conamp

Lei Complementar nº 178/2021: alterações no Regime de Recuperação Fiscal e no cômputo das despesas com aposentados e pensionistas

Sumário: I. Aspectos introdutórios. II. O art. 2º, § 1º, V, da Lei Complementar nº 159/2017 e o art. 15, § 2º, do Decreto Federal nº 10.681/2021; III. O art. 8º da Lei Complementar nº 159/2017; IV. O art. 20, § 7º, da Lei Complementar nº 101/2000; Epílogo.

I. Aspectos introdutórios

            1. A Lei Complementar nº 159/2017 instituiu o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal, buscando estabelecer os balizamentos da ação integrada entre as estruturas de poder do respectivo ente federativo, sob supervisão da União, com o objetivo de corrigir os desvios que afetaram o equilíbrio das contas públicas.

            2. Para que o Estado possa aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, é necessária a elaboração de um Plano de Recuperação Fiscal, que deve identificar a situação de desequilíbrio financeiro e as medidas de ajuste direcionadas à sua superação. A estruturação do Plano, nos moldes originais da Lei Complementar nº 159/2017, já impunha severas restrições à autonomia de gestão do ente federativo aderente, o que buscava amparo em uma pseudovoluntariedade na adesão, ausente ao lembrarmos que ato dessa natureza está normalmente associado a um autêntico colapso financeiro. Essas restrições foram drasticamente ampliadas pela Lei Complementar nº 178/2021, que modificou a Lei Complementar nº 159/2017. Novas alterações foram introduzidas pela Lei Complementar nº 181, de 6 de maio de 2021. O novo regime, aquele moldado pela Lei Complementar nº 178/2021, veio a ser regulamentado pelo Decreto n. 10.681, de 20 de abril de 2021, embora não seja demais lembrar que o seu art. 50 dispõe que "o Estado com Regime de Recuperação Fiscal que se encontrava vigente em 31 de agosto de 2020 e que estiver vigente na data de publicação deste Decreto obedecerá às regras estabelecidas no Decreto nº 9.109, de 27 de julho de 2017".

            3. O Plano de Recuperação Fiscal pressupõe a solicitação de informações aos demais Poderes e órgãos autônomos, pelo Poder Executivo estadual, “segundo os prazos definidos pela Secretaria do Tesouro Nacional” (art. 4º, § 1º). Concluída a sua elaboração, o Chefe do Poder Executivo lhes “dará ciência” (art. 4º, § 3º, I). Ao aderir ao regime de recuperação fiscal, direcionado a todos os Poderes, aos órgãos, às entidades e aos fundos do Estado, opera-se o comprometimento de todos com as metas e compromissos fiscais veiculados na Lei Complementar nº 159/2017. Além de a própria estrutura sistêmica deste diploma normativo já ser suficiente para amparar a conclusão, o § 1º do art. 8º, verdadeiro centro nervoso das restrições existentes, dispõe que “o Regime de Recuperação Fiscal impõe as restrições de que trata o caput deste artigo a todos os Poderes, aos órgãos, às entidades e aos fundos do Estado”.

            4. O Plano deve ser formado por leis ou atos normativos (rectius: regulamentos), que implementarão as medidas descritas no art. 2º da Lei Complementar nº 159/2017. Em apertada síntese, essas medidas acarretam (a) a alienação, a extinção ou a concessão de serviços de empresas públicas e sociedades de economia mista; (b) o nivelamento de benefícios e vantagens do regime jurídico dos servidores e do regime próprio de previdência aos congêneres da União; (c) a redução dos benefícios fiscais; (d) a contenção do crescimento das despesas primárias (rectius: despesas não financeiras) à variação do IPCA; (e) a realização de leilões de pagamento da dívida; (f) a centralização da gestão financeira da Administração direta e indireta no Poder Executivo; e (g) a instituição de regime de previdência complementar para os servidores públicos, que somente será obrigatório para aqueles que ingressaram no serviço público, até a sua instituição, caso assim optem. Essas medidas apresentam contornos estruturais e se mostram compatíveis com um plano de saneamento econômico-financeiro.

            5. O prazo de vigência do Regime de Recuperação Fiscal foi inicialmente estabelecido em 36 (trinta e seis meses), prorrogável por igual período (redação original do art. 2º, § 2º), o que veio a ser ampliado para 9 (nove) exercícios financeiros. Esse aspecto torna-se particularmente relevante para se compreender o efeito a ser produzido pela implementação das restrições impostas pela lei.

            6. Também merece destaque a figura do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal, órgão do Ministério da Economia (art. 4º-A, II, b), composto por técnicos (art. 6º, caput), que contará com um membro indicado pelo Estado (art. 4º, IV) e que deve se manifestar sobre o Plano (art. 5º, § 1º, III) e suas alterações (art. 5º, § 2º). Entre suas atribuições, tal qual referidas no art. 7º, está a de “analisar e aprovar previamente a compensação prevista no inciso I do § 2º do art. 8º”, preceito este direcionado às vedações afetas ao regime de pessoal. Até a Lei Complementar nº 178/2021, a compensação, enquanto ato de gestão e projeção da autonomia política do respectivo Estado, era analisada a posteriori.  O Conselho é composto por três membros, sendo um do Estado em recuperação (art. 6º, § 1º), deliberando pela maioria simples de seus membros (art. 7º, § 4º), o que tende a consagrar a hegemonia do juízo de valor dos técnicos da União.

            7. O não envio das informações solicitadas pelo Conselho de Supervisão, além daquelas a serem encaminhadas mensamente, nos termos do art. 7º-D, e a não observância do art. 8º, inclusive com a aprovação de leis locais que dele destoem, ponto nevrálgico das restrições impostas aos servidores públicos, configuram inadimplência com as obrigações do Plano (art. 7º-B, I e IV). A inobservância do art. 8º não estará caracterizada se o Conselho de Supervisão concluir, “nos termos do regulamento”, que “foram revogados leis ou atos vedados no art. 8º, ou foi suspensa a sua eficácia, no caso das inadimplências previstas no inciso IV” (art. 7º-B, § 4º, II). Portanto, uma maioria formada por dois técnicos realizará juízos de valor que culminarão com consequências dessa magnitude, acrescendo-se que sua avaliação será direcionada pelos critérios definidos em regulamento, não em lei. As consequências para o inadimplemento estão previstas no art. 7º-C, acarretando a vedação de contratação de operações de crédito; o afastamento da eficácia da cláusula que afaste a incidência das vedações do art. 8º, eventualmente inserida no Plano de Recuperação Fiscal; e a redução percentual, em caráter permanente, do desconto nos débitos para com a União e do valor das prestações de operações de crédito a serem pagas por este ente federativo em nome do Estado.

            8. A partir dessa visão de ordem propedêutica da Lei Complementar nº 159/2017, cumpre analisar de maneira mais detida o seus arts. 2º, § 1º, V e 8º, bem como o § 7º do art. 20 da Lei Complementar nº 101/2000, ambos com a redação dada pela Lei Complementar nº 178/2021, que os alterou. A análise, embora apresente contornos objetivos, é diretamente influenciada pela situação jurídica do Estado do Rio de Janeiro, único, até o momento, a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, tanto ao modelo inicial, regido pelos contornos originários da Lei Complementar nº 159/2017, nele permanecendo pelo prazo de trinta e seis meses, como àquele regido pela Lei Complementar nº 178/2021, já que em junho de 2021 foi formulado o respectivo requerimento de adesão.

II. O art. 2º, § 1º, V, da Lei Complementar nº 159/2017 e o art. 15, § 2º, do Decreto Federal nº 10.681/2021

            9. O Plano de Recuperação Fiscal, cuja elaboração é requisito imprescindível à adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, deve ser integrado por padrões normativos que busquem implementar as medidas elencadas nos incisos do art. 2º da Lei Complementar nº 159/2017. Entre essas medidas está prevista, no inciso V do § 1º, “a instituição de regras e mecanismos para limitar o crescimento anual das despesas primárias à variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)”.

            10. Despesas primárias, como é de sabença geral, são aquelas de natureza não financeira, realizadas para a manutenção das funções públicas e dos serviços públicos oferecidos à coletividade. Abrangem as despesas com pessoal, os encargos sociais, as transferências, as inversões e os investimentos. Não dizem respeito, portanto, ao pagamento de empréstimos e de financiamentos, enquadrados sob a epígrafe das despesas financeiras (v.g.: juros da dívida pública; programas governamentais lastreados na concessão de subsídios etc.). Da diferença entre receita primária, obtida a partir da atividade fiscal, e despesa primária, obtém-se o resultado primário, daí decorrendo a possibilidade de termos superávit primário ou déficit primário.

            11. O art. 15, § 2º, do Decreto Federal nº 10.681/2021, ao alegadamente “regulamentar” o art. 2º, § 1º, V, da Lei Complementar nº 159/2017, dispôs que “consideram-se como despesas primárias, para fins de definição da base de cálculo e de avaliação quanto ao cumprimento da medida de limitação de despesas previstas no inciso V do § 1º do art. 2º da Lei Complementar nº 159, de 2017, os gastos necessários para prestação dos serviços públicos à sociedade, desconsiderados o pagamento dos passivos definidos em ato da Secretaria do Tesouro Nacional da Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia”. Ora, ao conferir plena liberdade decisória à Secretaria do Tesouro Nacional para definir que passivos podem ser, ou não, enquadrados sob a epígrafe das despesas primárias, o Decreto não só criou uma competência não prevista na lei complementar, como promoveu uma delegação legislativa que sequer o Poder Legislativo estaria habilitado a realizar.

12. A delegação legislativa afronta o disposto no art. 48, caput, da Constituição de 1988, que atribui ao Congresso Nacional a competência para legislar sobre as matérias de competência da União. O conceito de despesa pública é matéria afeta à lei complementar, conforme exige o art. 163, I, dizendo respeito às finanças públicas. O art. 15, § 2º, do Decreto Federal nº 10.681/2021 permite que o Secretário do Tesouro delimite o alcance de um instituto jurídico, in casu, com reflexos diretos no montante passível de ser gasto com os serviços públicos que podem ser prestados à população. O passivo a ser excluído alcançará apenas a dívida fundada (rectius: obrigações para amortização com prazo superior a doze meses) ou se estenderá à dívida flutuante (rectius: obrigações a serem saldadas em prazo inferior a doze meses)? Neste último caso, compreenderá os restos a pagar não liquidados ou apenas os liquidados? Essa matéria, à evidência, não deve ser situada na esfera de um regulamento de segunda ordem.

13. O art. 15, § 2º, do Decreto Federal nº 10.681/2021, longe de regulamentar o art. 2º, § 1º, V, da Lei Complementar nº 159/2017, inova na ordem jurídica, o que torna possível a sua submissão ao controle concentrado de constitucionalidade, não só por afrontar as competências próprias do Poder Legislativo, como por avançar em matéria afeta à lei complementar e ainda desbordar da ratio essendi do art. 84, IV, da Constituição de 1988, que confere ao Presidente da República competência para editar decretos visando à fiel execução das leis. O Supremo Tribunal Federal, aliás, há muito tem reconhecido que o decreto de contorno autônomo e abstrato pode ser impugnado via ação direta de inconstitucionalidade (STF, Pleno, ADI-MC nº 1.969/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 24/03/1999, DJ de 05/03/2004; e STF, Pleno, ADI-MC nº 2.155/PR, rel. Min. Sydney Sanches, j. em 15/02/2001, DJ de 01/06/2001).

III. O art. 8º da Lei Complementar nº 159/2017

14. Os servidores públicos do Estado do Rio de Janeiro, todos alcançados pelas vedações do art. 8º por um triênio, podem continuar a sê-lo por mais nove anos. A essa constatação, soma-se outra: a dívida do Estado do Rio de Janeiro, embora possa ter o seu crescimento contido, é insuscetível de ser paga, considerando a proporção que apresenta em relação à receita arrecadada. Com isso, surge a inevitável constatação de que novas adesões podem ocorrer no futuro. Esse quadro alcança proporções alarmantes em razão de três constatações fundamentais: (1ª) o endividamento do Estado do Rio de Janeiro está umbilicalmente conectado a decisões políticas equivocadas e à macrocriminalidade que se instalou no alto escalão do poder por mais de uma década; (2ª) os servidores públicos são vítimas, não algozes, ao que se soma a constatação de que sua atuação é imprescindível à satisfação dos interesses da coletividade; (3ª) a lógica privatista não se ajusta aos interesses do Estado, que não pode simplesmente estrangular financeiramente seus recursos humanos e, no limite, cerrar as portas. Eis o teor do Art. 8º da Lei Complementar nº 159/2017, verbis:

Art. 8o São vedados ao Estado durante a vigência do Regime de Recuperação Fiscal:

I - a concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros dos Poderes ou de órgãos, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto aqueles provenientes de sentença judicial transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição Federal;

II - a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

III - a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;

IV - a admissão ou a contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de:    (Redação dada pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

a) cargos de chefia e de direção e assessoramento que não acarretem aumento de despesa;    (Incluída pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

b) contratação temporária; e   (Incluída pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

c) (VETADO);    (Incluída pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

Redação anterior do inc. IV: “a admissão ou a contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e aquelas decorrentes de vacância de cargo efetivo ou vitalício”.

V - a realização de concurso público, ressalvada a hipótese de reposição prevista na alínea ‘c’ do inciso IV;   (Redação dada pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

Redação anterior do inc. V: “a realização de concurso público, ressalvadas as hipóteses de reposição de vacância.”

VI - a criação, majoração, reajuste ou adequação de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios remuneratórios de qualquer natureza, inclusive indenizatória, em favor de membros dos Poderes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, de servidores e empregados públicos e de militares;    (Redação dada pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

Redação anterior do inc. VI: “a criação ou a majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza em favor de membros dos Poderes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, de servidores e empregados públicos e de militares.”

VII - a criação de despesa obrigatória de caráter continuado;

VIII - a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória;    (Redação dada pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

Redação anterior do inc. VIII: “a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), ou de outro que vier a substituí-lo, ou da variação anual da receita corrente líquida apurada na forma do inciso IV do caput do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, o que for menor.”

IX - a concessão, a prorrogação, a renovação ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, ressalvados os concedidos nos termos da alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal;     (Redação dada pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

Redação anterior do inc. IX: “a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita, ressalvados os concedidos nos termos da alínea “g” do inciso XII do § 2o do art. 155 da Constituição Federal.”

X - o empenho ou a contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação e outras de demonstrada utilidade pública;    (Redação dada pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

Redação anterior do inc. X: “o empenho ou a contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação no trânsito e outras de demonstrada utilidade pública”.

XI - a celebração de convênio, acordo, ajuste ou outros tipos de instrumentos que envolvam a transferência de recursos para outros entes federativos ou para organizações da sociedade civil, ressalvados:

a) aqueles necessários para a efetiva recuperação fiscal;

b) as renovações de instrumentos já vigentes no momento da adesão ao Regime de Recuperação Fiscal;

c) aqueles decorrentes de parcerias com organizações sociais e que impliquem redução de despesa, comprovada pelo Conselho de Supervisão de que trata o art. 6o;

d) aqueles destinados a serviços essenciais, a situações emergenciais, a atividades de assistência social relativas a ações voltadas para pessoas com deficiência, idosos e mulheres jovens em situação de risco e, suplementarmente, ao cumprimento de limites constitucionais;

XII - a contratação de operações de crédito e o recebimento ou a concessão de garantia, ressalvadas aquelas autorizadas no âmbito do Regime de Recuperação Fiscal, na forma estabelecida pelo art. 11.

XIII - a alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique redução da arrecadação;   (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

XIV - a criação ou majoração de vinculação de receitas públicas de qualquer natureza;    (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

XV - a propositura de ação judicial para discutir a dívida ou o contrato citados nos incisos I e II do art. 9º;    (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

XVI - a vinculação de receitas de impostos em áreas diversas das previstas na Constituição Federal.    (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

Redação anterior do parágrafo único: “o Regime de Recuperação Fiscal impõe as restrições de que trata o caput deste artigo a todos os Poderes, aos órgãos, às entidades e aos fundos do Estado.”

Redação anterior do § 2º: “as vedações previstas neste artigo, desde que expressamente previsto no Plano, poderão ser, a partir do quarto exercício de vigência do Regime:   (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

I - objeto de compensação; ou   (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

II – afastadas, desde que previsto expressamente no Plano de Recuperação Fiscal em vigor.        (Redação dada pela Lei Complementar nº 181, de 2021)

 

Redação anterior do inc. II: “excepcionalmente ressalvadas”.    (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

I - com impactos financeiros iguais ou superiores ao da vedação descumprida; e   (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

II - adotadas no mesmo Poder ou no Tribunal de Contas, no Ministério Público e na Defensoria Pública.   (Incluído pela Lei Complementar nº 178, de 2021)

15. A respeito desse preceito, podem ser apresentadas observações direcionadas aos problemas a serem enfrentados na gestão administrativa, conforme a natureza da vedação estabelecida. Desde logo, observa-se que alguns preceitos são direcionados ao legislador, obstando a edição de leis implementando as medidas vedadas, enquanto outros são direcionados ao administrador, o que, em certas situações, resulta na vedação à aplicação de leis preexistentes.

15. 1. A concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros dos Poderes ou de órgãos, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto aqueles provenientes de sentença judicial transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso X do caput do art. 37 da Constituição Federal;

 

15.1.1. O preceito, como se percebe, somente excepciona a sentença judicial transitada em julgado e a revisão geral anual, de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, conforme copiosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Pleno, ADI nº 2.481/RS, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 19/12/2001, DJ de 22/03/2002; e ADI nº 2.492-2, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 19/12/2001, DJ de 06/02/2002), expressamente assegurada pela ordem constitucional (CR/1988, 37, X). O direito à revisão, no entanto, tem sido mais simbólico que real, tamanha a raridade com que é realizada. Curiosamente, foi suprimida a possível existência de determinação legal anterior à adesão ao regime, no que se distanciou do símile do inc. I do art. 8º da Lei Complementar nº 173/2020, esta última afeta ao período em que estiver em vigor a calamidade pública decorrente da pandemia de covid, conforme previsto no art. 65 da Lei Complementar nº 101/2000.

            15.1.2. Direitos decorrentes de lei preexistente, ainda que os respectivos requisitos sejam preenchidos durante a vigência do regime de recuperação fiscal, não configuram a criação de despesa obrigatória de caráter continuado, vedada pelo inciso VII do art. 8º, já que tão somente implementam despesa já prevista na legislação de regência, não criando-a; e não resultam no reajuste de despesa obrigatória, o que atrairia a vedação do inciso VIII do art. 8º.

            15.1.3. Acresça-se que a Administração Pública, por ser regida pela concepção de juridicidade, deve realizar um controle interno de caráter contínuo, anulando ou corrigindo atos ou omissões que se distanciem desse referencial. A partir dessa premissa, conclui-se que a correção de entendimento anterior, que afrontava a juridicidade, não é propriamente uma faculdade da Administração Pública, mas um dever, ainda que daí decorra algum reflexo na contraprestação estipendial paga aos agentes públicos. Nessa situação, o aumento, se for o caso, decorreria de determinação legal anterior.

                             

15.2. A criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;

           

            15.2.1. O inc. II do art. 8º, a exemplo dos incisos I e III, não impedem a criação, o desmembramento ou a transformação de cargos ou estruturas orgânicas. A única exigência é a de que não haja aumento de despesa.

15.3. A alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa.

            15.3.1. Em rigor lógico, trata-se de vedação direcionada ao legislador.

15.4. A admissão ou a contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de: a) cargos de chefia e de direção e assessoramento que não acarretem aumento de despesa; b) contratação temporária; e c) (VETADO); 

 

            15.4.1. O inciso IV do art. 8º, em sua primeira parte, veda a admissão de pessoal a qualquer título, o que inclui os cargos de provimento efetivo e os cargos em comissão, destinando-se os últimos, nos termos do art. 37, V, da Constituição de 1988, “às atribuições de direção, chefia e assessoramento”. Em sua segunda parte, estabelece as exceções, permitindo apenas (a) as reposições dos cargos em comissão que não acarretem aumento de despesa; e (b) as contratações temporárias de que trata o art. 37, IX, da Constituição de 1988. Essa redação resultou das aterações promovidas pela Lei Complementar nº 178/2021. A alínea c, objeto de veto, permitia a admissão de pessoal na hipótese de “vacância de cargo efetivo ou vitalício”, no que se alinhava ao inciso V, que permite a realização de concurso público com esse objetivo. Em razão do veto à alínea c do inc. IV, a exceção do inciso V foi esvaziada.

   15.4.2. Lê-se, nas razões de veto, que:

“A propositura legislativa indica, como exceção ao rol das vedações ao Estado durante a vigência do Regime de Recuperação Fiscal, a possibilidade de admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, salvo para reposição de cargos de chefia e direção e assessoramento que não acarretem aumento de despesa, contratação temporária, e vacância de cargo efetivo ou vitalício.

Entretanto, contraria interesse público ao desmembrar a possibilidade em alíneas, pois  possibilita que sejam admitidas ou contratadas reposições de pessoal para o caso de vacância de cargo efetivo ou vitalício mesmo que acarretem aumento de despesa, tendo em vista que não foi definida a data base para calcular o estoque de vacâncias que deve ser reposto, abrindo margem para aquelas anteriores ao ingresso ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o que poderia aumentar as contratações no RRF, considerando cargos que foram vagos ao longo das últimas décadas, aumentando-se, assim, as despesas com pessoal, que correspondem à maior parte das despesas correntes dos Estados.

Ressalta-se, que o veto não é impedimento absoluto para a contratação de pessoal para reposição de vacância de cargo efetivo ou vitalício, uma vez que o § 2º do mesmo artigo dispõe que as vedações, desde que expressamente previstas no plano, poderão ser excepcionalmente ressalvadas, a partir do 4º exercício de vigência, sendo que ato do Ministro de Estado da Economia disciplinará a aplicação do referido dispositivo.” 

            15.4.3. Com a vênia possível, trata-se do absurdo inominado. A tese de que deveria ser definida “a data base para calcular o estoque de vacâncias que deve ser reposto”, de modo a evitar a reposição daquelas anteriores ao ingresso no Regime de Recuperação Fiscal, chega a ser inusitada. Como se os entes federativos tivessem estocados, há décadas, milhares de cargos de provimento efetivo vagos para que, com a criação futura do regime de recuperação fiscal, tivessem a oportunidade de provê-los, fugindo, em consequência, das amarras a serem impostas pela ordem jurídica. A análise possível é a relevância do cargo para a qualidade do serviço, não o momento da vacância.

15.4.4. O § 2º do art. 8º, em sua redação original, permitia, a partir do quarto ano de vigência do regime, a admissão de pessoal que fora vedada pelo inciso IV do art. 8º, desde que estivesse expressamente prevista no Plano de Recuperação Fiscal. Esse preceito foi alterado pela Lei Complementar nº 181/2021, sendo suprimido o limitador temporal. Mesmo assim, é curiosa a simplicidade com que se afirmou, nas razões de veto, que ato de auxiliar imediato do Chefe do Poder Executivo Federal irá disciplinar se e como funções e serviços públicos estaduais terão continuidade. Caso Sua Excelência, o Ministro da Economia, entenda que o melhor a fazer é fechar escolas, postos de saúde, fóruns, promotorias de justiça, batalhões e delegacias, consequência inevitável ante a falta de servidores, o que certamente trará grande economia para o Estado, somente restará à população fluminense sucumbir, se possível em silêncio ou, mesmo que grite, tal dificilmente será escutado na Esplanada dos Ministérios. É difícil imaginar exemplo mais eloquente de afronta ao princípio democrático (CRFB/1988, art. 1º, caput), à dignidade da pessoa humana (CRFB/1988, art. 1º, III) e à autonomia política dos entes federativos (art. 18, caput).

15.4.5. Um agente não eleito decidirá se serão, ou não, preenchidos os cargos públicos de provimento efetivo que se encontram vagos, com abstração das atribuições que devem exercer e dos interesses que devem atender, por mais prioritários que sejam, a exemplo daqueles afetos a crianças, adolescentes e jovens (CRFB/1988, art. 227, caput). A teoria das garantias institucionais, de larga aplicação no direito germânico, há muito identificou que a consagração de direitos fundamentais é simplesmente esvaziada caso não existam estruturas que os tornem operativos.

            15.4.6. Também não é possível que, em uma federação, o auxiliar imediato do Presidente da República, discipline, da forma melhor lhe aprouver, como as vexatórias medidas a serem impostas aos servidores estaduais por quase uma década poderão ser eventualmente compensadas ou mesmo afastadas, desde que previstas expressamente no Plano de Recuperação Fiscal, conforme autorizam os §§ 2º e 3º do art. 8º.

15.4.7. O § 7º do art. 8º (“Ato do Ministro de Estado da Economia disciplinará a aplicação do disposto nos §§ 2º e 3º”), além de padecer dos vícios já indicados, já que devidamente integrado aos dispositivos a que se refere, ainda caracteriza uma injurídica situação de delegação legislativa, o que afronta a ratio essendi do Poder Legislativo no Estado de Direito.

            15.4.8. A delegação legislativa afronta o disposto no art. 48, caput, da Constituição de 1988, que atribui ao Congresso Nacional a competência para legislar sobre as matérias de competência da União, o que apresenta um alcance sensivelmente mais amplo que a competência do Ministro de Estado para expedir instruções para a execução das leis (CRFB/1988, art. 87, parágrafo único, II). Assim ocorre porque a Lei Complementar nº 178/2021 outorgou ao Ministro de Estado o poder de delimitar o alcance de institutos jurídicos, in casu, com reflexos diretos na definição do próprio montante final da dívida do Estado aderente para com a União. Afinal, uma vez descumpridas as “normas” editadas pelo Ministro, o Estado deixará de cumprir o art. 8º, sendo considerado inadimplente com as obrigações do Plano (art. 7º-B, IV). As consequências, por sua vez, estão previstas no art. 7º-C, entre elas o aumento percentual da dívida em caráter permanente (§§ 1º e 2º), além da aplicação de multa (§ 3º).

            15.4.9. A proscrição da delegação legislativa levou a Constituição de 1988 a dispor, no art. 25 do ADCT, que todas as delegações dessa natureza estavam expressamente revogadas. A prevalecer a anômala sistemática hoje vigente, o Estado aderente, nos dias de hoje apenas o Estado do Rio de Janeiro, deixará de ter gestores e passará a ter um dono, Sua Excelência, o Ministro da Economia. Esse agente terá simplesmente o poder de viabilizar ou de sepultar governos, de criar o caos ou o bem-estar, sempre movido pelos interesses que lhe pareçam adequados, nobres ou não. Para tanto, bastará que permita ou vede, conforme o caso, o preenchimento dos cargos públicos de provimento efetivo. Uma sistemática como essa parece ser incompatível com qualquer arremedo de Estado Democrático de Direito.

            15.4.10. Ainda é importante ressaltar que as exceções previstas no inciso IV do art. 8º somente permitem a reposição, o que significa dizer que, em se tratando de cargos em comissão ou de empregos temporários que jamais foram providos, de reposição não se poderá falar. O cargo público, ademais, pode ser criado originariamente pela lei ou, em certas situações, decorrer de transformação administrativa. Neste último caso, a ocupação do cargo anterior permite que se fale em reposição do cargo transformado. Mesmo que a vacância se estenda por longo lapso temporal, o só fato de o cargo já ter sido ocupado em dado momento de sua existência atrairá o conceito de reposição.

            15.4.11. Ainda sob o prisma da reposição, é factível que a realidade é mais pródiga em nuances que a mais fértil imaginação humana. É possível que certas estruturas estatais de poder estejam passando por reestruturações internas, não raro transitando de uma situação de injuridicidade para outra de juridicidade, justamente no período indicado no caput do art. 8º. É o que se verifica, por exemplo, em relação à ruptura com um passado de uso exacerbado de estagiários, de elevado número de servidores cedidos ou de grande quantidade de cargos comissionados. Em situações dessa natureza, caso a transição ocorra justamente no período indicado no caput do art. 8º, não parece minimamente plausível sustentar a necessidade de ser interrrompida. Afinal, a consequência seria a manutenção da injuridicidade ou a própria interrupção da função ou serviço público desenvolvido, em franco prejuízo à coletividade. A ilicitude, aliás, termina por ser estimulada pelo veto da alínea c do inciso IV do art. 8º, já que, para evitar o colapso administrativo, a utilização de cargo em comissão passará a ser uma solução a ser considerada por muitos, ainda que a jusante da juridicidade.

15.4.12. Ainda é importante ressaltar que o inciso IV do art. 8º não estabelece qualquer vedação à cessão de servidores, com ônus para o órgão de origem ou mediante ressarcimento. Assim ocorre, em primeiro lugar, porque essa cessão não pode ser equiparada à admissão de pessoal, já que remanesce o vínculo funcional com o órgão de origem. Além disso, mesmo que a cessão se estenda por mais de um exercício, tendo caráter continuado, não caracteriza uma despesa obrigatória, já que não imposta por ato normativo, o que atrairia a vedação prevista no inciso VII do art. 8º.

15.5. A realização de concurso público, ressalvada a hipótese de reposição prevista na alínea ‘c’ do inciso IV.

  

            15.5.1. Com o veto à alínea c do inc. IV do art. 8º, a eficácia do inciso V foi prejudicada, já que não existe a norma cujo conteúdo deveria integrar.           

15.6. A criação, majoração, reajuste ou adequação de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios remuneratórios de qualquer natureza, inclusive indenizatória, em favor de membros dos Poderes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, de servidores e empregados públicos e de militares.

            15.6.1. Trata-se de desdobramento do inciso I do art. 8º. A relação entre ambos é de acessório e principal.

            15.6.2. O que chama a atenção no preceito é a pretensa equiparação existente entre “benefícios remuneratórios” e “benefícios indenizatórios”: enquanto os primeiros estão ontologicamente direcionados ao acréscimo, os últimos visam à recomposição, a exemplo do que se verifica com diárias e ajudas de custo. Se a recomposição existe justamente para viabilizar o exercício da função, como imaginar que esta última continuará a ser regularmente exercida com a corrosão daquela, que simplesmente deixará de cumprir a sua funcionalidade. Caberá ao servidor público arcar com essas despesas, às suas expensas?

15.7. A criação de despesa obrigatória de caráter continuado.

            15.7.1. Despesa obrigatória de caráter continuado, em conformidade com o art. 17, caput, da Lei Complementar nº 101/2000, é a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que estabeleça a obrigação legal de sua execução por período superior a dois exercícios financeiros.

           

15.8. A adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória.

            15.8.1. Diversamente da redação anterior do preceito, que vedava o reajuste de despesa obrigatória em patamar superior ao IPCA, a atual veda qualquer espécie de reajuste. São despesas de caráter obrigatório, além daquelas afetas às despesas de pessoal e encargos sociais, as que não possam ser reduzidas ad libitum da autoridade máxima da respectiva estrutura de poder, a exemplo de benefícios de assistência social, desonerações e subsídios. Todas, invariavelmente, estarão congeladas por nove anos.

15.9. Não se ignora, é certo, que o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, ao apreciar as ADIs nº 6.447, 6.450, 6.525 e 6.442 (rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento virtual concluído em 12/03/2021), entendeu que a Lei Complementar nº 173/2020 passava ao largo do regime jurídico dos servidores públicos e dispunha apenas sobre finanças públicas, o que atrai a competência legislativa concorrente a que se refere o art. 24, I, da Constituição de 1988 e afasta o alegado vício de iniciativa. Sob o prisma dos vícios materiais, sustentou que a contenção de gastos decorrentes do aumento da despesa com pessoal, durante o período de pandemia, era consentânea com a ordem constitucional. Os incisos I a VIII do art. 8º da Lei Complementar nº 159/2017, conquanto mais rigorosos, são bem similares aos congêneres da Lei Complementar nº 173/2020. Essa constatação, no entanto, não parece por fim ao debate, principalmente ao lembrarmos que a compreensão da intensidade das restrições impostas à esfera jurídica alheia é diretamente influenciada pelo lapso temporal durante o qual irão perdurar. As normas de natureza financeira direcionadas ao combate à pandemia de covid-19 irão perdurar por menos de dois exercícios financeiros, enquanto aquelas afetas ao Regime de Recuperação Fiscal se estenderão por nove exercícios. Em desdobramento, será inevitável que redunde em danos intensos e viscerais àqueles que atuam no serviço público, que se verão alijados de diversos direitos por quase uma década, em evidente afronta aos princípios expressos do Estado de Direito (CRFB/1988, art. 1º, caput) e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), além do princípio implícito da proporcionalidade. Não baste isto, a análise realizada pelo Supremo Tribunal Federal foi primordialmente direcionada às generalidades, não às especificidades de cada preceito de per si, em especial às do art. 8º.

15.10. As vedações a que se referem os incisos IX a XVI do art. 8º estão direcionadas a distintos aspectos da governança administrativa, financeira e tributária. Buscam assegurar a higidez da arrecadação e diminuir o comprometimento da receita, inclusive limitando o seu repasse a particulares. Além disso, é expressamente vedada, no inciso XV, “a propositura de ação judicial para discutir a dívida ou o contrato citados nos incisos I e II do art. 9º”.

           

15.11. O § 2º do art. 8º admite que as vedações veiculadas por esse preceito sejam afastadas em duas hipóteses, que são a existência de compensação ou a previsão expressa no Plano de Recuperação Fiscal. Sem prejuízo dos vícios de inconstitucionalidade que recaem sobre alguns dos comandos do art. 8º, há outro especificamente direcionado ao mecanismo da compensação. Ao tratar desta temática em particular, os §§ 3º a 7º estabeleceram os requisitos a serem observados para a compensação, que deve se dar por ações: (a) com impactos iguais ou superiores ao da vedação descumprida (inc. I do § 3º); (b) adotadas no mesmo Poder ou no Tribunal de Contas, no Ministério Público e na Defensoria Pública (inc. II do § 3º); e (c) que não busquem contornar o aumento de despesa primária obrigatória de caráter continuado com receitas não recorrentes ou extraordinárias (§ 4º).

15.11.1. Com os olhos voltados aos requisitos exigidos para a compensação, constata-se que afronta a lógica e a razão a exigência prevista no inc. II do § 3º, no sentido da compartimentação das respectivas medidas no âmbito do Poder ou órgão autônomo que deu causa à sua adoção. A uma, quem adere ao Regime de Recuperação Fiscal é o ente federativo, a partir de Plano elaborado unilateralmente pelo Poder Executivo, não cada uma das estruturas de per si. A duas, a multa aplicada a uma estrutura, por inadimplência, conforme previsão do § 3º do art. 7º-C, reverte em amortização extraordinária do saldo devedor do Estado, logo, não há razão para que essas estruturas não possam adotar, no pleno exercício de sua autonomia administrativa e financeira, mecanismos de solidariedade entre elas. A três, a solidariedade interinstitucional é muito comum e se mostrou de extrema utilidade durante a pandemia, ocasião em que estruturas de poder, sponte propria, contingenciaram suas despesas, de modo a propiciar a abertura de créditos adicionais, suplementares ou especiais, em prol do Poder Executivo. A quatro, obstar a compensação interinstitucional, além de caminhar em norte contrário à harmonia entre as estruturas de poder, princípio estrutural consagrado no art. 2º da Constituição de 1988, afronta a autonomia política do Estado (art. 18, caput) e, em particular, a autonomia administrativa e financeira de cada estrutura que deseje anuir com a compensação em prol de outra, o que abrange os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (art. 99, caput), bem como o Ministério Público (art. 127, § 2º), a Defensoria Pública (art. 134, § 2º) e o Tribunal de Contas (art. 167-A).

15.11.2. Apesar de os requisitos para a compensação terem sido estatuídos pela própria Lei Complementar nº 159/2017, o § 3º do art. 8º estabeleceu um anômalo “controle prévio” por parte do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal, tendo o § 4º acrescido que tal se daria conforme disciplinado em “ato do Ministro de Estado da Economia”. Ora, o “controle prévio” que se pretende realizar certamente faz boa figura em estruturas hierarquizadas, mas é de todo compatível com a sistemática constitucional afeta à separação dos poderes (art. 2º) e a própria concepção de autonomia política, cuja essência reside na liberdade de determinação do ente federado. Não há liberdade de determinação quando se exige prévia aprovação, por terceiros, do ato a ser praticado. O balizamento há de ser a lei e tão somente ela. Os terceiros, aqui, são a maioria de dois técnicos, em cumprimento às ordens do seu superior o hierárquico, Sua Excelência, o Ministro da Economia. Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade de normas que exigiam a prévia aprovação de atos do Poder Executivo pelo Poder Legislativo, isto apesar de o controle do primeiro ser uma das principais atividades desenvolvidas por este último. Foi o que ocorreu com (a) lei estadual que subordina atos do Executivo à aprovação da Assembleia Legislativa (STF, Pleno, ADI nº 676/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 01/07/1996, DJ de 29/11/1996); (b) a necessidade de aprovação, pelo Legislativo, de licença ambiental concedida pelo Executivo (STF, Pleno, ADI-MC nº 3.252/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 06/04/2005, DJ de 23/10/2008 e Inf. nº 382); e (c) a prévia aprovação, pelo Legislativo, dos presidentes de todas as instituições da Administração Pública a serem nomeados pelo Executivo (STF, Pleno, ADI nº 1.642/MG, rel. Min. Eros Grau, j. em 03/04/2008, DJ de 19/09/2008).

15.11.3. Especificamente em relação à disciplina a ser estabelecida pelo Ministro da Economia com arrimo no § 7º do art. 8º, como já afirmamos, é patente a sua inconstitucionalidade, isto por se tratar de injurídica situação de delegação legislativa, o que afronta a ratio essendi do Poder Legislativo no Estado de Direito. É frontalmente dissonante do disposto no art. 48, caput, da Constituição de 1988, que atribui ao Congresso Nacional a competência para legislar sobre as matérias de competência da União, o que apresenta um alcance sensivelmente mais amplo que a competência do Ministro de Estado para expedir instruções para a execução das leis (CRFB/1988, art. 87, parágrafo único, II). O poder outorgado ao Ministro de Estado lhe permitirá delimitar o alcance de institutos jurídicos, in casu, com reflexos diretos na definição do próprio montante final da dívida do Estado aderente para com a União, além de trazer consigo um evidente vezo de discricionariedade, que certamente não se harmoniza com as feições de um federalismo de viés cooperativo. Vale lembrar que delegações dessa natureza, além de dissonantes da sistemática constitucional, foram expressamente proscritas pelo art. 25 do ADCT.

15.11.4. O vício de inconstitucionalidade do § 7º do art. 8º decorre do fato de simplesmente inexistirem balizamentos legais que justifiquem sua edição ou direcionem a sua existência. Vício similar não parece estar presente no § 5º do art. 9º, segundo o qual “ato do Ministro de Estado da Economia poderá estabelecer a metodologia de cálculo e demais detalhamentos necessários à aplicação do disposto neste artigo”. Neste último caso, o ato do Ministro da Economia tratará justamente da forma como serão calculados e implementados a redução extraordinária da dívida do Estado aderente para com a União, bem como a assunção, por este último ente federativo, de prestações de operações de crédito nas quais aquele figure como devedor. É evidente que a liberdade valorativa, aqui, é sensivelmente comprimida. O mesmo, aliás, se verifica em relação ao § 5º do art. 9º-A, de teor idêntico ao § 5º do art. 9º.

16. Reconhecidos os vícios de inconstitucionalidade do art. 8º, o mesmo há de ocorrer, por arrastamento, em relação aos preceitos que tratam da mesma temática, veiculados pelo Decreto Federal nº 10.681, de 20 de abril de 2021, que regulamentou o novo Regime de Recuperação Fiscal moldado pela Lei Complementar nº 178/2021.

IV. O art. 20, § 7º, da Lei Complementar nº 101/2000

            17. O art. 19 da Lei Complementar nº 101/2000 estabeleceu os limites máximos das despesas com pessoal em cada ente federativo. No âmbito dos Estados, esse limite foi fixado em 60% da receita corrente líquida. No inciso VI do § 1º do art. 19, com a redação dada pela Lei Complementar nº 178/2020, foram excluídas do cômputo desse limite as despesas “com inativos e pensionistas, ainda que pagas por intermédio de unidade gestora única ou fundo previsto no art. 249 da Constituição Federal, quanto à parcela custeada por recursos provenientes: a) da arrecadação de contribuições dos segurados; b) da compensação financeira de que trata o § 9o do art. 201 da Constituição (rectius: a compensação entre os regimes previdenciários); c) de transferências destinadas a promover o equilíbrio atuarial do regime de previdência, na forma definida pelo órgão do Poder Executivo federal responsável pela orientação, pela supervisão e pelo acompanhamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos”. O § 3º, no entanto, realça que, na verificação do atendimento desses limites, é vedada “a dedução da parcela custeada com recursos aportados para a cobertura do déficit financeiro dos regimes de previdência”. Portanto, somente a parte que sobejar será computada no limite global das despesas de pessoal.

            18. O art. 20 da Lei Complementar nº 101/2000 dividiu entre as estruturas orgânicas ali referidas o limite de despesas com pessoal afeto ao respectivo ente federativo. O seu § 7º, por sua vez, acrescido pela Lei Complementar nº 178/2021, dispôs que “os Poderes e órgãos referidos neste artigo deverão apurar, de forma segregada para aplicação dos limites de que trata este artigo, a integralidade das despesas com pessoal dos respectivos servidores inativos e pensionistas, mesmo que o custeio dessas despesas esteja a cargo de outro Poder ou órgão”. Ainda que a menção à “integralidade das despesas” diga respeito, apenas, às despesas “computáveis”, na forma definida no inciso VI do § 1º do art. 19, o preceito simplesmente desconsidera todos os recursos já repassados, ao Poder Executivo, pelos demais Poderes e órgãos autônomos, para fazer face às despesas do respectivo regime próprio de previdência social. Afinal, desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 41/2003, que inseriu um § 20 no art. 40 da Constituição de 1988, passou a ser vedada a existência de mais de um órgão ou unidade gestora desse regime em cada ente federativo, tratando-se de munus normalmente desincumbido por autarquia vinculada ao Poder Executivo. Se as receitas não são segregadas, como admitir que as despesas o sejam? Esse proceder terá o efeito inevitável de inviabilizar a própria continuidade de muitos serviços, já que as despesas com pessoal inativo, passarão a ser computadas, de modo distorcido, no limite existente.

            19. Ora, ao “capitalizar” as receitas no Poder Executivo, e “socializar” as despesas no âmbito dos demais Poderes e órgãos autônomos, foi evidente a afronta à separação dos poderes consagrada no art. 2º da Constituição de 1988.

  

Epílogo

            20. O Regime de Recuperação Fiscal, a exemplo das normas de responsabilidade fiscal, deve ser estruturado de modo a assegurar a gestão responsável e o equilíbrio nas finanças públicas. Medidas de reestruturação não devem ser insensíveis ao interesse da população na continuidade de funções e serviços públicos e muito menos indiferentes à existência dos inúmeros seres humanos que atuam no setor público, a grande maioria selecionada após regular aprovação em concurso público.

            21. Ensinam as regras de experiência que os maiores males tendem a ser causados pelos aventureiros de plantão, justamente aqueles que ocupam o ápice do escalonamento hierárquico e tomam as decisões políticas fundamentais, não por aqueles que simplesmente trabalham em prol da coletividade. O que se afigura injusto é que sejam os últimos a suportar as consequências desses males.


Imprimir