem referência a teoria subjetiva, baseada na exigência político-criminal de premiar quem desiste do propósito criminoso (ponti d’oro al nemico che fugge); a teoria dos fins da pena, sob o plano dúplice da prevenção geral e da prevenção especial, levando em conta a menor gravidade da conduta e periculosidade do sujeito; a teoria premial ou do mérito, de modo a recompensar o livre e voluntário retorno ao direito, o qual, embora não apague as consequências da conduta já executada, pode minorá-las; e a teoria objetivo-funcional, que, considerando a complementariedade das teorias, identifica a carência de ofensa ao bem jurídico tutelado, ao que se soma o objetivo da pena. Cf. LATTANZI, Giorgio e LUPO, Ernesto. Codice Penale, vol. II, Il reato, Libro I, artt. 39-58-bis. Milano: Giuffrè Editore, 2010, p. 991-993.

[11] MAYER, Otto. Le Droit Administratif Allemand, Tome Premier. Paris: V. Giard & E. Brière, 1903, p. 66-71.

[12] ZAGREBELSKY, Gustavo. Il diritto mite. Torino: Einaudi, 1992 (12ª reimp. de 2010), p. 40.

[13] Aproveitando-nos da pesquisa realizada por Charles Eisenmann (O Direito Administrativo e o princípio da legalidade, RDA 56/47), “podemos identificar três tendências a respeito da matéria. Para André de Laubadère (Traité, nº 369), a legalidade é o conjunto: a) das leis constitucionais; b) das leis ordinárias; c) dos regulamentos; d) dos tratados internacionais; e) dos usos e costumes; f) das normas jurisprudenciais, entre as quais, em primeiro lugar, os princípios gerais do direito – ou seja, quatro elementos de caráter ‘escrito’, dos quais os dois primeiros formam o ‘bloco legal’ (Hauriou), os três primeiros o ‘bloco legal das leis e regulamentos’, e dois elementos de caráter não escrito. Georges Vedel (La Soumission de l’Administration à la loi, nº 47) encampa uma posição ainda mais ampla de legalidade, acrescendo que ‘às regras de direito obrigatórias para a Administração vêm unir-se as normas peculiares que as vinculam – as dos atos administrativos individuais e as dos contratos. Assim, compõem o ‘bloco da legalidade’ a totalidade das normas cuja observância impor-se-ia à Administração; a legalidade se identifica então pura e simplesmente com a regulamentação jurídica em seu todo, com o ‘direito vigente’”. Por último, tem-se a noção originária e restritiva do princípio da legalidade, impondo à Administração a observância das normas criadas pelo legislador, as quais se reduzem à lei (lato sensu).

[14] Nas palavras de Kelsen (Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 376), “um indivíduo atua como órgão do Estado apenas na medida em que atua baseado na autorização conferida por alguma norma válida. Esta é a diferença entre o indivíduo e o Estado como pessoas atuantes, ou seja, entre o indivíduo que não atua como órgão do Estado e o indivíduo que atua como órgão do Estado. Um indivíduo que não funciona como órgão do Estado tem permissão para fazer qualquer coisa que a ordem jurídica não o tenha proibido de fazer, ao passo que o Estado, isto é, um indivíduo que funciona como órgão do Estado, só pode fazer o que a ordem jurídica o autoriza a fazer. É, portanto, supérfluo, do ponto de vista da técnica jurídica, proibir alguma coisa a um órgão do Estado. Basta não autorizá-lo. Se um indivíduo atua sem autorização da ordem jurídica, ele não mais o faz na condição de órgão do Estado”. Acrescenta, ainda, que “é preciso proibir um órgão de efetuar certos atos apenas quando se deseja restringir uma autorização prévia” (p. 377).

[15] Na Constituição da República, também são manifestações expressas do princípio da legalidade os arts. 5º, II (geral) e XXXIX (matéria penal), 84, IV (adstrição do Executivo à lei) e 150, I (matéria tributária).

[16] O cartel é caracterizado pela uniformidade de comportamento ou pela atuação conjunta e ordenada, ainda que cada sociedade empresária permaneça autônoma em relação às demais. Cf. SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 229. A prática é extremamente deletéria para a economia, pois elimina a concorrência e reduz os direitos dos consumidores.

[17] Sobre os mais de cem anos de utilização do consent decree, pelo Departamento de Justiça, no combate aos carteis, vide: EPSTEIN, Richard A. Antitrust Consent Decrees in Theory and Practice. EUA: AEI Press, 2007.

[18] Ainda merece referência a possibilidade de serem oferecidas outras garantias, principalmente quando a investigação envolve carteis internacionais e as informações são obtidas junto a cidadãos estrangeiros. Nesses casos, o Departamento de Justiça, em articulação com o Serviço de Imigração e Naturalização, assegura, de modo expresso, antes mesmo da celebração do plea agreement, a possibilidade de esses colaboradores poderem viajar livremente para os Estados Unidos da América. Cf. PEARLSTEIN, Debra J. (Chair). ABA Section of Antitrust Law. Antitrust Law Developments, vol. II. 5ª ed. USA: American Bar Association, 2002, p. 1198.

[19] Cf. DRAGO, Bruno de Luca. Acordos de Leniência – Breve Estudo Comparativo. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 14, Jan, 2007, p. 49 e ss.

[20] A respeito da cooperação internacional no combate aos carteis, com destaque para as iniciativas brasileiras, vide: ARRUDA, Vivian Anne do Nascimento e CRUZ, Tatiana Lins. A Florescência da Cooperação Internacional em Matéria Antitruste no Brasil Enfoque à Cooperação no Combate aos Cartéis. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 20, jul.-dez./2011, p. 163-208.

[21] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. O acordo de leniência na Lei Anticorrupção. In: Revista dos Tribunais, vol. 947, set./2014, p. 157 e ss.

[22] Em sentido contrário, defendendo a constitucionalidade dessa causa extintiva da punibilidade com base no argumento de que a ação penal é ajuizada “na forma da lei”, que pode mitigar a sua obrigatoriedade, bem como que referida extinção não decorre de decisão administrativa do CADE, mas da lei, vide: MAZZUCATO, Paolo Zupo. Acordo de Leniência: Questões Controversas sobre o Art. 35-C da Lei Antitruste. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 17, jan.-jun./2010, p. 169 e ss.

[23] Não é incomum que se busque contornar a tese da inconstitucionalidade incluindo-se o Ministério Público Federal ou Estadual, conforme o caso, como signatário do respectivo acordo de leniência. Cf. DRAGO. Acordos de Leniência... In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 14, jan./2007, p. 49; DE CAMPOS, Marcos Vinícius (coordenador). Painel I – cartéis: interface administrativa e criminal. In Revista do IBRAC – Direito da Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 14, jan./2007, p. 19 e ss; SILVA E SOUZA, Nayara Mendonça. Mecanismos de Proteção ao Programa de Leniência Brasileiro. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 26, jul.-dez./2014, p. 115 e ss; RIBEIRO, Amadeu e NOVIS, Maria Eugênia. Programa Brasileiro de Leniência: Evolução, Efetividade e Possíveis Aperfeiçoamentos. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 17, jan.-jun./2010, p. 147 e ss; e RODAS, João Grandino. Acordos de Leniência em Direito Concorrencial. Práticas e Recomendações. In: Revista dos Tribunais, vol. 862, ago./2007, p. 22 e ss.

[24] Cf. SILVA E SOUZA. Mecanismos de Proteção.... In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 26, jul.-dez./2014, p. 115 e ss.

[25] Grande Seção, Processo C-360/2009 (Caso Pfleider), j. em 14/06/2011, in ECLI:EU:C:2011:389; e 1ª Seção, Processo nº (Caso Donau Chemie), j. em 06/06/2013, in ECLI:EU:C:2013:366.

[26] Cf. SAITO, Carolina. O Termo de Compromisso de Cessão de Prática e o Reconhecimento de Culpa. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 20, jun.-dez./2011, p. 13 e ss.

[27] Cf. VICENTINI, Pedro C. E. A Confissão de Culpa nos Termos de Compromisso de Cessação: Requisito Essencial ou Prescindível, Face ao Programa de Leniência?. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, vol. 17, jan.-jun./2010, p. 252 e ss.. No entender desse autor, a confissão de culpa pode integrar o termo de cessação de conduta, mas não é indispensável à sua celebração, mesmo nos processos em que o acordo de leniência tenha sido celebrado.

[28] Cf. GRAU, Eros Roberto. Compromisso de cessação e compromisso de desempenho na lei antitruste brasileira: parecer publicado em junho de 2001. In GRAU, Eros Roberto e FORGIONI, Paula Ana. O Estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 229 (232-233).

[29] Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni; e FARINA, Fernanda Mercier Querido. Alterações Penais da Nova Lei do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. In: Revista dos Tribunais, vol. 927, jan./2013, p. 159.

[30] Cf. CÓRDOVA, Danilo Ferraz; LOPES e Mariana Rebuzzi Sarcinelli. Política de Combate aos Cartéis: os Acordos de Leniência, O Tempo de Compromisso de Cessão e a Lei 11.482/2007. In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 15, jan./2007, p. 45.

[31] Cf. SOBRAL, Ibrahim Acácio Espírito. O Acordo de Leniência: Avanço ou Precipitação? In: Revista do IBRAC – Direito de Concorrência, consumo e Comércio Internacional, vol. 8, jan./2001, p. 137 e ss.

[32] Sobre as semelhanças do instrumento de consensualidade previsto na Lei nº 9.457/1997 e o consent decree do direito norte-americano, vide: DE MORAES, Luiza Rangel. Considerações sobre o consent decree e sua aplicação no âmbito da disciplina do mercado de valores mobiliários. In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 4, jan.-abr./1999, p. 99 e ss.

[33] De acordo com o art. 173 da Lei nº 9.472/1994, “a infração desta Lei ou das demais normas aplicáveis”, incluídos sob esta última epígrafe os padrões normativos editados pela própria ANETEL, “sujeitará os infratores às seguintes sanções”: advertência, multa, suspensão temporária, caducidade e declaração de inidoneidade. Ao aplicar as sanções, a ANATEL, conforme o art. 176, deve considerar “a natureza e a gravidade da infração, os danos dela resultantes para o serviço e para os usuários, a vantagem auferida pelo infrator, as circunstâncias agravantes, os antecedentes do infrator e a reincidência específica”.

[34] Hélio Tornaghi defendia a obrigatoriedade da ação penal com base na fórmula do art. 24 do CPP, que utiliza a expressão “será promovida”. Junto com a “indesistibilidade”, consagrada no art. 42, ao dispor sobre a impossibilidade de o Ministério Público desistir da ação penal, são formas da mesma realidade jurídica, qual seja, a indisponibilidade (Instituições de Processo Penal, 2º vol. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 326-327; e Compêndio de Processo Penal, vol. 1. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 43-44). Eugênio Pacelli de Oliveira destaca que a única distinção entre obrigatoriedade e indisponibilidade diz respeito ao momento processual em que incidem: a primeira antes do ajuizamento da ação penal, a segunda depois (Curso de Processo Penal. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.102-105). Marcellus Polastri Lima, com propriedade, ressalta que a obrigatoriedade já se faz presente na fase do inquérito policial, pois, conforme o art. 5º do CPP, “nos crimes de ação penal pública o inquérito será iniciado...”, sendo certo que a indisponibilidade, como determina o art. 576, se estende à fase recursal (Curso de Processo Penal. 9ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 215). Aury Lopes Júnior, por sua vez, lembra que a obrigatoriedade é a antítese dos princípios da oportunidade e da conveniência, não adotados no sistema brasileiro, que permitiriam ao Ministério Público “ponderar e decidir a partir de critérios de política criminal com ampla discricionariedade” (Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, vol. I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 365).

[35] Dal diritto penale al diritto premiale. In Scriti giuridici, T. II. Padova: CEDAM, 1966, p. 949.

[36] Françoise Tulkens faz menção à “sentença barganhada”, quando a negociação recai sobre a pena, e à “imputação barganhada”, quando o foco é a imputação. No primeiro caso, tem-se uma “negociação vertical” que evita o julgamento; no segundo, uma “negociação horizontal”, que permanece adstrita à fase inicial da persecução penal (Justiça Negociada. In. DELMAS-MARY, Mirelle Delma. Processos Penais da Europa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 673 (695).

[37] Arbitrary Justice. The Power of the American Prosecutor. New York: Oxford University Press, 2007, p. 12-15.

[38] “Art. 630 - Sequestro di persona a scopo di rapina o di estorsione. Chiunque sequestra una persona allo scopo di conseguire, per sé o per altri, un ingiusto profitto come prezzo della liberazione, è punito con la reclusione da venticinque a trenta anni. Se dal sequestro deriva comunque la morte, quale conseguenza non voluta dal reo, della persona sequestrata, il colpevole è punito con la reclusione di anni trenta. Se il colpevole cagiona la morte del sequestrato si applica la pena dell'ergastolo. Al concorrente che, dissociandosi dagli altri, si adopera in modo che il soggetto passivo riacquisti la libertà, senza che tale risultato sia conseguenza del prezzo della liberazione, si applicano le pene previste dall'articolo 605. Se tuttavia il soggetto passivo muore. In: conseguenza del sequestro, dopo la liberazione, la pena è della reclusione da sei a quindici anni. Nei confronti del concorrente che, dissociandosi dagli altri, si adopera, al di fuori del caso previsto dal comma precedente, per evitare che l'attività delittuosa sia portata a conseguenze ulteriori ovvero aiuta concretamente l'autorità di polizia o l'autorità giudiziaria nella raccolta di prove decisive per l'individuazione o la cattura dei concorrenti, la pena dell'ergastolo è sostituita da quella della reclusione da dodici a venti anni e le altre pene sono diminuite da un terzo a due terzi. Quando ricorre una circostanza attenuante, alla pena prevista dal secondo comma è sostituita la reclusione da venti a ventiquattro anni; alla pena prevista dal terzo comma è sostituita la reclusione da ventiquattro a trenta anni. Se concorrono più circostanze attenuanti, la pena da applicare per effetto delle diminuzioni non può essere inferiore a dieci anni, nell'ipotesi prevista dal secondo comma, ed a quindici anni, nell'ipotesi prevista dal terzo comma. I limiti di pena preveduti nel comma precedente possono essere superati allorché ricorrono le circostanze attenuanti di cui al quinto comma del presente articolo”.

[39] Foram editados, com esse objetivo, em 15 de janeiro de 2016, o Decreto Legislativo nº 7 (Disposizioni in matéria di abrogazione di reati e introduzione di illeciti con sanzioni pecuniare civile) e o Decreto Legislativo nº 8 (Disposizioni in materia di depenalizzazione).

[40] Depenalizzazione e Decriminalizzazione. Analisi ragionata dei Decreti Legislativi nn. 7 e 8 del 15 gennaio 2016. Romagna: Maggioli Editore, 2016, p. 21.

[41] FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. Notas sobre a Lei nº 8.072/90. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 317

[42] Cf. JESUS, Damásio E. de. O prêmio à delação nos crimes hediondos. In: Boletim do Instituto de Ciências Criminais, nº 5, junho de 1993.

[43] CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 162-163.

[44] Eis o teor dos preceitos: “art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso”; e “art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”.

[45] Cf. DE MORAIS, Flaviane de Magalhães Barros Bolzan e BONACCORSI, Daniela Villani. A colaboração por meio do acordo de leniência e seus impactos junto ao processo penal brasileiro – um estudo a partir da “Operação Lava Jato”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 122, set.-out./2016, p. 93 e ss.

[46] Na sistemática da Lei nº 9.605/1998, a transação, nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, deve ser antecedida de prévia reparação do dano ambiental, conforme dispõe o seu art. 27.

[47] O curioso é que o Presidente da República sancionou a Lei nº 8.069/1990, incluindo o seu art. 211, e poucos meses depois vetou o § 3º do art. 82 da Lei nº 8.078/1990, que previa o compromisso de ajustamento de conduta para a defesa dos interesses transindividuais dos consumidores, sob o argumento de que esse compromisso não poderia configurar título executivo extrajudicial. Afinal, não visava à entrega de coisa certa ou pagamento de quantia fixa, mas, sim, à cessação ou à prática de determinada conduta. A tese, à época, não era propriamente absurda, em razão da resistência a que obrigações de fazer pudessem figurar em títulos executivos extrajudiciais. Apesar disso, o Chefe do Poder Executivo não vetou o art. 113 da Lei nº 8.078/1990, que introduziu o referido compromisso na Lei nº 7.347/1985, o que, por força do art. 90 da Lei nº 8.078/1990 (“Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições”), tornou-o aplicável à proteção dos consumidores. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Compromisso de ajustamento de conduta: evolução e fragilidades e atuação do Ministério Público. In: Revista de Direito Ambiental, vol. 41, jan.-mar./2006, p. 93 e ss.

[48] A Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas decorrentes de atividades lesivas ao meio ambiente, autorizou, em seu art. 79-A, que os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA celebrem termo de compromisso.

[49] Nesse sentido: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 328; e BUGALHO, Nelson Roberto. Instrumentos de controle extraprocessual: aspectos relevantes do inquérito civil público, do compromisso de ajustamento de conduta e da recomendação em matéria de proteção do meio ambiente. In: Revista de Direito Ambiental, vol. 37, jan.-mar./2005, p. 96 e ss.

[50] Cf. GARCIA, Emerson. Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime Jurídico. 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 457.

[51] O Fundo de Defesa de Direitos Difusos foi inicialmente regulamentado pelo Decreto nº 92.302/1986, alterado pelo Decreto nº 96.617/1988 e posteriormente revogado pelo Decreto nº 1.306/1994. A Lei nº 9.008/1995 criou, na estrutura do Ministério da Justiça, o Conselho Federal a que se refere o art. 13 da Lei nº 7.347/1985, e dispôs sobre a origem das receitas do fundo e suas finalidades. Dentre as fontes de receitas previstas no art. 2º da Lei nº 9.008/1995, não há referência expressa àquelas associadas aos compromissos de ajustamento de conduta. Apesar disso, a doutrina, corretamente, tem se posicionado nesse sentido. Afinal, a funcionalidade dessas receitas há de ser a mesma daquelas decorrentes de condenação judicial, daí a razão de convergirem para o mesmo Fundo. Vide: MILARÉ, Édis, SETZER, Joana e CASTANHO, Renata. O Compromisso de Ajustamento de Conduta e o Fundo de Defesa de Direitos Difusos. In: Revista de Direito Ambiental, vol. 38, abr.-jun./2005, p. 9 e ss.

[52] O STJ considerou ilegal o termo de ajustamento de conduta em que foi pactuada obrigação de dar diversa da entrega de recursos ao fundo a que se refere o art. 13 da Lei n. 7.347/1985: 1ª T., REsp nº 802.060/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. em 17/12/2009, DJe de 22/02/2010.

[53] Nesse sentido: MAZZILLI. Compromisso..., p. 93 e ss. Em sentido contrário: BUGALHO. Instrumentos..., p. 96 e ss.

[54] Nélson Roberto Bugalho alerta que a impossibilidade de serem realizadas concessões que possam comprometer a integridade do bem jurídico tutelado não afasta a necessidade de serem protegidos outros bens e valores de indiscutível relevância para a coletividade (Instrumentos..., p. 96 e ss.). É o que ocorre, por exemplo, na tensão dialética entre proteção ao meio ambiente e geração de empregos. Portanto, sem tergiversar na proteção ao interesse transindividual, as medidas a serem adotadas devem gerar a menor lesividade possível a outros interesses de indiscutível relevância.

[55] Nesse sentido: MILARÉ, SETZER e CASTANHO. O Compromisso..., p. 9 e ss.

[56] O CPC/2015, em seu art. 785, admite, expressamente, a opção pelo processo de conhecimento quando a parte já dispuser do título executivo extrajudicial. Não haverá que se falar, portanto, em falta de interesse processual, como já defendido (vide: MAZZILLI. Compromisso..., p. 93 e ss.).

[57] Nesse sentido: STJ, 2ª T., REsp. nº 265.300/MG , rel. Min. Humberto Martins, j. em 21/09/2006, DJ de 02/10/2006. Esse Tribunal, aliás, já entendeu ser possível o ajuizamento de ação popular para impugnar acordo judicial, celebrado pelo Ministério Público no curso de ação civil pública, que se entendeu lesivo ao patrimônio público: 1ª T., REsp nº 450.431/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. em 18/09/2003, DJU de 20/10/2003.

[58] DE MORAIS e BONACCORSI. A colaboração por meio do acordo de leniência... In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 122, set.-out./2016, p. 93 e ss.

[59] Cf. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Acordos de leniência – evolução do instituto na legislação brasileira p abrangência, legalidade e atualidade da Med. Prov. 703/2015 – parecer. In Revista dos Tribunais, vol. 967, maio/2016, p. 367 e ss.

[60] O Combate à Corrupção no Brasil: a Responsabilidade Ética e Moral do Supremo Tribunal Federal na sua Desarticulação, in Revista Brasileira de Direito Constitucional nº 10, julho/dezembro de 2007, p. 383 e ss; e Improbidade Administrativa..., p. 620 e ss.

[61] Essa espécie de ato de improbidade está previsto no art. 10-A da Lei nº 8.429/1992, introduzido pela Lei Complementar nº 157/2016, com entrada em vigor em 31 de dezembro de 2017.

[62] No mesmo sentido: NEIVA, José Antonio Lisboa. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2005, p. 26; MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 52; SARMENTO, George. Improbidade Administrativa. Porto Alegre: Editora Síntese, 2002, p. 192; MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de Improbidade. Comentários e Anotações Jurisprudenciais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003, p. 3; OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Adminsitrativa. Observações sobre a Lei 9.429/1992. 2ª ed. Porto Alegre: Editora Síntese, 1998, p. 217-224; PAZAGLINI FILHO, Marino et alii. Improbidade Administrativa, Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 1999, p. 135; PAZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 115; DOS SANTOS, Carlos Frederico Brito. Improbidade Administrativa, Reflexões sobre a Lei nº 8.429/1992. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 1; FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa, Comentários à Lei 8.429/1992 e Legislação Complementar. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 87; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 255; DELGADO, José Augusto. Improbidade Administrativa: Algumas Controvérsias Doutrinárias e Jurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa”. In Improbidade Administrativa, Questões Polêmicas e Atuais, org. por Cássio Scarpinelle Bueno et alii. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 211; FERRAZ, Sérgio. Aspectos Processuais na Lei sobre Improbidade Administrativa. In Improbidade Administrativa, Questões Polêmicas e Atuais, org. por Cássio Scarpinelle Bueno et alii. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 370; DE CASTRO, José Nilo. Improbidade Administrativa Municipal. In Caderno de Direito Municipal nº 8/2000, p. 82; COMPARATO, Fábio Konder. Ações de Improbidade Administrativa. In Revista Trimestral de Direito Público nº 26, p. 153. GIACOMUZZI, José Guilherme. A Moralidade Administrativa e a Boa-fé da Administração Pública, o conteúdo dogmático da moralidade administrativa. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 179; TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. Discricionariedade Administrativa, Ação de Improbidade & Controle Principiológico. Curitiba: Editora Juruá, 2004, p. 134-136; Idem. A Eficácia Social da Atuação do Ministério Público no Combate à Improbidade Administrativa. In Revista de Direito Administrativo, vol. 227, p. 253; ROTHENBURG, Walter Claudius. Ação por Improbidade Administrativa: Aspectos de Relevo. In Improbidade Administrativa, 10 anos da Lei nº 8.429/1992, org. por José Adércio Leite Sampaio et alii. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002, p. 462-466; TERÇAROLLI, Carlos Eduardo. Improbidade Administrativa no Exercício das Funções do Ministério Público. Curitiba: Juruá Editora, 2002, p. 75; DE TOLOSA FILHO, Benedicto. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 42-46 e 134.

[63] CR/1988, art. 5º, XXXIX.

[64] A favor, de lege ferenda, da utilização do instituto da transação para os atos de improbidade administrativa de menor potencial ofensivo, vide: ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 2ª parte. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 911-914.

[65] Também se posicionando em sentido contrário à utilização da colaboração premiada no âmbito da improbidade administrativa, mas admitindo a utilização dos elementos probatórios obtidos em outras instâncias de responsabilização, vide: ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa..., p. 914-916.

[66] Mesmo aqueles que advogam a contemporânea mitigação do princípio da legalidade administrativa ou “vinculação negativa à lei formal”, de modo a permitir a incidência da consensualidade, no direito sancionador, mesmo que inexista norma legal específica autorizando-a, mas apenas norma infralegal, editada pela própria Administração, ressalvam os “casos de expressa proibição legal, como se verifica com a lei de improbidade administrativa”. Cf. DE PALMA, Juliana Bonacorsi. Sanção e Acordo na Administração Pública. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 273.

[67] Cf. SANTIAGO NINO, Carlos. Introducción al análisis del derecho. 2ª ed. 13ª reimp. Buenos Aires: Editorial Astrea, 2005, p. 278.

[68] A temática do “silêncio eloquente” (beredtes Schweigen) tem sido objeto de amplos e diversificados estudos na literatura alemã: na interpretação bíblica (vide Jürgen Ebach. Beredtes Schweigen. Exegetisch-Literarische Beobachtungen zu einer kommunicationform in biblischen Texten. Deutschland: Gütersloher Verlagshaus, 2014); na arte (vide Stefan Greif. Die malerei kann ein sehr beredtes Schweigen haben: Beschreibungskunst und Bildästhetik der Dickter. Deutschland: Fink, 1999); na técnica literária (vide Uwe Ruberg. Beredtes Schweigen: In Lehrhafter und erzählender Deutscher Literatur des Mittelalters. Deutschland: Fink, 1978); e Stefan Krammer. “redest nicht von Schweigen...” zu Einer semiotik des Schweigens in dramatischen werk Thomas Bernards. Würzburg: Köngshansen & Neumann, 2003, principalmente p. 31 e ss.); no Direito (Stefhan Madaus. Der Insolvenzplan: von seiner dogmatische deutune als vertrag und seiner fortentwicklung in eine Bestätigungsinsolvenz. Tübingen: Mohr Siebeck, 2011, principalmente p. 248 e s.) etc.    

[69] Cf. ROCHA, Jean-Paul Veiga da. Quem tem medo da delegação legislativa?. In: Revista de Direito Administrativo, nº 271, maio-ago./2017, p. 193 e ss.

[70] STJ, 3ª Seção, MS nº 13.099/DF, rel. Min. Laurita Vaz, j. em 08/02/2012, DJ de 24/02/2012; 2º Turma, MS nº 14.504/DF, rel. Min. Jorge Mussi, j. em 14/08/2013, DJ de 20/08/2013; 2ª Turma, REsp. nº 129.7021/PR, rel. Min. Eliana Calmon, j. em 12/11/2013, DJ de 20/11/2013; 1ª Turma, AgRg. no AREsp. nº 296.593 / SC, rel. Min. Arnaldo Esteves, j. em 04/02/2014, DJ de 11/02/2014; 2ª Turma, REsp. nº 123.0168 / PR, rel. Min. Humberto Martins, j. em 04/11/2014, DJ de 14/11/2014; e 2ª Turma, AgRg. no MS nº 15317 / DF, rel. Min. Herman Benjamin, j. em 24/05/2017, DJ em 30/06/2017.


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